O PROGRAMA DE GOVERNO DO GENERAL GOMES DA COSTA (O “PROGRAMA RETROACTIVO” DO «28 DE MAIO»), APRESENTADO EM 14 DE JUNHO DE 1926.
“O GENERAL GOMES DA COSTA APRESENTOU AO CONSELHO UM PROGRAMA DE GOVERNO
PREÂMBULO
Para a realização dos fins da Revolução Nacional que são a dignificação e a nacionalização da República, tenho a honra de propor em conselho de ministros o seguinte plano de providências do Governo. Estas são as medidas que me parecem representarem o verdadeiro espírito da Revolução Republicana Nacional, que o País espera e que eu desejaria ver realizadas com brevidade, enquanto pelo Ministério da Guerra, por medidas de defesa e reorganização, eu garanto, além da defesa nacional, as condições de força e de contacto com o espírito do Exército. Recomendo a maior sobriedade na escolha das leis a promulgar imediatamente, aproveitando por cada ministério apenas uma ou duas das propostas consideradas de alcance verdadeiramente nacional, bem estudadas e informadas pelos conselhos competentes.
Não pretendem estas indicações invadir as atribuições de cada pasta, mas apenas apresentar uma sugestão do espírito da Revolução Nacional, aceitando de boamente que, em vez destas, outras medidas sejam tomadas que obedeçam ao mesmo espírito revolucionário e tenham a mesma importância nacional.
Quanto a medidas de defesa, tomando por mim o compromisso da segurança do Exército, apoiando o nosso pensamento libertador, aguardo dos meus colegas e em especial (como lhe compete) do sr. Presidente do ministério e ministro do Interior, dentro da gravíssima responsabilidade que a questão implica, a proposição daquelas que entenderem necessárias para garantir a estabilidade do Governo Revolucionário na situação actual em que muitas repartições públicas e certas forças financeiras estão de facto ao dispor dos vencidos da Revolução Republicana Nacional.
DECRETO
O Governo da República decreta para valer como lei:
Artigo único. – É revogada a lei n.º 1872, de 31 de Maio do ano corrente.
O presidente do ministério e o ministro do Interior e os ministros das demais repartições assim o tenham entendido e façam executar.
Paços do Governo da República, 14 de Junho de 1926.
MATÉRIA CONSTITUCIONAL
1) Suspensão dos artigos 7º e 54º da Constituição;
2) Projecto de uma Constituição com as seguintes bases fundamentais:
a) Alargamento do período de exercício do mandato presidencial;
b) Alargamento das atribuições presidenciais;
c) Secretários de Estado da livre nomeação do presidente e responsáveis perante ele;
d) Conselhos técnicos junto dos secretários de Estado;
e) Representação nacional por delegação directa dos municípios, na eleição dos quais o sufrágio será alargado de maneira a ser atribuído a todos os chefes de família, uniões económicas, e dos corpos educativos e espirituais, com exclusão absoluta do sufrágio individualista, e consequente representação partidária;
f) Duas Câmaras: Câmara dos municípios e Câmara das corporações;
g) Lei eleitoral adequada ao novo sistema representativo;
h) Enquanto se não reúne a nova representação nacional, as suas funções (redacção das leis, sua proposição, inquérito nacional) serão provisoriamente e desde já, exercidas por conselhos técnicos, constituídos por 3 a 5 membros, nomeados pelo Governo, sob proposta dos ministros respectivos, agregando a si delegados das uniões e organismos económicos, universidades e institutos de educação e ensino.
REALIZAÇÕES DIVERSAS
Libertação da família – Revisão da lei do divórcio no sentido da defesa da instituição da família (Ministério da Justiça) – Isenção da contribuição de registo nas transmissões a favor de descendentes (Ministério das Finanças) – Casal de Família (Ministério da Justiça) – Alargamento do voto municipal a todos os chefes de família (Ministério do Interior).
Libertação da Propriedade e autonomia económica nacional – Garantia efectiva do direito de propriedade e exigência do cumprimento dos deveres sociais correlativos por parte dos proprietários (capitais, propriedades rústica e urbana) (Ministério da Justiça).
Dirigir uma consulta à Associação de Agricultura, à União Agrária e aos outros corpos interessados, par que, em prazo determinado, estabeleçam o caderno das medidas de crédito e outras que a agricultura nacional reclama, para que possa tomar compromisso do abastecimento suficiente de pão necessário à subsistência e à defesa nacional. Plano de fomento de todas as riquezas da terra, com vista ao desenvolvimento máximo das riquezas agrícolas de exportação (fomento, crédito, assistência técnica e tratados de comércio (Ministério da Agricultura). – Resolução da questão dos tabacos. – Providências imediatas do crédito industrial, comercial e agrícola. – Reforma bancária no sentido de garantir a segurança e a orientação nacional nas instituições de crédito, sem qualquer intervenção do Estado na sua administração. – Transformação do Conselho Superior de Finanças num Tribunal de Contas, composto de magistrados – Reforma da Contabilidade Pública. – Simplificação do sistema tributário com preferência pelos impostos tradicionais. – Compressão das despesas e equilíbrio do orçamento. – Remodelação da legislação das sociedades anónimas (Ministério das Finanças).
Libertação dos Municípios – Descentralização e diferenciação regional (Ministério do Interior).
Libertação do Trabalho Nacional – Promover a organização corporativa de toda a economia nacional, por meio da atribuição de privilégios àquelas corporações que se organizarem contra a luta de classes e realizarem a representação de todos os elementos da produção (capitalistas, proprietários, chefes de empresa, empregados e operários) e garantirem ao operário o seu estatuto nos termos da nova legislação social a promulgar (Ministérios do Comércio e da Agricultura).
Liberdade Religiosa – Concessão de personalidade jurídica à Igreja. – Revisão da lei de Separação, no sentido de garantir, definitivamente, as liberdades religiosas do Povo Português (Ministério da Justiça). – Liberdade de ensino religioso nas escolas particulares (Ministério da Instrução).
Garantia do Direito à Vida – Lei repressiva dos atentados pessoais de natureza política ou pessoal (autores, instigadores, detentores de armas e engenhos explosivos); julgamento sumário em conselho de guerra no prazo máximo de oito dias (Ministério da Justiça).
Instrução Pública
Primária – Redução e simplificação do programa. – Efectivação dos direitos e responsabilidades dos professores. Ensino elementar da Economia e da História Regional. Extinção imediata das escolas primárias superiores. - Liberdade de ensino religioso nas escolas primárias particulares.
Secundária – Revisão dos programas actuais no sentido de mais racional agrupamento das disciplinas. Alargamento para 3 anos, dos cursos complementares de letras e ciências e intensificação dos estudos das línguas latina e portuguesa. Inspecção permanente dos liceus por delegados do Poder Central. – Rigorosa selecção do pessoal docente. – Reitores de nomeação do Governo e de entre professores de ensino superior. – Liberdade de ensino religioso nos colégios e escolas secundárias particulares.
Superior – Efectivação da autonomia universitária, mantendo, contudo, o princípio da nomeação pelo Governo dos reitores das universidades. Protecção decidida à extensão universitária, alargando-a às principais terras do País. Exames de admissão a cada uma das faculdades, com garantia eficaz, exercida por estas, da idoneidade dos candidatos ao ensino superior. Dotação suficiente dos serviços práticos, laboratoriais e hospitalares, sempre que não bastem os recursos próprios das Faculdades.
Profissional – Sua integração no Ministério da Instrução Pública. Relacionação sistemática do ensino nos seus três graus. Colaboração das escolas e associações no empenho da colocação dos operários e aprendizes. Melhor distribuição dos institutos profissionais, conforme as necessidades e indicações das regiões.
Artística – Dotação suficiente dos elementos materiais do estudo. Inspecção permanente do ensino por agentes do ministério. Bolsas de estudo a artistas de reconhecido mérito. Providências para a construção dos edifícios das Escolas de Belas Artes. – Constituição e dotação dos museus provinciais.
Fomento Nacional – Resolução do problema das estradas. Aproveitamento dos rios para a produção de energia, irrigação e navegação interior. Aproveitamento dos carvões nacionais e montagem de linhas de transporte de energia eléctrica para a distribuição da energia nacional. Desenvolvimento da Marinha Mercante, indústria da pesca e respectivos portos.
(Este «Programa de Governo» foi lido pelo General Gomes da Costa perante o conselho de Ministros presidido pelo comandante Mendes Cabeçadas, reunido na tarde de 14 de Junho de 1926, tendo sido escrito na manhã do mesmo dia por Henrique Trindade Coelho, Hipólito Raposo, Pequito Rebelo e Afonso Lucas.)
Fontes e Bibliografia
1926 - O Século, 15 de Junho de 1926
1986 - Hipólito Raposo (1885-1953), Folhas do Meu Cadastro. Volume II (1926-1952), Lisboa, 1986, pp. 14-19.
2002 - José Manuel Quintas, “O Integralismo face à institucionalização do Estado Novo: contra a "Salazarquia", in História, Ano XXIV (III série), n.º 44, Abril de 2002.
“O GENERAL GOMES DA COSTA APRESENTOU AO CONSELHO UM PROGRAMA DE GOVERNO
PREÂMBULO
Para a realização dos fins da Revolução Nacional que são a dignificação e a nacionalização da República, tenho a honra de propor em conselho de ministros o seguinte plano de providências do Governo. Estas são as medidas que me parecem representarem o verdadeiro espírito da Revolução Republicana Nacional, que o País espera e que eu desejaria ver realizadas com brevidade, enquanto pelo Ministério da Guerra, por medidas de defesa e reorganização, eu garanto, além da defesa nacional, as condições de força e de contacto com o espírito do Exército. Recomendo a maior sobriedade na escolha das leis a promulgar imediatamente, aproveitando por cada ministério apenas uma ou duas das propostas consideradas de alcance verdadeiramente nacional, bem estudadas e informadas pelos conselhos competentes.
Não pretendem estas indicações invadir as atribuições de cada pasta, mas apenas apresentar uma sugestão do espírito da Revolução Nacional, aceitando de boamente que, em vez destas, outras medidas sejam tomadas que obedeçam ao mesmo espírito revolucionário e tenham a mesma importância nacional.
Quanto a medidas de defesa, tomando por mim o compromisso da segurança do Exército, apoiando o nosso pensamento libertador, aguardo dos meus colegas e em especial (como lhe compete) do sr. Presidente do ministério e ministro do Interior, dentro da gravíssima responsabilidade que a questão implica, a proposição daquelas que entenderem necessárias para garantir a estabilidade do Governo Revolucionário na situação actual em que muitas repartições públicas e certas forças financeiras estão de facto ao dispor dos vencidos da Revolução Republicana Nacional.
DECRETO
O Governo da República decreta para valer como lei:
Artigo único. – É revogada a lei n.º 1872, de 31 de Maio do ano corrente.
O presidente do ministério e o ministro do Interior e os ministros das demais repartições assim o tenham entendido e façam executar.
Paços do Governo da República, 14 de Junho de 1926.
MATÉRIA CONSTITUCIONAL
1) Suspensão dos artigos 7º e 54º da Constituição;
2) Projecto de uma Constituição com as seguintes bases fundamentais:
a) Alargamento do período de exercício do mandato presidencial;
b) Alargamento das atribuições presidenciais;
c) Secretários de Estado da livre nomeação do presidente e responsáveis perante ele;
d) Conselhos técnicos junto dos secretários de Estado;
e) Representação nacional por delegação directa dos municípios, na eleição dos quais o sufrágio será alargado de maneira a ser atribuído a todos os chefes de família, uniões económicas, e dos corpos educativos e espirituais, com exclusão absoluta do sufrágio individualista, e consequente representação partidária;
f) Duas Câmaras: Câmara dos municípios e Câmara das corporações;
g) Lei eleitoral adequada ao novo sistema representativo;
h) Enquanto se não reúne a nova representação nacional, as suas funções (redacção das leis, sua proposição, inquérito nacional) serão provisoriamente e desde já, exercidas por conselhos técnicos, constituídos por 3 a 5 membros, nomeados pelo Governo, sob proposta dos ministros respectivos, agregando a si delegados das uniões e organismos económicos, universidades e institutos de educação e ensino.
REALIZAÇÕES DIVERSAS
Libertação da família – Revisão da lei do divórcio no sentido da defesa da instituição da família (Ministério da Justiça) – Isenção da contribuição de registo nas transmissões a favor de descendentes (Ministério das Finanças) – Casal de Família (Ministério da Justiça) – Alargamento do voto municipal a todos os chefes de família (Ministério do Interior).
Libertação da Propriedade e autonomia económica nacional – Garantia efectiva do direito de propriedade e exigência do cumprimento dos deveres sociais correlativos por parte dos proprietários (capitais, propriedades rústica e urbana) (Ministério da Justiça).
Dirigir uma consulta à Associação de Agricultura, à União Agrária e aos outros corpos interessados, par que, em prazo determinado, estabeleçam o caderno das medidas de crédito e outras que a agricultura nacional reclama, para que possa tomar compromisso do abastecimento suficiente de pão necessário à subsistência e à defesa nacional. Plano de fomento de todas as riquezas da terra, com vista ao desenvolvimento máximo das riquezas agrícolas de exportação (fomento, crédito, assistência técnica e tratados de comércio (Ministério da Agricultura). – Resolução da questão dos tabacos. – Providências imediatas do crédito industrial, comercial e agrícola. – Reforma bancária no sentido de garantir a segurança e a orientação nacional nas instituições de crédito, sem qualquer intervenção do Estado na sua administração. – Transformação do Conselho Superior de Finanças num Tribunal de Contas, composto de magistrados – Reforma da Contabilidade Pública. – Simplificação do sistema tributário com preferência pelos impostos tradicionais. – Compressão das despesas e equilíbrio do orçamento. – Remodelação da legislação das sociedades anónimas (Ministério das Finanças).
Libertação dos Municípios – Descentralização e diferenciação regional (Ministério do Interior).
Libertação do Trabalho Nacional – Promover a organização corporativa de toda a economia nacional, por meio da atribuição de privilégios àquelas corporações que se organizarem contra a luta de classes e realizarem a representação de todos os elementos da produção (capitalistas, proprietários, chefes de empresa, empregados e operários) e garantirem ao operário o seu estatuto nos termos da nova legislação social a promulgar (Ministérios do Comércio e da Agricultura).
Liberdade Religiosa – Concessão de personalidade jurídica à Igreja. – Revisão da lei de Separação, no sentido de garantir, definitivamente, as liberdades religiosas do Povo Português (Ministério da Justiça). – Liberdade de ensino religioso nas escolas particulares (Ministério da Instrução).
Garantia do Direito à Vida – Lei repressiva dos atentados pessoais de natureza política ou pessoal (autores, instigadores, detentores de armas e engenhos explosivos); julgamento sumário em conselho de guerra no prazo máximo de oito dias (Ministério da Justiça).
Instrução Pública
Primária – Redução e simplificação do programa. – Efectivação dos direitos e responsabilidades dos professores. Ensino elementar da Economia e da História Regional. Extinção imediata das escolas primárias superiores. - Liberdade de ensino religioso nas escolas primárias particulares.
Secundária – Revisão dos programas actuais no sentido de mais racional agrupamento das disciplinas. Alargamento para 3 anos, dos cursos complementares de letras e ciências e intensificação dos estudos das línguas latina e portuguesa. Inspecção permanente dos liceus por delegados do Poder Central. – Rigorosa selecção do pessoal docente. – Reitores de nomeação do Governo e de entre professores de ensino superior. – Liberdade de ensino religioso nos colégios e escolas secundárias particulares.
Superior – Efectivação da autonomia universitária, mantendo, contudo, o princípio da nomeação pelo Governo dos reitores das universidades. Protecção decidida à extensão universitária, alargando-a às principais terras do País. Exames de admissão a cada uma das faculdades, com garantia eficaz, exercida por estas, da idoneidade dos candidatos ao ensino superior. Dotação suficiente dos serviços práticos, laboratoriais e hospitalares, sempre que não bastem os recursos próprios das Faculdades.
Profissional – Sua integração no Ministério da Instrução Pública. Relacionação sistemática do ensino nos seus três graus. Colaboração das escolas e associações no empenho da colocação dos operários e aprendizes. Melhor distribuição dos institutos profissionais, conforme as necessidades e indicações das regiões.
Artística – Dotação suficiente dos elementos materiais do estudo. Inspecção permanente do ensino por agentes do ministério. Bolsas de estudo a artistas de reconhecido mérito. Providências para a construção dos edifícios das Escolas de Belas Artes. – Constituição e dotação dos museus provinciais.
Fomento Nacional – Resolução do problema das estradas. Aproveitamento dos rios para a produção de energia, irrigação e navegação interior. Aproveitamento dos carvões nacionais e montagem de linhas de transporte de energia eléctrica para a distribuição da energia nacional. Desenvolvimento da Marinha Mercante, indústria da pesca e respectivos portos.
(Este «Programa de Governo» foi lido pelo General Gomes da Costa perante o conselho de Ministros presidido pelo comandante Mendes Cabeçadas, reunido na tarde de 14 de Junho de 1926, tendo sido escrito na manhã do mesmo dia por Henrique Trindade Coelho, Hipólito Raposo, Pequito Rebelo e Afonso Lucas.)
Fontes e Bibliografia
1926 - O Século, 15 de Junho de 1926
1986 - Hipólito Raposo (1885-1953), Folhas do Meu Cadastro. Volume II (1926-1952), Lisboa, 1986, pp. 14-19.
2002 - José Manuel Quintas, “O Integralismo face à institucionalização do Estado Novo: contra a "Salazarquia", in História, Ano XXIV (III série), n.º 44, Abril de 2002.