Aqui d'El-Rei!...
Por João do Amaral (1893-1981), jornalista. Tendo sido colaborador do jornal O Intransigente, de Machado Santos, fundador da República, foi nestes panfletos que anunciou a sua adesão ao ideário do Integralismo Lusitano. Em 1927, entrou em ruptura com os mestres do Integralismo ao publicar o diário A Ideia Nacional, aderindo depois à "Salazarquia".
Aqui d'El-Rei!..., nº 1, Fevereiro de 1914.

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João do Amaral explicitou aqui, pela primeira vez, alguns traços essenciais das bases doutrinárias do Integralismo Lusitano:
«A história do constitucionalismo monárquico e republicano resume-se nisto: a Nação posta a saque pelos bandos políticos. Acabemos, portanto, com os partidos! Mas os partidos são os dignos filhos do parlamentarismo. Acabemos, portanto, com o parlamentarismo — lei do número, que exclui a qualidade, base da organização. O parlamentarismo é a luta dos partidos, das rivalidades pessoais, a opressão das minorias, a irresponsabilidade, a incompetência, o capricho partidário sobrepondo-se aos interesses das classes. O parlamentarismo é, na História de Portugal, o marasmo em que se encontram o nosso comércio e a nossa indústria; o nosso prestígio exterior apagado, reduzido a nada pela República; as justas reclamações do trabalhador exploradas pelos políticos como meio de propaganda eleitoral; é a desonestidade, é a fraqueza, é a discórdia, é o desrespeito, é, finalmente, a espantosa diferença que existe entre aquilo que nós fomos e aquilo que hoje somos.
Acabemos, portanto, com o parlamentarismo! [...]
O que é, pois, necessário fazer?
Trabalhar pela reconstrução dum edifício social durável, segundo as leis eternas da ciência social e sob as formas modernas que, longe de romperem com a continuidade histórica, antes representam o seu prolongamento normal. É por isso que nós começamos por dar à sociedade portuguesa a sua constituição orgânica, as suas formas históricas, consagradas pela tradição e conservadas pelo costume. Defendemos o regime corporativo; na ordem política daremos aos corpos eleitos, — municípios, assembleias provinciais e assembleia nacional, a representação dos interesses ou direitos em contraposição com a atual representação dos partidos. Na ordem económica, substituiremos a liberdade ilimitada do Capital e do Trabalho, a desenfreada concorrência que daí resulta, essa pseudo luta livre onde o mais fraco fica sempre vencido, substituiremos isso pelas regras variáveis ditadas pelo corpo profissional, para interesses da classe, para segurança e lealdade do trabalho. Organizada, desta arte, a Sociedade, o poder social ficará residindo em cada um destes pequenos organismos, cujo conjunto forma a totalidade do corpo social. E o Estado ficará sendo, apenas, um mecanismo jurídico, unificador, posto ao serviço da Sociedade que é, repito, um organismo natural. Esta tem direitos, aquele tem apenas deveres. [...]
A vida social é uma luta de egoísmos; precisamos de dar a esta luta um regulador suficientemente independente para não consentir as brutalidades dos mais fortes e moderar as rebeldias dos mais fracos.
[...] Nas democracias, a luta das classes termina sempre pela vitória da mais forte, a que tem dinheiro, da que, munindo os cofres dos partidos para a campanha eleitoral, traz o poder acorrentado à sua força: - la democratie est le pays de Cocagne rêvé par das financiers sans scrupules (trad.: a democracia é o paraíso na terra sonhado pelos financeiros sem escrúpulos) (Palavras de Georges Sorel, socialista). O egoísmo do mais forte esmaga sempre o egoísmo do mais fraco. Nas democracias, cada partido tendo o seu plano de governo, a marcha dos negócios públicos é como o zig-zag de um bêbado, — ora prá esquerda com os radicais, ora prá direita com os conservadores, ora nem prá direita nem prá esquerda com os do centro.
Só a Monarquia orgânica, antiparlamentar, descentralizadora e tradicionalista remedeia estes inconvenientes. O perigo eleitoral é inutilizado com a restrição do voto direto só para a junta de paróquia ou para o município. [...]»
Na Monarquia orgânica, o poder político é estável porque é incontestado [...] - o Rei - , que não é eleito, que não deve a sua situação aos favores de ninguém, que não está ali pela vontade dos operários ou pelo dinheiro dos patrões, sendo Rei, quando muito, por interesse da Nação; e que não a prejudicará levianamente porque, em última análise, tem a defende-lo de qualquer desvario o seu interesse pessoal e dinástico, porquanto perder a Nação é perder-se a si próprio, é ultrajar a memória de seus avós e comprometer o património de seus filhos!"
«A história do constitucionalismo monárquico e republicano resume-se nisto: a Nação posta a saque pelos bandos políticos. Acabemos, portanto, com os partidos! Mas os partidos são os dignos filhos do parlamentarismo. Acabemos, portanto, com o parlamentarismo — lei do número, que exclui a qualidade, base da organização. O parlamentarismo é a luta dos partidos, das rivalidades pessoais, a opressão das minorias, a irresponsabilidade, a incompetência, o capricho partidário sobrepondo-se aos interesses das classes. O parlamentarismo é, na História de Portugal, o marasmo em que se encontram o nosso comércio e a nossa indústria; o nosso prestígio exterior apagado, reduzido a nada pela República; as justas reclamações do trabalhador exploradas pelos políticos como meio de propaganda eleitoral; é a desonestidade, é a fraqueza, é a discórdia, é o desrespeito, é, finalmente, a espantosa diferença que existe entre aquilo que nós fomos e aquilo que hoje somos.
Acabemos, portanto, com o parlamentarismo! [...]
O que é, pois, necessário fazer?
Trabalhar pela reconstrução dum edifício social durável, segundo as leis eternas da ciência social e sob as formas modernas que, longe de romperem com a continuidade histórica, antes representam o seu prolongamento normal. É por isso que nós começamos por dar à sociedade portuguesa a sua constituição orgânica, as suas formas históricas, consagradas pela tradição e conservadas pelo costume. Defendemos o regime corporativo; na ordem política daremos aos corpos eleitos, — municípios, assembleias provinciais e assembleia nacional, a representação dos interesses ou direitos em contraposição com a atual representação dos partidos. Na ordem económica, substituiremos a liberdade ilimitada do Capital e do Trabalho, a desenfreada concorrência que daí resulta, essa pseudo luta livre onde o mais fraco fica sempre vencido, substituiremos isso pelas regras variáveis ditadas pelo corpo profissional, para interesses da classe, para segurança e lealdade do trabalho. Organizada, desta arte, a Sociedade, o poder social ficará residindo em cada um destes pequenos organismos, cujo conjunto forma a totalidade do corpo social. E o Estado ficará sendo, apenas, um mecanismo jurídico, unificador, posto ao serviço da Sociedade que é, repito, um organismo natural. Esta tem direitos, aquele tem apenas deveres. [...]
A vida social é uma luta de egoísmos; precisamos de dar a esta luta um regulador suficientemente independente para não consentir as brutalidades dos mais fortes e moderar as rebeldias dos mais fracos.
[...] Nas democracias, a luta das classes termina sempre pela vitória da mais forte, a que tem dinheiro, da que, munindo os cofres dos partidos para a campanha eleitoral, traz o poder acorrentado à sua força: - la democratie est le pays de Cocagne rêvé par das financiers sans scrupules (trad.: a democracia é o paraíso na terra sonhado pelos financeiros sem escrúpulos) (Palavras de Georges Sorel, socialista). O egoísmo do mais forte esmaga sempre o egoísmo do mais fraco. Nas democracias, cada partido tendo o seu plano de governo, a marcha dos negócios públicos é como o zig-zag de um bêbado, — ora prá esquerda com os radicais, ora prá direita com os conservadores, ora nem prá direita nem prá esquerda com os do centro.
Só a Monarquia orgânica, antiparlamentar, descentralizadora e tradicionalista remedeia estes inconvenientes. O perigo eleitoral é inutilizado com a restrição do voto direto só para a junta de paróquia ou para o município. [...]»
Na Monarquia orgânica, o poder político é estável porque é incontestado [...] - o Rei - , que não é eleito, que não deve a sua situação aos favores de ninguém, que não está ali pela vontade dos operários ou pelo dinheiro dos patrões, sendo Rei, quando muito, por interesse da Nação; e que não a prejudicará levianamente porque, em última análise, tem a defende-lo de qualquer desvario o seu interesse pessoal e dinástico, porquanto perder a Nação é perder-se a si próprio, é ultrajar a memória de seus avós e comprometer o património de seus filhos!"
Aqui d'El-Rei!..., nº 2, 20 de Fevereiro de 1914.

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João do Amaral estabeleceu e iniciou a publicação de um "Inquérito" a diferentes personalidades, com as seguintes perguntas:
"I - Em que razões de ordem sociológica, histórica ou política, assenta a preferência de V. Ex.ª pela Monarquia ou pela Republica como formas de governo?
II - Qual dos sistemas lhe oferece melhor garantia de solução para a crise actual da Nação Portuguesa? Porquê?
III - A questão política deve reduzir-se sempre a uma questão moral? Será diferente para as nações que os Estados adoptem qualquer forma política, logo que seja honestamente servida?"
O primeiro entrevistado foi Hipólito Raposo.
Nº 2, pp. 21-28: João do Amaral considera que «[Hipólito Raposo] sintetizou, em vinte minutos de palestra, a doutrina que será defendida nas páginas deste panfleto. Não a foi buscar e aprender nos livros da Action Française, nem deve nada, como eu, à catequese dos que vulgarizam, em português, a matéria desses livros, para ser hoje um monárquico antiliberalista. Quanto a mim, devo dizer que muito concorreu a sua convivência de todos os dias para que eu abandonasse a ideologia republicana. Em 1910, pelo menos, quando eu era ainda um feroz republicano, vagamente tradicionalista, já ele falava dos direitos do homem e dos três dogmas democráticos com o mesmo impiedoso desdém. [...]» (p. 21).
(pp. 22-26): Resposta do sr. Dr. Hipólito Raposo
"A teoria política dos regimes representativos, desde a Revolução Francesa (1789), assenta nesta ficção ofensiva do bom-senso: a delegação da soberania, popular ou nacional, por meio do sufrágio.
(...)
Nem a soberania, como caracter da personalidade, pode ser dada de empréstimo, a prazo, para que outrém use ou abuse dela, nem a vontade nacional pode conter-se em centenas de urnas, como se reunem, em meia dúzia de cabazes, a peras de uma pereira.
Vão longe os tempos dessa retórica estrondosa de que até o povo inculto já descrê intimamente.
Eu por exemplo que até me julgo merecidamente aprovado na cadeira de Finanças, se se tratasse agora de escolher, por um plebiscito, o nome do nosso mais competente financeiro, confesso-lhe que afirmava a minha honestidade pela abstenção.
O dogma político do direito divino dos reis (ou dos povos, na transigência democrática), encontrou um sucedâneo absurdo no dogma da soberania nacional ou popular. Tendo em ciência política o mesmo valor, socialmente todas as vantagens pertencem ao primeiro que era um princípio coordenador, uma ideia força de disciplina.
- Nesse caso, V. nega a legitimidade do princípio representativo em absoluto?
- Admitindo o Estado, a ordem social, a correlação de interesses, tenho de aceitar o princípio da representação, em condições de ele se aproveite exclusivamente o que ele tem de bom, quero dizer, de presumivelmente verdadeiro, sem o caracter de soberania.
Em resumo: a admito a representação dos interesses e das classes, representação sem caracter político.
E isto porque, como disse um filósofo, o egoísmo é a base da sociedade.
A eleição, nestas condições, entre indivíduos directamente interessados da mesma classe, era uma simples consagração de competência já reveladas, a expressão concreta de uma selecção.
Quando a Democracia proclama a universalidade do sufrágio, defendo eu a sua restrição e especialização.
(...)
A crise portuguesa não começou com o liberalismo, visto que ele já se propunha remediá-la. É uma velha doença trazida das viagens da Índia e do Brasil com o oiro e a pimenta...
A crise nacional de que fala o seu inquérito é justamente a crise de não haver nação, em rigor.
Durante o século XV, até Dom João II, a nação definiu-se nos seus elementos, mas em breve se desvairou pelos motivos que conhece.
-E V. pensa que seja necessário reavivar esses elementos, desconhecidos ou mal aproveitados posteriormente, para uma remodelação da nossa vida política social?
- Precisamente. (...) esse plano de estudos que oportunamente deverá ser conhecido, é a proposição de soluções integrais (não digo perfeitas) para o problema nacional na maior parte dos seus aspectos. Devo notar que nem eu nem aqueles espíritos que assim pensam, temos a pretensão messianista: afirmamos e defendemos a contribuição do nosso esforço intelectual que se alimenta, graças as Deus, de princípios de ciência política um pouco posteriores a 89. Segundo esse plano, a Monarquia Portuguesa seria anti-parlamentar, anti-liberalista e descentralizada, A sua estrutura, em linhas gerais, seria a que V. já definiu no primeiro número da sua revista.
(...)
Para não me deixar contagiar pela ignorância geral em ciência política, estudei, desde Coimbra, os preceptores do Legitimismo em Portugal e com eles tive muito que aprender, quanto à natureza de algumas instituições e à teoria política.
Lembro-lhe, entre outros, os nomes de Ribeiro Saraiva, Visconde Santarém, D. Francisco Alexandre Lobo, injustamente ignorados neste país, eles que foram das mais brilhantes e cultas inteligências do seu século.
Ensinados por eles, pelos dados da experiência, pela intuição maravilhosa dos autores dos forais, pela verdade municipalista, pelas diferenças regionais, pela história e pela tradição, a Monarquia por nós preconizada suponho que escandaliza, ao primeiro aspecto, a maioria das pessoas de bem que se dizem monárquicos, sem talvez se lembrarem porquê.
(...)
Terminada a entrevista, escreveu João do Amaral:
"Não me deterei na análise da resposta do Sr. Dr. Hipólito Raposo. É uma síntese perfeita das ideias que este folheto se propõe vulgarizar" (p. 26).
"I - Em que razões de ordem sociológica, histórica ou política, assenta a preferência de V. Ex.ª pela Monarquia ou pela Republica como formas de governo?
II - Qual dos sistemas lhe oferece melhor garantia de solução para a crise actual da Nação Portuguesa? Porquê?
III - A questão política deve reduzir-se sempre a uma questão moral? Será diferente para as nações que os Estados adoptem qualquer forma política, logo que seja honestamente servida?"
O primeiro entrevistado foi Hipólito Raposo.
Nº 2, pp. 21-28: João do Amaral considera que «[Hipólito Raposo] sintetizou, em vinte minutos de palestra, a doutrina que será defendida nas páginas deste panfleto. Não a foi buscar e aprender nos livros da Action Française, nem deve nada, como eu, à catequese dos que vulgarizam, em português, a matéria desses livros, para ser hoje um monárquico antiliberalista. Quanto a mim, devo dizer que muito concorreu a sua convivência de todos os dias para que eu abandonasse a ideologia republicana. Em 1910, pelo menos, quando eu era ainda um feroz republicano, vagamente tradicionalista, já ele falava dos direitos do homem e dos três dogmas democráticos com o mesmo impiedoso desdém. [...]» (p. 21).
(pp. 22-26): Resposta do sr. Dr. Hipólito Raposo
"A teoria política dos regimes representativos, desde a Revolução Francesa (1789), assenta nesta ficção ofensiva do bom-senso: a delegação da soberania, popular ou nacional, por meio do sufrágio.
(...)
Nem a soberania, como caracter da personalidade, pode ser dada de empréstimo, a prazo, para que outrém use ou abuse dela, nem a vontade nacional pode conter-se em centenas de urnas, como se reunem, em meia dúzia de cabazes, a peras de uma pereira.
Vão longe os tempos dessa retórica estrondosa de que até o povo inculto já descrê intimamente.
Eu por exemplo que até me julgo merecidamente aprovado na cadeira de Finanças, se se tratasse agora de escolher, por um plebiscito, o nome do nosso mais competente financeiro, confesso-lhe que afirmava a minha honestidade pela abstenção.
O dogma político do direito divino dos reis (ou dos povos, na transigência democrática), encontrou um sucedâneo absurdo no dogma da soberania nacional ou popular. Tendo em ciência política o mesmo valor, socialmente todas as vantagens pertencem ao primeiro que era um princípio coordenador, uma ideia força de disciplina.
- Nesse caso, V. nega a legitimidade do princípio representativo em absoluto?
- Admitindo o Estado, a ordem social, a correlação de interesses, tenho de aceitar o princípio da representação, em condições de ele se aproveite exclusivamente o que ele tem de bom, quero dizer, de presumivelmente verdadeiro, sem o caracter de soberania.
Em resumo: a admito a representação dos interesses e das classes, representação sem caracter político.
E isto porque, como disse um filósofo, o egoísmo é a base da sociedade.
A eleição, nestas condições, entre indivíduos directamente interessados da mesma classe, era uma simples consagração de competência já reveladas, a expressão concreta de uma selecção.
Quando a Democracia proclama a universalidade do sufrágio, defendo eu a sua restrição e especialização.
(...)
A crise portuguesa não começou com o liberalismo, visto que ele já se propunha remediá-la. É uma velha doença trazida das viagens da Índia e do Brasil com o oiro e a pimenta...
A crise nacional de que fala o seu inquérito é justamente a crise de não haver nação, em rigor.
Durante o século XV, até Dom João II, a nação definiu-se nos seus elementos, mas em breve se desvairou pelos motivos que conhece.
-E V. pensa que seja necessário reavivar esses elementos, desconhecidos ou mal aproveitados posteriormente, para uma remodelação da nossa vida política social?
- Precisamente. (...) esse plano de estudos que oportunamente deverá ser conhecido, é a proposição de soluções integrais (não digo perfeitas) para o problema nacional na maior parte dos seus aspectos. Devo notar que nem eu nem aqueles espíritos que assim pensam, temos a pretensão messianista: afirmamos e defendemos a contribuição do nosso esforço intelectual que se alimenta, graças as Deus, de princípios de ciência política um pouco posteriores a 89. Segundo esse plano, a Monarquia Portuguesa seria anti-parlamentar, anti-liberalista e descentralizada, A sua estrutura, em linhas gerais, seria a que V. já definiu no primeiro número da sua revista.
(...)
Para não me deixar contagiar pela ignorância geral em ciência política, estudei, desde Coimbra, os preceptores do Legitimismo em Portugal e com eles tive muito que aprender, quanto à natureza de algumas instituições e à teoria política.
Lembro-lhe, entre outros, os nomes de Ribeiro Saraiva, Visconde Santarém, D. Francisco Alexandre Lobo, injustamente ignorados neste país, eles que foram das mais brilhantes e cultas inteligências do seu século.
Ensinados por eles, pelos dados da experiência, pela intuição maravilhosa dos autores dos forais, pela verdade municipalista, pelas diferenças regionais, pela história e pela tradição, a Monarquia por nós preconizada suponho que escandaliza, ao primeiro aspecto, a maioria das pessoas de bem que se dizem monárquicos, sem talvez se lembrarem porquê.
(...)
Terminada a entrevista, escreveu João do Amaral:
"Não me deterei na análise da resposta do Sr. Dr. Hipólito Raposo. É uma síntese perfeita das ideias que este folheto se propõe vulgarizar" (p. 26).
Aqui d'El-Rei!..., nº 3, Março de 1914.

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(pp. 40-44): Resposta do sr dr. Pequito Rebello
São, de facto, razões de ordem sociológica, histórica e política que me fazem preferir a Monarquia à Republica, e todas elas se referem ao interesse nacional. A Sociologia, a Historia e a Política conjuram-se em apresentar-me a Pátria como a unidade social, histórica e política por excelência, como uma das formas mais perfeitas da vida social ou, simplesmente, da vida. A razão máxima, pois, em que fundo a resposta que vou dar ao seu inquérito, é o interesse da Pátria. Como applicar este criterio? Não por vazias abstracções, por intelectualismos mórbidos, mas sim pelo claro método experimental. E como? Interpretando as experiencias da história, recolhendo ensinamentos d'essa venerável Tradição em que tomam uma voz solene os conselhos dos mortos; verificar, assim, a falência universal das democracias, a prosperidade das monarquias autoritarias; auscultar esse desequilibrado monstro que se chama a Revolução, sentindo tudo que ela encerra de anarquia, de imoralidade, de absurdo; estudar a curva histórica do declinar fatal das nacionalidades por ela desorganizadas, desde a fase em que aparecem ainda homens fortes que os próprios regimens depostos formaram, até aquela em que a democracia dá frutos plenos no abastardamento dos caracteres, no decair das competencias, na extinção do senso nacional; especializar estes principios na Historia Portuguesa, indo procurar o filão da vitalidade da Raça no ponto em que os nossos maiores o deixaram pelas luzentes miragens da India e pela prestigiosa Renascença. O tempo não destruiu esta mina, que dorme nos nossos atavismos; - cumpre fazê-los despertar e levar Portugal, o povo que, por índole histórica, deveria ser ao mesmo tempo o mais disciplinado e o mais audacioso, ao renascer das glorias antigas... E o primeiro passo para esta renascença ou antes o instrumento dela só pode ser uma monarquia tradicional, aquela que se obtém, abstraindo, na Tradição portuguesa, dos elementos não portugueses, a saber as más influências contraídas na aventura ultramarina, o centralismo monárquico que a Renascença introduziu do direito romano, a utopia democrática que importamos de França na antiquada edição de 89. Esta monarquia é ao mesmo tempo: um regime forte, realização de uma tendencia concentradora, que ponha nas mãos do Rei, egoístamente interessado no bem público por si e pela sua descendência, as funções supremas de Chefe da Guerra, da Diplomacia, das Finanças gerais, e ultimo recurso de todas as deficiencias nacionais, garantindo-se assim àquelas funções a unidade, a continuidade, a competencia, a intenção patriótica, a energia, que lhes são requisitos essenciais, e ao mesmo tempo o regime da descentralização, das liberdades, pela constituição das ricas hierarquias familiares, profissionais, administrativas e espirituais.
A família, fortalecida como a célula social, o Município administrativamente autónomo, com a sua organização mergulhando fundas raízes na alma popular; a Província, com a sua original fisionomia, tomando activa consciencia da sua individualidade económica e moral; a Indústria, o Comércio, a Agricultura, desafogadas do parasitismo da política partidaria e eleitoral, pacificadas por um regímen corporativo em que o proletário, liberto da utopia socialista, encontrasse efectivas garantias, prosperando sob a égide do Rei do Trabalho, imparcial e bem intencionado juiz na luta das classes; a vida espiritual da nação florescendo nas Universidades e Escolas livres e protegidas, nos Institutos de arte autónomos e servidos pela generosidade dos governos, na Igreja católica, Religião tradicional, livre e privilegiada; a assembleia nacional e os Conselhos do Rei, reunindo periodicamente, no seu grémio, não os representantes de uma hipotética Vontade Nacional, mas sim os autênticos procuradores dos corpos e das classes chamadas a colaborar com o seu Rei e realizando assim admiráveis actos de consciencia e vontade coletiva: eis em tudo isto um espectáculo da Historia, que ao mesmo tempo representa as mais recentes concepções da Sociologia e da Política.
De facto, com o movimento de reacção, nascido no intimo da consciencia nacional, vem interferir, reforçando-o, a orientação internacional da Sociologia e da Política, hoje nitidamente conservadoras e monárquicas, orientação que tem o seu foco na França que deste modo se reabilita do mal que fez às civilizações latinas servindo de canal aos dissolventes germens alemães, ingleses e suíços do protestantismo, do parlamentarismo, do individualismo... Bem hajam aqueles que se não cansam de vulgarizar os clássicos franceses da Contra-Revolução; faz V. muito bem em aliar ao espirito histórico, a doutrinação d'aqueles; merece também aplauso de todos os patriotas a propaganda (à qual, dir-lhe-ei de passagem, devo o ter conhecido aqueles Mestres e, por elles, a Monarquia) do publicista que, sob o pseudónimo de Mariotte, vem fazendo, nos Meus Cadernos, uma utilíssima destruição do preconceito liberal, varrendo assim o campo em que o estudo minucioso da nossa historia e das nossas condições poderá alicerçar as bases orgânicas da nossa renascença. Dizer-lhe quais as razões sociológicas e políticas da minha preferencia, seria reproduzir-lhe a muito rica bibliografia d'aqueles mestres; demais, já deve considerar-se desperdicio gastar o tempo a provar a inanidade, as contradições, a mentira, a vacuidade dos imortais princípios da Igualdade, Liberdade, Fraternidade, Bondade nativa do Homem, Contracto Social, Vontade Nacional, Direitos originarios, Descentralização pela Democracia, Representação pelo Sufrágio Universal, e tantas outras curiosas peças do macabro museu das revoluções. Seria longo também desfiar as deduções e observações em que se fundamentam o valor do princípio da Hereditariedade, a necessidade de uma aristocracia aberta, as vantagens da tutela da Tradição, a utilidade da hierarquia, etc.
Tudo isto lhe terá dito bastante que prefiro a Monarquia, mas a verdadeira, não a Monarquia constitucional, que não passa de uma fórmula para desacreditar os Reis, impedidos de bem governar pelos elementos democráticos (parlamentarismo, eleitorado, partidos, centralização, etc.) que tal monarquia encerra.
E prefiro-a como a melhor garantia de solução para a crise nacional, por isso que tal solução só pode fazer-se por uma obra de unidade perfeita, de continuidade e perseverança a longo prazo, realizada acima das lutas partidarias e presidida por intenção nacional: para tudo isto é incompetente a Republica, regime de incoerência, de instabilidade, de incompetência e de partidarismo; a garantia de tudo só pode ser o governo pessoal de um Rei; só ele pode dirigir a obra da nossa restauração económica, financeira, colonial, diplomática, militar, espiritual e política. Ele dirigirá e será a garantia suprema; mas confiemos também na fecundidade da Família, do Município, da Província, da Corporação, da Escola, da Igreja, robustecidas pela descentralização, para a restauração do tipo social e moral desorganizado. Depois de tudo isto, será preciso ainda dizer-lhe que não perfilho o erro famoso da indiferença das formas do governo?
Se a pseudo-monarquia, a monarquia constitucional, pouco difere da República, quando diferem uma e outra da monarquia anti-parlamentar e descentralizada!
Pode uma nação republicana conter um valor global de homens igual ao de uma monarquia; mas que diferença se, em virtude de factores constitucionais, na primeira são os piores que governam, e na segunda os melhores; e que diferença, também, no facto de, em uma República, regime essencialmente de imoralidade e incompetencia, os melhores homens ou se corrompem ou se inutilizam!..
Já aqui me referi ao método experimental que me levou até à consciencia da verdade monárquica que defendo, em oposição às abstrações filosóficas dos mestres da Revolução Francesa. Desde que o Estado é um mecanismo posto ao serviço da Nação, não há lógica, não há raciocínios que possam defender um sistema político em contradição constante com o interesse nacional. E deste modo, embora a minha razão e a minha vaidade de intelectualista se revoltassem, por exemplo, contra o princípio da hereditariedade, contra a monopolização do Poder pela família reinante, contra o governo pessoal do Rei, desde que eu desejo concorrer para o bem-estar da Nacionalidade e desde que o interesse da Nacionalidade, constituída não somente por mim, nem só pelos meus contemporâneos; mas também pelos nossos ascendentes e, principalmente, pelos nossos descendentes, desde que o interesse da Nacionalidade, repito, exige uma garantia de indestrutibilidade, de estabilidade e de permanência; desde que essa garantia de estabilidade e permanência não possa existir dentro de um regime onde todos, absolutamente todos, podem governar sempre que tenham artes de conquistar o Poder; desde que essa garantia só nos pode ser dada por um Homem para quem a Nação constitui um patrimonio, um bem de família, que ele tem todo o interesse em conservar e aumentar, não somente por respeito aos seus mortos, mas, acima de tudo, por amor de si proprio e por amor de seus filhos; desde que isto é assim; desde que no governo dos homens devemos partir do conhecimento dos homens, do seu egoísmo fundamental, do seu instinto de conservação, da sua tendencia para o mal somente refreavel por uma ordem de coisas que harmonize os interesses individuais com os interesses gerais e torne tão raras quanto possíveis as ocasiões de conflito entre uns e outros; desde que a Vida é o que é e não o que deveria ser, porque havemos de persistir na defesa dum sistema político que só não seria perigoso se realizasse esta mentirosa utopia: - a honradez de todos os homens que governam? Onde é que se viu que existissem, numa assembleia de 100 homens, 51 honestos, capazes de sobreporem, inteligentemente, os interesses da Nação aos seus próprios interesses? Não será muito mais humano, muito mais justo, contrapor ou sujeitar todos os nossos egoísmos, tantas vezes opostos entre si e muitas vezes em conflito com o interesse da Nação visto que um exige quase sempre o sacrificio dos outros, sujeitar, repito, todos os nossos egoísmos ao egoísmo do Rei, cujos haveres, cujo bem estar moral e material vivem ligados ao bem-estar da Sociedade?
Dir-me-hão que o Rei pode ser mau... Mas então, simplesmente porque de cem em cem anos surge na familia reinante um individuo inferior, imbecil, tarado, perigoso, simplesmente por isso, nós devemos condenar o regímen politico que nos dá tão longas épocas de paz, de labor tranquilo, e devemos preferir uma ordem de coisas dentro da qual o governo do país está continuamente à mercê de todas as flutuações, passando, duas ou três vezes por ano, das mãos de um qualquer Antonio José d'Almeida para as mãos de um qualquer Afonso Costa ou de um fulano Camacho que, embora não fossem como são, jamais alcançariam levar a termo uma obra uniforme de proveito nacional, porque tamanha empresa apenas se consegue ao cabo de longos anos de tentativas e experiencias cuidadosamente elaboradas!?
Ninguem ousará negar que El-Rei D. Carlos pagou bem horrorosamente, com a sua vida, com a vida de Seu Filho e com a posterior expulsão d'El-Rei D. Manuel, o pecado de não ter mandado para Timor os partidos políticos que puzeram a saque a Nação, que comprometeram tão profundamente o Real Património de Seu Filho. Já não aconteceu o mesmo com o sr. Afonso Costa; ele liquidou a questão de Ambaca com prejuízo de 6.000 contos para o Estado; ele foi acusado de imoralidades várias pelo senador João de Freitas; ele comprometeu o nosso domínio colonial; ele fomentou uma conspiração monárquica de maneira a inutilizar traiçoeiramente alguns adversários do regime; ele pôs a Nação à beira de um grave conflito diplomático, abusando da boa-fé e da lealdade do ministro do Brazil a fim de se apossar de um refugiado político... Pergunto: - que mal lhe veio daí? Nenhum: é rico; na sua moradia da Avenida Braancamp repousa tranquilamente entre os carinhos da família, com o seu sorrisinho marujo, a sua camélia vermelha na lapela, encolhendo os hombros aos insultos dos outros. Dizem-me que, no governo, apenas satisfez os seus interesses pessoais, e que aumentou o património dos filhos. E porquê? Porque o seu bem-estar pessoal e o bem-estar dos seus filhos preexistem após a sua saída do governo; e porque então, do mesmo modo que hoje, o interesse da sua família nada tem com o interesse geral da Nação. (pp. 40-44)
Acerca da TRADIÇÂO PORTUGUESA:
-O que é a Tradição? - Como encontrá-la? - Existencia d'uma verdade politica portuguesa. -
"A formação da nossa nacionalidade resume-se n'isto: - conquista da Terra, a palmo e palmo; formação natural, expontanea e instintiva de nucleos agrarios sob a fórma de municipios que, provar-se-ha, era uma conquista da civilisação autoctone, anterior á dominação romana ; consagração da verdade social - a Monarquia - feita pelo povo livre dos concelhos na pessoa do filho do Conde D. Henrique e na sua descendencia, como garantia de estabilidade e duração necessarias á vida economica d'esses nucleos agrarios ou municípios; trabalho de organisação e aperfeiçoamento social que vae desde o Povoador até ao Príncipe Perfeito, entrecortado já com a conquista de Ceuta, sábia empreza de infantes que, prevendo a necessidade de expansão que mais tarde nos atirou para a India, cuidaram de legar-nos imperio ao pé da porta. Durante este tempo, os quadros institucíonaes definiram-se, embora não tomassem força bastante para resistirem incólumes ao exgotamento das descobertas, á fúria imperialista e ás influencias do romanismo centralisador com que a Renascença dementou o nosso espirito d'aventura, muito inconsistente ainda. - De maneira que, tratando-se de dar á sociedade portugueza uma constituição organica, nós devemos lançar mão d'esta primeira fase da nossa vida social e aproveitá-la, nas suas bases, que são essencialmente portuguezas.
Na segunda fáse que póde estender-se ate ao liberalismo, a todo o momento se observam as consequencias funestas da Renascença e dos Descobrimentos. Todavia, a nacionalidade manteve-se, defendendo-se leoninamente da ganancia castelhana e de todos os germens de desorganisação recentemente importados. Ora procure-se a força persistente que nos defendeu e resgatou: - no fundo encontrar-se-ha sempre a nossa primitiva organisação social, subitamente afastada da sua natural evolução, mas não morta, antes reagindo sempre. Desde os municipios do Alemtejo, expulsando os hespanhoes n'uma lucta homérica de dezenas d'annos, até á revolta do Povo contra o cartismo de 20, que ele logo presentiu trazer-lhe, debaixo do manto d'uma Liberdade com l grande, o cerceamento, o anniquilamento de todas as suas liberdades, - facilmente descobrirá, quem não fôr cego, a existencia d'uma Tradição portugueza.
Essa Tradição não está morta; se assim fosse, já a Nação portugueza não existiria. A Historia mostra-nos, repito, que só a ela devemos a vida. A Sciencia demonstra-nos por outro lado que no dia em que ela morrer, a Nacionalidade tombará como um corpo sem alma." - (Aqui d'El-Rei!..., nº 3, Março de 1914, pp. 44-45)
São, de facto, razões de ordem sociológica, histórica e política que me fazem preferir a Monarquia à Republica, e todas elas se referem ao interesse nacional. A Sociologia, a Historia e a Política conjuram-se em apresentar-me a Pátria como a unidade social, histórica e política por excelência, como uma das formas mais perfeitas da vida social ou, simplesmente, da vida. A razão máxima, pois, em que fundo a resposta que vou dar ao seu inquérito, é o interesse da Pátria. Como applicar este criterio? Não por vazias abstracções, por intelectualismos mórbidos, mas sim pelo claro método experimental. E como? Interpretando as experiencias da história, recolhendo ensinamentos d'essa venerável Tradição em que tomam uma voz solene os conselhos dos mortos; verificar, assim, a falência universal das democracias, a prosperidade das monarquias autoritarias; auscultar esse desequilibrado monstro que se chama a Revolução, sentindo tudo que ela encerra de anarquia, de imoralidade, de absurdo; estudar a curva histórica do declinar fatal das nacionalidades por ela desorganizadas, desde a fase em que aparecem ainda homens fortes que os próprios regimens depostos formaram, até aquela em que a democracia dá frutos plenos no abastardamento dos caracteres, no decair das competencias, na extinção do senso nacional; especializar estes principios na Historia Portuguesa, indo procurar o filão da vitalidade da Raça no ponto em que os nossos maiores o deixaram pelas luzentes miragens da India e pela prestigiosa Renascença. O tempo não destruiu esta mina, que dorme nos nossos atavismos; - cumpre fazê-los despertar e levar Portugal, o povo que, por índole histórica, deveria ser ao mesmo tempo o mais disciplinado e o mais audacioso, ao renascer das glorias antigas... E o primeiro passo para esta renascença ou antes o instrumento dela só pode ser uma monarquia tradicional, aquela que se obtém, abstraindo, na Tradição portuguesa, dos elementos não portugueses, a saber as más influências contraídas na aventura ultramarina, o centralismo monárquico que a Renascença introduziu do direito romano, a utopia democrática que importamos de França na antiquada edição de 89. Esta monarquia é ao mesmo tempo: um regime forte, realização de uma tendencia concentradora, que ponha nas mãos do Rei, egoístamente interessado no bem público por si e pela sua descendência, as funções supremas de Chefe da Guerra, da Diplomacia, das Finanças gerais, e ultimo recurso de todas as deficiencias nacionais, garantindo-se assim àquelas funções a unidade, a continuidade, a competencia, a intenção patriótica, a energia, que lhes são requisitos essenciais, e ao mesmo tempo o regime da descentralização, das liberdades, pela constituição das ricas hierarquias familiares, profissionais, administrativas e espirituais.
A família, fortalecida como a célula social, o Município administrativamente autónomo, com a sua organização mergulhando fundas raízes na alma popular; a Província, com a sua original fisionomia, tomando activa consciencia da sua individualidade económica e moral; a Indústria, o Comércio, a Agricultura, desafogadas do parasitismo da política partidaria e eleitoral, pacificadas por um regímen corporativo em que o proletário, liberto da utopia socialista, encontrasse efectivas garantias, prosperando sob a égide do Rei do Trabalho, imparcial e bem intencionado juiz na luta das classes; a vida espiritual da nação florescendo nas Universidades e Escolas livres e protegidas, nos Institutos de arte autónomos e servidos pela generosidade dos governos, na Igreja católica, Religião tradicional, livre e privilegiada; a assembleia nacional e os Conselhos do Rei, reunindo periodicamente, no seu grémio, não os representantes de uma hipotética Vontade Nacional, mas sim os autênticos procuradores dos corpos e das classes chamadas a colaborar com o seu Rei e realizando assim admiráveis actos de consciencia e vontade coletiva: eis em tudo isto um espectáculo da Historia, que ao mesmo tempo representa as mais recentes concepções da Sociologia e da Política.
De facto, com o movimento de reacção, nascido no intimo da consciencia nacional, vem interferir, reforçando-o, a orientação internacional da Sociologia e da Política, hoje nitidamente conservadoras e monárquicas, orientação que tem o seu foco na França que deste modo se reabilita do mal que fez às civilizações latinas servindo de canal aos dissolventes germens alemães, ingleses e suíços do protestantismo, do parlamentarismo, do individualismo... Bem hajam aqueles que se não cansam de vulgarizar os clássicos franceses da Contra-Revolução; faz V. muito bem em aliar ao espirito histórico, a doutrinação d'aqueles; merece também aplauso de todos os patriotas a propaganda (à qual, dir-lhe-ei de passagem, devo o ter conhecido aqueles Mestres e, por elles, a Monarquia) do publicista que, sob o pseudónimo de Mariotte, vem fazendo, nos Meus Cadernos, uma utilíssima destruição do preconceito liberal, varrendo assim o campo em que o estudo minucioso da nossa historia e das nossas condições poderá alicerçar as bases orgânicas da nossa renascença. Dizer-lhe quais as razões sociológicas e políticas da minha preferencia, seria reproduzir-lhe a muito rica bibliografia d'aqueles mestres; demais, já deve considerar-se desperdicio gastar o tempo a provar a inanidade, as contradições, a mentira, a vacuidade dos imortais princípios da Igualdade, Liberdade, Fraternidade, Bondade nativa do Homem, Contracto Social, Vontade Nacional, Direitos originarios, Descentralização pela Democracia, Representação pelo Sufrágio Universal, e tantas outras curiosas peças do macabro museu das revoluções. Seria longo também desfiar as deduções e observações em que se fundamentam o valor do princípio da Hereditariedade, a necessidade de uma aristocracia aberta, as vantagens da tutela da Tradição, a utilidade da hierarquia, etc.
Tudo isto lhe terá dito bastante que prefiro a Monarquia, mas a verdadeira, não a Monarquia constitucional, que não passa de uma fórmula para desacreditar os Reis, impedidos de bem governar pelos elementos democráticos (parlamentarismo, eleitorado, partidos, centralização, etc.) que tal monarquia encerra.
E prefiro-a como a melhor garantia de solução para a crise nacional, por isso que tal solução só pode fazer-se por uma obra de unidade perfeita, de continuidade e perseverança a longo prazo, realizada acima das lutas partidarias e presidida por intenção nacional: para tudo isto é incompetente a Republica, regime de incoerência, de instabilidade, de incompetência e de partidarismo; a garantia de tudo só pode ser o governo pessoal de um Rei; só ele pode dirigir a obra da nossa restauração económica, financeira, colonial, diplomática, militar, espiritual e política. Ele dirigirá e será a garantia suprema; mas confiemos também na fecundidade da Família, do Município, da Província, da Corporação, da Escola, da Igreja, robustecidas pela descentralização, para a restauração do tipo social e moral desorganizado. Depois de tudo isto, será preciso ainda dizer-lhe que não perfilho o erro famoso da indiferença das formas do governo?
Se a pseudo-monarquia, a monarquia constitucional, pouco difere da República, quando diferem uma e outra da monarquia anti-parlamentar e descentralizada!
Pode uma nação republicana conter um valor global de homens igual ao de uma monarquia; mas que diferença se, em virtude de factores constitucionais, na primeira são os piores que governam, e na segunda os melhores; e que diferença, também, no facto de, em uma República, regime essencialmente de imoralidade e incompetencia, os melhores homens ou se corrompem ou se inutilizam!..
Já aqui me referi ao método experimental que me levou até à consciencia da verdade monárquica que defendo, em oposição às abstrações filosóficas dos mestres da Revolução Francesa. Desde que o Estado é um mecanismo posto ao serviço da Nação, não há lógica, não há raciocínios que possam defender um sistema político em contradição constante com o interesse nacional. E deste modo, embora a minha razão e a minha vaidade de intelectualista se revoltassem, por exemplo, contra o princípio da hereditariedade, contra a monopolização do Poder pela família reinante, contra o governo pessoal do Rei, desde que eu desejo concorrer para o bem-estar da Nacionalidade e desde que o interesse da Nacionalidade, constituída não somente por mim, nem só pelos meus contemporâneos; mas também pelos nossos ascendentes e, principalmente, pelos nossos descendentes, desde que o interesse da Nacionalidade, repito, exige uma garantia de indestrutibilidade, de estabilidade e de permanência; desde que essa garantia de estabilidade e permanência não possa existir dentro de um regime onde todos, absolutamente todos, podem governar sempre que tenham artes de conquistar o Poder; desde que essa garantia só nos pode ser dada por um Homem para quem a Nação constitui um patrimonio, um bem de família, que ele tem todo o interesse em conservar e aumentar, não somente por respeito aos seus mortos, mas, acima de tudo, por amor de si proprio e por amor de seus filhos; desde que isto é assim; desde que no governo dos homens devemos partir do conhecimento dos homens, do seu egoísmo fundamental, do seu instinto de conservação, da sua tendencia para o mal somente refreavel por uma ordem de coisas que harmonize os interesses individuais com os interesses gerais e torne tão raras quanto possíveis as ocasiões de conflito entre uns e outros; desde que a Vida é o que é e não o que deveria ser, porque havemos de persistir na defesa dum sistema político que só não seria perigoso se realizasse esta mentirosa utopia: - a honradez de todos os homens que governam? Onde é que se viu que existissem, numa assembleia de 100 homens, 51 honestos, capazes de sobreporem, inteligentemente, os interesses da Nação aos seus próprios interesses? Não será muito mais humano, muito mais justo, contrapor ou sujeitar todos os nossos egoísmos, tantas vezes opostos entre si e muitas vezes em conflito com o interesse da Nação visto que um exige quase sempre o sacrificio dos outros, sujeitar, repito, todos os nossos egoísmos ao egoísmo do Rei, cujos haveres, cujo bem estar moral e material vivem ligados ao bem-estar da Sociedade?
Dir-me-hão que o Rei pode ser mau... Mas então, simplesmente porque de cem em cem anos surge na familia reinante um individuo inferior, imbecil, tarado, perigoso, simplesmente por isso, nós devemos condenar o regímen politico que nos dá tão longas épocas de paz, de labor tranquilo, e devemos preferir uma ordem de coisas dentro da qual o governo do país está continuamente à mercê de todas as flutuações, passando, duas ou três vezes por ano, das mãos de um qualquer Antonio José d'Almeida para as mãos de um qualquer Afonso Costa ou de um fulano Camacho que, embora não fossem como são, jamais alcançariam levar a termo uma obra uniforme de proveito nacional, porque tamanha empresa apenas se consegue ao cabo de longos anos de tentativas e experiencias cuidadosamente elaboradas!?
Ninguem ousará negar que El-Rei D. Carlos pagou bem horrorosamente, com a sua vida, com a vida de Seu Filho e com a posterior expulsão d'El-Rei D. Manuel, o pecado de não ter mandado para Timor os partidos políticos que puzeram a saque a Nação, que comprometeram tão profundamente o Real Património de Seu Filho. Já não aconteceu o mesmo com o sr. Afonso Costa; ele liquidou a questão de Ambaca com prejuízo de 6.000 contos para o Estado; ele foi acusado de imoralidades várias pelo senador João de Freitas; ele comprometeu o nosso domínio colonial; ele fomentou uma conspiração monárquica de maneira a inutilizar traiçoeiramente alguns adversários do regime; ele pôs a Nação à beira de um grave conflito diplomático, abusando da boa-fé e da lealdade do ministro do Brazil a fim de se apossar de um refugiado político... Pergunto: - que mal lhe veio daí? Nenhum: é rico; na sua moradia da Avenida Braancamp repousa tranquilamente entre os carinhos da família, com o seu sorrisinho marujo, a sua camélia vermelha na lapela, encolhendo os hombros aos insultos dos outros. Dizem-me que, no governo, apenas satisfez os seus interesses pessoais, e que aumentou o património dos filhos. E porquê? Porque o seu bem-estar pessoal e o bem-estar dos seus filhos preexistem após a sua saída do governo; e porque então, do mesmo modo que hoje, o interesse da sua família nada tem com o interesse geral da Nação. (pp. 40-44)
Acerca da TRADIÇÂO PORTUGUESA:
-O que é a Tradição? - Como encontrá-la? - Existencia d'uma verdade politica portuguesa. -
"A formação da nossa nacionalidade resume-se n'isto: - conquista da Terra, a palmo e palmo; formação natural, expontanea e instintiva de nucleos agrarios sob a fórma de municipios que, provar-se-ha, era uma conquista da civilisação autoctone, anterior á dominação romana ; consagração da verdade social - a Monarquia - feita pelo povo livre dos concelhos na pessoa do filho do Conde D. Henrique e na sua descendencia, como garantia de estabilidade e duração necessarias á vida economica d'esses nucleos agrarios ou municípios; trabalho de organisação e aperfeiçoamento social que vae desde o Povoador até ao Príncipe Perfeito, entrecortado já com a conquista de Ceuta, sábia empreza de infantes que, prevendo a necessidade de expansão que mais tarde nos atirou para a India, cuidaram de legar-nos imperio ao pé da porta. Durante este tempo, os quadros institucíonaes definiram-se, embora não tomassem força bastante para resistirem incólumes ao exgotamento das descobertas, á fúria imperialista e ás influencias do romanismo centralisador com que a Renascença dementou o nosso espirito d'aventura, muito inconsistente ainda. - De maneira que, tratando-se de dar á sociedade portugueza uma constituição organica, nós devemos lançar mão d'esta primeira fase da nossa vida social e aproveitá-la, nas suas bases, que são essencialmente portuguezas.
Na segunda fáse que póde estender-se ate ao liberalismo, a todo o momento se observam as consequencias funestas da Renascença e dos Descobrimentos. Todavia, a nacionalidade manteve-se, defendendo-se leoninamente da ganancia castelhana e de todos os germens de desorganisação recentemente importados. Ora procure-se a força persistente que nos defendeu e resgatou: - no fundo encontrar-se-ha sempre a nossa primitiva organisação social, subitamente afastada da sua natural evolução, mas não morta, antes reagindo sempre. Desde os municipios do Alemtejo, expulsando os hespanhoes n'uma lucta homérica de dezenas d'annos, até á revolta do Povo contra o cartismo de 20, que ele logo presentiu trazer-lhe, debaixo do manto d'uma Liberdade com l grande, o cerceamento, o anniquilamento de todas as suas liberdades, - facilmente descobrirá, quem não fôr cego, a existencia d'uma Tradição portugueza.
Essa Tradição não está morta; se assim fosse, já a Nação portugueza não existiria. A Historia mostra-nos, repito, que só a ela devemos a vida. A Sciencia demonstra-nos por outro lado que no dia em que ela morrer, a Nacionalidade tombará como um corpo sem alma." - (Aqui d'El-Rei!..., nº 3, Março de 1914, pp. 44-45)
Aqui d'El-Rei!..., nº 4, Abril de 1914.
A respeito dos EUA em 1914, antes das duas guerras mundiais (1914-18; 1939-45):
...."todas as energias dos povos americanos, recém-imersos do colonato, têm sido até hoje absorvidas pela luta económica interna, pela exploração e povoamento do solo virgem. Mas um dia virá em que a necessidade de dar vazante a esse excesso de actividade há-de fomentar o imperialismo norte-americano que, apesar de tudo, já aparece revelado no acréscimo do poder pessoal do presidente, e levará toda a América a uma situação idêntica à da Europa, situação que só a Monarquia, do mesmo modo, poderá resolver. Aos Estados-Unidos convém a preexistencia da República nos países sul-americanos do mesmo modo que à Alemanha convém a manutenção da República em França." (p. 65)
...."todas as energias dos povos americanos, recém-imersos do colonato, têm sido até hoje absorvidas pela luta económica interna, pela exploração e povoamento do solo virgem. Mas um dia virá em que a necessidade de dar vazante a esse excesso de actividade há-de fomentar o imperialismo norte-americano que, apesar de tudo, já aparece revelado no acréscimo do poder pessoal do presidente, e levará toda a América a uma situação idêntica à da Europa, situação que só a Monarquia, do mesmo modo, poderá resolver. Aos Estados-Unidos convém a preexistencia da República nos países sul-americanos do mesmo modo que à Alemanha convém a manutenção da República em França." (p. 65)

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Aqui d'El-Rei!..., nº 5, Abril de 1914.

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Bibliografia:
MESQUITA, Pedro Teixeira, Aqui d'El-Rei! - Ficha histórica, Lisboa, Hemeroteca Municipal, 28 de Outubro de 2014. (aquidelrei.pdf )