Destino de um «Nacionalista»
António Jacinto Ferreira
Só Deus sabe a profunda repugnância com que lançamos mão da pena para escrever estas linhas!
Mas o respeito que temos pelos nossos leitores, e a nossa responsabilidade de director deste semanário obrigam-nos a pegar numa pinça para remexer num monturo publicado no «Correio do Minho» de 8 do corrente.
Somente lamentamos que estejamos a dissipar energias com energúmenos rotulados de nacionalistas, e até (oh, desfaçatez!) de monárquicos.
*
Demos, generosamente, há semanas, em artigo de fundo, notícia crítica de um pobre livreco sem sombra de valor [Destino do Nacionalismo Português], e enviado pelo seu autor [António José de Brito], decerto a mendigar uma referênciazinha.
Não percebeu o autor quanto era para ele lisonjeira a nossa benevolência (o que vemos agora ser natural nele) e resolveu com estranha tacanhez de espírito, agredir-nos e procurar ridicularizar-nos no referido «Correio», ao mesmo tempo que fazia afirmações infundadas, envolvidas em copioso psitacismo... pour épater.
Respondemos-lhe pondo os pontos nos ii, e aconselhando-o a ser mais correcto para com os amigos políticos (confessamos aqui a nossa ingenuidade) já que na sua resposta a civilidade estava longe de ser a nota dominante.
Foi o diabo! Tomando a nossa resposta como um par de bandarilhas de fogo aplicadas em su situ o pobre homem enraiveceu-se, urrou, pulou, espumou, e defecou novo artigo no mesmo jornal, o que é uma miséria, e não deixará duvidas a qualquer psiquiatra quanto a um diagnóstico de paranóia.
Claro que não podemos responder-lhe, não só porque a loucura é uma doença que sempre nos mereceu a maior discrição, como também porque o corajoso animal morde-nos as canelas e depois foge com o rabo entre as pernas, declarando no final que digamos nós o que dissermos não nos responderá, porque tem por nós... o mais profundo desprezo.
Que alívio, senhores! O pior que nos poderia acontecer era, pelo contrário, ele ter-se lembrado de dizer que tinha por nós muita consideração. Safa! De que nos livramos, hein?!
(...)
A. Jacinto Ferreira, "Destino de um «Nacionalista»" (António José de Brito), O Debate, Junho de 1962.
Só Deus sabe a profunda repugnância com que lançamos mão da pena para escrever estas linhas!
Mas o respeito que temos pelos nossos leitores, e a nossa responsabilidade de director deste semanário obrigam-nos a pegar numa pinça para remexer num monturo publicado no «Correio do Minho» de 8 do corrente.
Somente lamentamos que estejamos a dissipar energias com energúmenos rotulados de nacionalistas, e até (oh, desfaçatez!) de monárquicos.
*
Demos, generosamente, há semanas, em artigo de fundo, notícia crítica de um pobre livreco sem sombra de valor [Destino do Nacionalismo Português], e enviado pelo seu autor [António José de Brito], decerto a mendigar uma referênciazinha.
Não percebeu o autor quanto era para ele lisonjeira a nossa benevolência (o que vemos agora ser natural nele) e resolveu com estranha tacanhez de espírito, agredir-nos e procurar ridicularizar-nos no referido «Correio», ao mesmo tempo que fazia afirmações infundadas, envolvidas em copioso psitacismo... pour épater.
Respondemos-lhe pondo os pontos nos ii, e aconselhando-o a ser mais correcto para com os amigos políticos (confessamos aqui a nossa ingenuidade) já que na sua resposta a civilidade estava longe de ser a nota dominante.
Foi o diabo! Tomando a nossa resposta como um par de bandarilhas de fogo aplicadas em su situ o pobre homem enraiveceu-se, urrou, pulou, espumou, e defecou novo artigo no mesmo jornal, o que é uma miséria, e não deixará duvidas a qualquer psiquiatra quanto a um diagnóstico de paranóia.
Claro que não podemos responder-lhe, não só porque a loucura é uma doença que sempre nos mereceu a maior discrição, como também porque o corajoso animal morde-nos as canelas e depois foge com o rabo entre as pernas, declarando no final que digamos nós o que dissermos não nos responderá, porque tem por nós... o mais profundo desprezo.
Que alívio, senhores! O pior que nos poderia acontecer era, pelo contrário, ele ter-se lembrado de dizer que tinha por nós muita consideração. Safa! De que nos livramos, hein?!
(...)
A. Jacinto Ferreira, "Destino de um «Nacionalista»" (António José de Brito), O Debate, Junho de 1962.
NOTA EXPLICATIVA
(António José de Brito e o Integralismo Lusitano)
(António José de Brito e o Integralismo Lusitano)
Em 1962, António José de Brito (1927-2013) começou por situar-se como discípulo ideológico de Alfredo Pimenta (1882-1950), ao publicar Destino do Nacionalismo Português. Nesse livro, porém, para além de fazer uma defesa do nazifascismo e do anti-semitismo, procurou atrelar também a si António Sardinha e, de forma geral, o Integralismo Lusitano.
O jornal O Debate, dirigido por António Jacinto Ferreira (1906-1995), referiu-se à publicação do livro, mas António José de Brito não gostou do teor da referência e publicou em resposta um artigo com intenção polémica no Correio do Minho de 8 de Junho de 1962. E foi então que Jacinto Ferreira respondeu, abrindo com a impressiva exclamativa: "Só Deus sabe a profunda repugnância com que lançamos mão da pena para escrever estas linhas!". Em suma, para Jacinto Ferreira, o Destino do Nacionalismo Português era "um pobre livreco sem sombra de valor", mas impunha-se não deixar passar em claro a formação totalitarista e racista, a "má fé" e a "desonestidade na argumentação" mostrada pelo seu autor (O Debate, 22 de Setembro de 1962).
Estava instalado um fosso intransponível entre Brito e um destacado e reconhecido discípulo dos mestres do Integralismo Lusitano.
Dois anos depois, em 1964, Carlos Ferrão concluiu a publicação dos seus volumes de combate ao Integralismo Lusitano: O Integralismo e a Republica - autópsia de um mito (3 Volumes, Lisboa, Inquérito e Editorial O Século, 1963-1964). Nas palavras do autor, aquele livro seria "um libelo e uma exautoração" do Integralismo.
Entre os integralistas, prevaleceu a opinião de que o livro de Carlos Ferrão merecia desprezo e, por isso, nenhum dos alvejados lhe respondeu. Opinião diferente teve António José de Brito que, em Reflexões acerca do Integralismo Lusitano (1965), saiu a público mostrando a incompetência historiográfica de Carlos Ferrão.
Em 1965, o assunto "Carlos Ferrão" e o seu ataque ao Integralismo Lusitano teria ficado resolvido. Em 1969, porém, foi desenterrado um livro de juventude de António Sardinha, proscrito pelo próprio - O Sentido Nacional duma Existência - António Tomás Pires e o Integralismo Lusitano, fazendo adivinhar novos ataques. Em 1971, Mário Saraiva, assíduo colaborador de O Debate, resolve reunir e publicar A Verdade e a Mentira - Algumas notas em resposta a "O Integralismo e a República", reconhecendo mérito ao livro de Reflexões de Brito, porque "pormenorizadamente pôs a nu os erros, as falsidades e a má fé do injuriante".
Apesar das diferenças de pensamento e de doutrina, dir-se-ia que se faziam as pazes entre os homens de O Debate e António José de Brito. As diferenças eram, porém, profundas. A formação totalitária e racista de Brito não lhe permitia aceitar um pensamento político como o do Integralismo Lusitano, nascido paredes-meias com o catolicismo social de finais do século XIX, com raízes filosóficas em São Tomás de Aquino (1224-1274) e em Francisco Suárez, S. J. (1548-1617), Doutor Exímio da Igreja e professor da Universidade de Coimbra.
António Sardinha, ao ultrapassar o positivismo e o cientismo da sua juventude por intermédio da sociologia política de São Tomás de Aquino, à roda de 1913, juntou-se a Hipólito Raposo, Luís de Almeida Braga, Alberto de Monsaraz, e Pequito Rebelo, para lançar a revista Nação Portuguesa (1914). Sardinha depressa acertou o passo com a espiritualidade dos seus pares do Integralismo Lusitano, tornando-se um dos seus mestres de referência, em cujas prosas os discípulos podiam acolher um seguro ideário personalista e municipalista de matriz portuguesa, com incisivas advertências contra os estatismos e os autoritarismos de alguns nacionalismos estrangeiros. E, no entanto, recorrendo a citações truncadas e descontextualizadas, Brito viria ainda, e uma vez mais, a tentar apropriar-se de alguns (distorcidos) aspectos do legado contra-revolucionário de António Sardinha (Para a compreensão do Pensamento Contra-Revolucionário, Lisboa, 1996, pp. 79-107).
Em entrevista de Dezembro de 2009, disponível na Internet, A. J. Brito expressou um erro de apreciação ao considerar que Salazar e os Integralistas apenas se distinguiriam na questão do regime - presidente versus rei -, ignorando por completo a luta dos integralistas contra a Salazarquia e o projecto constitucional da Seara Nova que, sob a influência do fascismo, veio a ser aplicado na 2ª República em regime de partido único e corporativismo de Estado. A luta dos Integralistas prosseguiu através do Nacional-sindicalismo (1932-36), e continuou bem para além dele, sempre em defesa da democracia orgânica e das representações municipais e sindicais no Estado. Por fim - justiça lhe seja feita! - Brito exprimiu-se contra os equívocos e as falsificações que, na linha do exemplo de Carlos Ferrão, foram disseminadas por Franco Nogueira, João Medina, António Costa Pinto, entre outros, a respeito do Nacional-Sindicalismo de Francisco Rolão Preto (1893-1977). Nessa entrevista, é possível observar a indignação de Brito, com um livro na mão, citando palavras em que Rolão Preto rejeita clara e inequivocamente o fascismo desde o início dos anos 30 (ver entrevista em https://www.youtube.com/watch?v=QIiSpRC9e_4 ). O pensamento político de Rolão Preto - descentralizador, antitotalitário, personalista e comunitário - manteve-se com efeito sempre ligado à velha cepa do Integralismo Lusitano, nos antípodas dos totalitarismos e do pensamento político de António José de Brito.
09.12.2024 - J. M. Q.
P.-s.: Em Filhos de Ramires - As origens do Integralismo Lusitano (Nova Ática, 2004) refiro António José de Brito, na página 32, identificando o contexto da sua reacção aos volumes de Carlos Ferrão e, na p. 287 (notas 53 e 54), identificando a sua problemática bibliografia acerca do Integralismo Lusitano.
O jornal O Debate, dirigido por António Jacinto Ferreira (1906-1995), referiu-se à publicação do livro, mas António José de Brito não gostou do teor da referência e publicou em resposta um artigo com intenção polémica no Correio do Minho de 8 de Junho de 1962. E foi então que Jacinto Ferreira respondeu, abrindo com a impressiva exclamativa: "Só Deus sabe a profunda repugnância com que lançamos mão da pena para escrever estas linhas!". Em suma, para Jacinto Ferreira, o Destino do Nacionalismo Português era "um pobre livreco sem sombra de valor", mas impunha-se não deixar passar em claro a formação totalitarista e racista, a "má fé" e a "desonestidade na argumentação" mostrada pelo seu autor (O Debate, 22 de Setembro de 1962).
Estava instalado um fosso intransponível entre Brito e um destacado e reconhecido discípulo dos mestres do Integralismo Lusitano.
Dois anos depois, em 1964, Carlos Ferrão concluiu a publicação dos seus volumes de combate ao Integralismo Lusitano: O Integralismo e a Republica - autópsia de um mito (3 Volumes, Lisboa, Inquérito e Editorial O Século, 1963-1964). Nas palavras do autor, aquele livro seria "um libelo e uma exautoração" do Integralismo.
Entre os integralistas, prevaleceu a opinião de que o livro de Carlos Ferrão merecia desprezo e, por isso, nenhum dos alvejados lhe respondeu. Opinião diferente teve António José de Brito que, em Reflexões acerca do Integralismo Lusitano (1965), saiu a público mostrando a incompetência historiográfica de Carlos Ferrão.
Em 1965, o assunto "Carlos Ferrão" e o seu ataque ao Integralismo Lusitano teria ficado resolvido. Em 1969, porém, foi desenterrado um livro de juventude de António Sardinha, proscrito pelo próprio - O Sentido Nacional duma Existência - António Tomás Pires e o Integralismo Lusitano, fazendo adivinhar novos ataques. Em 1971, Mário Saraiva, assíduo colaborador de O Debate, resolve reunir e publicar A Verdade e a Mentira - Algumas notas em resposta a "O Integralismo e a República", reconhecendo mérito ao livro de Reflexões de Brito, porque "pormenorizadamente pôs a nu os erros, as falsidades e a má fé do injuriante".
Apesar das diferenças de pensamento e de doutrina, dir-se-ia que se faziam as pazes entre os homens de O Debate e António José de Brito. As diferenças eram, porém, profundas. A formação totalitária e racista de Brito não lhe permitia aceitar um pensamento político como o do Integralismo Lusitano, nascido paredes-meias com o catolicismo social de finais do século XIX, com raízes filosóficas em São Tomás de Aquino (1224-1274) e em Francisco Suárez, S. J. (1548-1617), Doutor Exímio da Igreja e professor da Universidade de Coimbra.
António Sardinha, ao ultrapassar o positivismo e o cientismo da sua juventude por intermédio da sociologia política de São Tomás de Aquino, à roda de 1913, juntou-se a Hipólito Raposo, Luís de Almeida Braga, Alberto de Monsaraz, e Pequito Rebelo, para lançar a revista Nação Portuguesa (1914). Sardinha depressa acertou o passo com a espiritualidade dos seus pares do Integralismo Lusitano, tornando-se um dos seus mestres de referência, em cujas prosas os discípulos podiam acolher um seguro ideário personalista e municipalista de matriz portuguesa, com incisivas advertências contra os estatismos e os autoritarismos de alguns nacionalismos estrangeiros. E, no entanto, recorrendo a citações truncadas e descontextualizadas, Brito viria ainda, e uma vez mais, a tentar apropriar-se de alguns (distorcidos) aspectos do legado contra-revolucionário de António Sardinha (Para a compreensão do Pensamento Contra-Revolucionário, Lisboa, 1996, pp. 79-107).
Em entrevista de Dezembro de 2009, disponível na Internet, A. J. Brito expressou um erro de apreciação ao considerar que Salazar e os Integralistas apenas se distinguiriam na questão do regime - presidente versus rei -, ignorando por completo a luta dos integralistas contra a Salazarquia e o projecto constitucional da Seara Nova que, sob a influência do fascismo, veio a ser aplicado na 2ª República em regime de partido único e corporativismo de Estado. A luta dos Integralistas prosseguiu através do Nacional-sindicalismo (1932-36), e continuou bem para além dele, sempre em defesa da democracia orgânica e das representações municipais e sindicais no Estado. Por fim - justiça lhe seja feita! - Brito exprimiu-se contra os equívocos e as falsificações que, na linha do exemplo de Carlos Ferrão, foram disseminadas por Franco Nogueira, João Medina, António Costa Pinto, entre outros, a respeito do Nacional-Sindicalismo de Francisco Rolão Preto (1893-1977). Nessa entrevista, é possível observar a indignação de Brito, com um livro na mão, citando palavras em que Rolão Preto rejeita clara e inequivocamente o fascismo desde o início dos anos 30 (ver entrevista em https://www.youtube.com/watch?v=QIiSpRC9e_4 ). O pensamento político de Rolão Preto - descentralizador, antitotalitário, personalista e comunitário - manteve-se com efeito sempre ligado à velha cepa do Integralismo Lusitano, nos antípodas dos totalitarismos e do pensamento político de António José de Brito.
09.12.2024 - J. M. Q.
P.-s.: Em Filhos de Ramires - As origens do Integralismo Lusitano (Nova Ática, 2004) refiro António José de Brito, na página 32, identificando o contexto da sua reacção aos volumes de Carlos Ferrão e, na p. 287 (notas 53 e 54), identificando a sua problemática bibliografia acerca do Integralismo Lusitano.
Referências
1962 - Antonio José de Brito, Destino do Nacionalismo Português, Lisboa, Verbo.
1962 - António José de Brito, O professor Jacinto Ferreira e o "Destino do nacionalismo português". Of. Gráf. Gris.
Índice:
1963-64 - Carlos Ferrão - O Integralismo e a Republica - autópsia de uma mito, 3 Volumes, Lisboa, Inquérito e Editorial O Século, 1963-1964.
1965 - António José de Brito, Reflexões acerca do Integralismo Lusitano, Lisboa, Verbo.
1971 - Mário Saraiva, A Verdade e a Mentira, Lisboa, BPP.
1996 - Antonio José de Brito, Para a compreensão do Pensamento Contra-Revolucionário, Lisboa, Hugin Editores (ver pp. 79-107).
2004 - José Manuel Quintas, Filhos de Ramires - As origens do Integralismo Lusitano, Lisboa, Nova Ática (ver pp. 32 e 287).
2024 - José Manuel Quintas, A literatura capciosa acerca do Integralismo Lusitano e do Nacional-Sindicalismo
1962 - Antonio José de Brito, Destino do Nacionalismo Português, Lisboa, Verbo.
1962 - António José de Brito, O professor Jacinto Ferreira e o "Destino do nacionalismo português". Of. Gráf. Gris.
Índice:
- Nacionalismo por Jacinto Ferreira.
- Esclarecimentos, por A. J. de Brito.
- O "Destino do nacionalismo português," por Jacinto Ferreira.
- Novos esclarecimentos, por A. J. de Brito.
- Destino de um "nacionalista," por Jacinto Ferreira.
1963-64 - Carlos Ferrão - O Integralismo e a Republica - autópsia de uma mito, 3 Volumes, Lisboa, Inquérito e Editorial O Século, 1963-1964.
1965 - António José de Brito, Reflexões acerca do Integralismo Lusitano, Lisboa, Verbo.
1971 - Mário Saraiva, A Verdade e a Mentira, Lisboa, BPP.
1996 - Antonio José de Brito, Para a compreensão do Pensamento Contra-Revolucionário, Lisboa, Hugin Editores (ver pp. 79-107).
2004 - José Manuel Quintas, Filhos de Ramires - As origens do Integralismo Lusitano, Lisboa, Nova Ática (ver pp. 32 e 287).
2024 - José Manuel Quintas, A literatura capciosa acerca do Integralismo Lusitano e do Nacional-Sindicalismo