As bases da economia nova
Leão Ramos Ascensão
[Leão Ramos Ascensão, "As bases da economia nova", Ordem Nova, nº 1, Março de 1926, p. 26-30.]
"Quereis refazer um Estado, restaurar uma Nação? Fazei apelo aos poderes do Espírito." (Georges Valois, L'Économie nouvelle, 1919).
Leão Ramos Ascensão começa por escrever que Valois, na Économie nouvelle, lançou as bases do regime económico que virá a suceder à destroçada economia liberal, mas acrescenta: "É o Valois, é o Valois sem fesso, que não decapitava a sua doutrina porque não esquecia a necessidade do Rei."
Acerca desse Georges Valois (pseudónimo de Alfred-Georges Gressent, Paris, 1878 - Bergen-Belsen, 1945) importa ter presente o lugar da obra referida num percurso intelectual e político muito singular e complicado, emblemático da grande convulsão europeia do período de entre as guerras: partindo do anarquismo e sindicalismo revolucionário, evoluiu até ao tradicionalismo monárquico da Action française, depois até ao Faisceau e daí até à criação do Partido Republicano Sindicalista, para terminar em resistência ao nazismo, e na prisão e morte no campo de concentração de Bergen-Belsen.
Interessa-nos aqui o que Ascensão estava em condições de conhecer em Março de 1926. Valois aderiu à Action française em 1906, percepcionando nesse movimento "um exército revolucionário contra o capitalismo". Substituir o capitalismo e o parlamentarismo pode bem ter sido o seu programa de sempre. Perante o que lhe parecia ser uma alternativa entre a ditadura e a monarquia, Valois escolheu então a monarquia da Action française - é essa também a perspectiva que Leão Ramos Ascensão retoma e defende neste artigo.
Em 1911, Valois esteve nessa via participando, no seio da Action française, na criação do grupo de reflexão "Cercle Proudhon", cujo propósito era o de converter os sindicalistas ao ideário monárquico.
No ano seguinte, assumiu a direcção da editora Nouvelle Librairie Nationale. Em 1914, foi mobilizado para a Guerra, vindo a ficar gravemente ferido na batalha de Verdun, em Outubro de 1916.
A obra L'Économie nouvelle, foi escrita no final da guerra e publicada em 1919, surgindo no ano seguinte uma segunda edição e obtendo o prémio Fabien da Academia francesa.
Em 1923, Valois iniciou a publicação de Les Cahiers des États généraux mas, em Fevereiro de 1925, lançou o jornal Le Nouveau Siècle - "journal de la fraternité nationale", em crescente afastamento da Action française. A ruptura consumou-se em Outubro de 1925, apenas cinco meses antes deste artigo de Ramos Ascensão ser publicado.
Como referido, Ascensão inspirou-se naquela obra, mas não sem ter acrescentado: "É o Valois, é o Valois sem fesso, que não decapitava a sua doutrina porque não esquecia a necessidade do Rei."
Ascensão referia-se ao divórcio litigioso de Valois com a Action française, que levou à criação dos Faisceau, em Novembro. Entre Dezembro de 1925 e Abril de 1926, 1.800 membros da Action française demitiram-se para aderir ao Faisceau. Ao referir-se ao "Valois sem fesso", Ascensão está a fazer-se eco da acusação que Charles Maurras lançou sobre George Valois e os Faisceau: o de que fora criado com dinheiro vindo da Itália e imitando o fascismo.
Em 1928, Valois dir-se-á vítima de uma campanha de calúnias e da exploração do medo do sindicalismo operário (George Valois, L’Homme contre l’argent. Souvenirs de dix ans 1918-1928, Paris, ed. de 2012, pp. 221-280).
Em Março de 1926, Ascensão revela conhecer a versão maurrasiana dos acontecimentos que levara à cisão dos Faisceau; sendo certo que Valois tinha abandonado já de facto o programa monárquico, para vir a criar, em 1928, o Parti républicain syndicaliste ( PRS).
Em Portugal, viviam-se as agitadas vésperas do 28 de Maio de 1926. O papa Pio XI, só em 8 de Setembro de 1926 fez a condenação pública do movimento da Action française.
Em 1938, o rápido triunfo dos fascismos em Itália e Alemanha, em contraste como o seu malogro em França, era um motivo de reflexão de Ascensão em carta para Alfredo Pimenta.
Nota: "fesso", em italiano, significa "idiota" e os "fessistes" seriam os membros do Faisceau criado por Georges Valois.
[Leão Ramos Ascensão, "As bases da economia nova", Ordem Nova, nº 1, Março de 1926, p. 26-30.]
"Quereis refazer um Estado, restaurar uma Nação? Fazei apelo aos poderes do Espírito." (Georges Valois, L'Économie nouvelle, 1919).
Leão Ramos Ascensão começa por escrever que Valois, na Économie nouvelle, lançou as bases do regime económico que virá a suceder à destroçada economia liberal, mas acrescenta: "É o Valois, é o Valois sem fesso, que não decapitava a sua doutrina porque não esquecia a necessidade do Rei."
Acerca desse Georges Valois (pseudónimo de Alfred-Georges Gressent, Paris, 1878 - Bergen-Belsen, 1945) importa ter presente o lugar da obra referida num percurso intelectual e político muito singular e complicado, emblemático da grande convulsão europeia do período de entre as guerras: partindo do anarquismo e sindicalismo revolucionário, evoluiu até ao tradicionalismo monárquico da Action française, depois até ao Faisceau e daí até à criação do Partido Republicano Sindicalista, para terminar em resistência ao nazismo, e na prisão e morte no campo de concentração de Bergen-Belsen.
Interessa-nos aqui o que Ascensão estava em condições de conhecer em Março de 1926. Valois aderiu à Action française em 1906, percepcionando nesse movimento "um exército revolucionário contra o capitalismo". Substituir o capitalismo e o parlamentarismo pode bem ter sido o seu programa de sempre. Perante o que lhe parecia ser uma alternativa entre a ditadura e a monarquia, Valois escolheu então a monarquia da Action française - é essa também a perspectiva que Leão Ramos Ascensão retoma e defende neste artigo.
Em 1911, Valois esteve nessa via participando, no seio da Action française, na criação do grupo de reflexão "Cercle Proudhon", cujo propósito era o de converter os sindicalistas ao ideário monárquico.
No ano seguinte, assumiu a direcção da editora Nouvelle Librairie Nationale. Em 1914, foi mobilizado para a Guerra, vindo a ficar gravemente ferido na batalha de Verdun, em Outubro de 1916.
A obra L'Économie nouvelle, foi escrita no final da guerra e publicada em 1919, surgindo no ano seguinte uma segunda edição e obtendo o prémio Fabien da Academia francesa.
Em 1923, Valois iniciou a publicação de Les Cahiers des États généraux mas, em Fevereiro de 1925, lançou o jornal Le Nouveau Siècle - "journal de la fraternité nationale", em crescente afastamento da Action française. A ruptura consumou-se em Outubro de 1925, apenas cinco meses antes deste artigo de Ramos Ascensão ser publicado.
Como referido, Ascensão inspirou-se naquela obra, mas não sem ter acrescentado: "É o Valois, é o Valois sem fesso, que não decapitava a sua doutrina porque não esquecia a necessidade do Rei."
Ascensão referia-se ao divórcio litigioso de Valois com a Action française, que levou à criação dos Faisceau, em Novembro. Entre Dezembro de 1925 e Abril de 1926, 1.800 membros da Action française demitiram-se para aderir ao Faisceau. Ao referir-se ao "Valois sem fesso", Ascensão está a fazer-se eco da acusação que Charles Maurras lançou sobre George Valois e os Faisceau: o de que fora criado com dinheiro vindo da Itália e imitando o fascismo.
Em 1928, Valois dir-se-á vítima de uma campanha de calúnias e da exploração do medo do sindicalismo operário (George Valois, L’Homme contre l’argent. Souvenirs de dix ans 1918-1928, Paris, ed. de 2012, pp. 221-280).
Em Março de 1926, Ascensão revela conhecer a versão maurrasiana dos acontecimentos que levara à cisão dos Faisceau; sendo certo que Valois tinha abandonado já de facto o programa monárquico, para vir a criar, em 1928, o Parti républicain syndicaliste ( PRS).
Em Portugal, viviam-se as agitadas vésperas do 28 de Maio de 1926. O papa Pio XI, só em 8 de Setembro de 1926 fez a condenação pública do movimento da Action française.
Em 1938, o rápido triunfo dos fascismos em Itália e Alemanha, em contraste como o seu malogro em França, era um motivo de reflexão de Ascensão em carta para Alfredo Pimenta.
Nota: "fesso", em italiano, significa "idiota" e os "fessistes" seriam os membros do Faisceau criado por Georges Valois.
Leão Ramos Ascensão, "As bases da economia nova", Ordem Nova, nº 1, Março de 1926, p. 26-30.
Uma crítica da economia liberal e da economia socialista, defendendo uma economia nova, inspirada na obra L'Économie nouvelle (1ª ed. 1919), de George Valois, que a escrevera "contra as duas barbáries que nos ameaçam: a barbárie plutocrática e a barbárie marxista". O título do primeiro capítulo ("Au commencement est le verbe" - No princípio é o verbo), seria de alguma forma retomado no último livro de ensaios publicado em vida por António Sardinha - Ao princípio era o verbo (1924). Ascensão começa referindo-se a Valois e termina citando Sardinha.
A "economia nova" será, segundo Ramos Ascensão, uma renovação da economia medieval - renovada pelo "amor da profissão, justo preço e justa remuneração."
A economia liberal, essencialmente individualista, assenta na falsa lei da oferta e da procura, contrária à justiça e à moral. É esse o ponto de partida da sua crítica. A lei da oferta e da procura não é verdadeira porque uma das partes está sob a protecção do Estado - o Estado que garante os direitos do detentor dos produtos contra o comprador. Ramos Ascensão cita Lenine, por ter sido quem melhor criticou a lei da oferta e da procura nos seus efeitos: "os capitalistas chamam sempre liberdade à facilidade com que os ricos podem fazer os seus negócios, enquanto os pobres vão morrendo de fome".
O liberalismo, político e económico, em que o Estado protege os fortes contra os fracos, conduz à "ignóbil plutocracia, sem pátria e sem honra, que hoje suportamos e que está cavando a ruína total da nossa civilização" (p. 26). Ao dar um lugar predominante ao capital, a economia liberal é a antítese perfeita das doutrinas cristãs.
A alternativa do socialismo tem lógica - a uma democracia política devia corresponder uma democracia na economia, na produção. Porque não colocar os operários a organizar a produção? - A revolução russa de 1917 tentou-o com os sovietes de operários nas fábricas, mas falhou, sendo substituídos por funcionários despóticos, mas isso não impediu a diminuição e a desorganização da produção. Estão agora a restabelecer o patronato.
"Na Rússia, que é uma lição viva, age-se em nome do operariado, mas não se vê a ditadura do operário: é uma ditadura de homens saídos de todas as fileiras sociais, que procedem em nome de uma ideia, especulando com a luta de classes para fazerem alastrar o seu domínio por toda a Europa e pelo mundo inteiro" (p. 27)
Ascensão critica também a liberdade no mercado de trabalho da economia liberal. A lei da oferta e da procura no mercado de trabalho também acaba por colocar os operários sem protecção em face do patrão.
Para que a nova economia possa emergir, importará reconhecer duas "leis": a lei do menor esforço e a do interesse individual. Não negando a liberdade humana, temos de reconhecer como legítimo o interesse individual, particular, e conduzi-lo ao bem comum.
Como fazer coincidir o interesse particular com o interesse colectivo? Começando por reconhecer o interesse particular.
Rejeitando o determinismo económico do marxismo, Ascensão conclui: "Toda a criação económica é condicionada pelo facto político e social, sem o qual não existiria"
Sem a nomear, Ascensão salienta os dois aspectos essenciais da Lei Le Chapelier (17 de Junho de 1791): a proibição das Corporações e das reuniões dos trabalhadores. Durante a Revolução Francesa, iniciada em 1789, aquela Lei constituiu o verdadeiro ponto de partida do individualismo económico: "perdeu-se por completo o sentido da função social do trabalho que passou a ser considerado como qualquer mercadoria" - "Era a guerra social que começava" (p. 28).
Para a manutenção da paz social seria necessário contrariar a luta de classes, restabelecendo as corporações e as suas liberdades, apelando à lei da solidariedade. Pode haver solidariedade entre patrões e operários do mesmo ramo de actividade, da mesma localidade, da mesma região, da mesma província, fazendo convergir a solidariedade para o plano nacional.
Para garantir a justiça, é necessária a autoridade do Estado, sendo nesse papel que, na perspectiva de Ramos Ascensão, a presença do Rei se torna crucial: só o Rei hereditário tem condições para cumprir a função pacificadora: é a "única autoridade independente, cujo interesse pessoal está ligado ao interesse comum".
Repelir o individualismo, no plano filosófico, era também uma prioridade - "o homem é um ser eminentemente social".
O restabelecimento e reconhecimento das corporações e das suas liberdades resumia o essencial na luta a travar contra o individualismo, surgindo como sedutor o exemplo medieval da "Casa dos Vinte e Quatro", das artes e ofícios - uma instituição que, promovendo a dignidade do trabalho, assegurava a paz social: "aproveitemos delas o que se pode adaptar aos tempos modernos". Era necessário restaurar a civilização católica que a tornara possível.
O artigo termina citando António Sardinha em Ao princípio era o Verbo, numa "síntese perfeita do nosso ideal construtivo" - pela reconstituição desde a Família até ao Município e à Corporação, do Município à Província, da Província até à Pátria.
Uma crítica da economia liberal e da economia socialista, defendendo uma economia nova, inspirada na obra L'Économie nouvelle (1ª ed. 1919), de George Valois, que a escrevera "contra as duas barbáries que nos ameaçam: a barbárie plutocrática e a barbárie marxista". O título do primeiro capítulo ("Au commencement est le verbe" - No princípio é o verbo), seria de alguma forma retomado no último livro de ensaios publicado em vida por António Sardinha - Ao princípio era o verbo (1924). Ascensão começa referindo-se a Valois e termina citando Sardinha.
A "economia nova" será, segundo Ramos Ascensão, uma renovação da economia medieval - renovada pelo "amor da profissão, justo preço e justa remuneração."
A economia liberal, essencialmente individualista, assenta na falsa lei da oferta e da procura, contrária à justiça e à moral. É esse o ponto de partida da sua crítica. A lei da oferta e da procura não é verdadeira porque uma das partes está sob a protecção do Estado - o Estado que garante os direitos do detentor dos produtos contra o comprador. Ramos Ascensão cita Lenine, por ter sido quem melhor criticou a lei da oferta e da procura nos seus efeitos: "os capitalistas chamam sempre liberdade à facilidade com que os ricos podem fazer os seus negócios, enquanto os pobres vão morrendo de fome".
O liberalismo, político e económico, em que o Estado protege os fortes contra os fracos, conduz à "ignóbil plutocracia, sem pátria e sem honra, que hoje suportamos e que está cavando a ruína total da nossa civilização" (p. 26). Ao dar um lugar predominante ao capital, a economia liberal é a antítese perfeita das doutrinas cristãs.
A alternativa do socialismo tem lógica - a uma democracia política devia corresponder uma democracia na economia, na produção. Porque não colocar os operários a organizar a produção? - A revolução russa de 1917 tentou-o com os sovietes de operários nas fábricas, mas falhou, sendo substituídos por funcionários despóticos, mas isso não impediu a diminuição e a desorganização da produção. Estão agora a restabelecer o patronato.
"Na Rússia, que é uma lição viva, age-se em nome do operariado, mas não se vê a ditadura do operário: é uma ditadura de homens saídos de todas as fileiras sociais, que procedem em nome de uma ideia, especulando com a luta de classes para fazerem alastrar o seu domínio por toda a Europa e pelo mundo inteiro" (p. 27)
Ascensão critica também a liberdade no mercado de trabalho da economia liberal. A lei da oferta e da procura no mercado de trabalho também acaba por colocar os operários sem protecção em face do patrão.
Para que a nova economia possa emergir, importará reconhecer duas "leis": a lei do menor esforço e a do interesse individual. Não negando a liberdade humana, temos de reconhecer como legítimo o interesse individual, particular, e conduzi-lo ao bem comum.
Como fazer coincidir o interesse particular com o interesse colectivo? Começando por reconhecer o interesse particular.
Rejeitando o determinismo económico do marxismo, Ascensão conclui: "Toda a criação económica é condicionada pelo facto político e social, sem o qual não existiria"
Sem a nomear, Ascensão salienta os dois aspectos essenciais da Lei Le Chapelier (17 de Junho de 1791): a proibição das Corporações e das reuniões dos trabalhadores. Durante a Revolução Francesa, iniciada em 1789, aquela Lei constituiu o verdadeiro ponto de partida do individualismo económico: "perdeu-se por completo o sentido da função social do trabalho que passou a ser considerado como qualquer mercadoria" - "Era a guerra social que começava" (p. 28).
Para a manutenção da paz social seria necessário contrariar a luta de classes, restabelecendo as corporações e as suas liberdades, apelando à lei da solidariedade. Pode haver solidariedade entre patrões e operários do mesmo ramo de actividade, da mesma localidade, da mesma região, da mesma província, fazendo convergir a solidariedade para o plano nacional.
Para garantir a justiça, é necessária a autoridade do Estado, sendo nesse papel que, na perspectiva de Ramos Ascensão, a presença do Rei se torna crucial: só o Rei hereditário tem condições para cumprir a função pacificadora: é a "única autoridade independente, cujo interesse pessoal está ligado ao interesse comum".
Repelir o individualismo, no plano filosófico, era também uma prioridade - "o homem é um ser eminentemente social".
O restabelecimento e reconhecimento das corporações e das suas liberdades resumia o essencial na luta a travar contra o individualismo, surgindo como sedutor o exemplo medieval da "Casa dos Vinte e Quatro", das artes e ofícios - uma instituição que, promovendo a dignidade do trabalho, assegurava a paz social: "aproveitemos delas o que se pode adaptar aos tempos modernos". Era necessário restaurar a civilização católica que a tornara possível.
O artigo termina citando António Sardinha em Ao princípio era o Verbo, numa "síntese perfeita do nosso ideal construtivo" - pela reconstituição desde a Família até ao Município e à Corporação, do Município à Província, da Província até à Pátria.