Georges Sorel, 1847-1922.
A natureza oligárquica das democracias modernas [partidocracias] ainda não há muito que a demonstrou uma pena insuspeita. Refiro-me ao professor Robert Michels [1876-1936], da Universidade de Turim, no seu conhecido livro, traduzido para francês,- Les partis politiques. Também assim o entende Georges Sorel, o notável teórico do sindicalismo francês, ao caracterizar a democracia como um governo de classe contra as outras classes. Dos ensinamentos de Georges Sorel deriva uma das correntes mais curiosas e mais positivas do pensamento contemporâneo. Estabelecida a incapacidade orgânica dos sistemas democráticos para resolver a questão social pela sua condição simultaneamente plutocrática e parlamentarista, ao proletariado só resta a Revolução ou o Rei. - António Sardinha, Ao Princípio era o Verbo, Lisboa, 1924, p. 131
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... Paul Bourget caracteriza muito bem os demi-savants ao escrever que eles tomam por liberdade de espírito a negação das verdades tradicionais e a adesão às hipóteses mais recentes, que consideram ingenuamente como sendo as do futuro. Este luxo intelectual, que não serve senão para generalizar a pior das perversões sociais, faz que a medida flutuante das populações urbanas não seja nem burguesa, nem operária, dando lugar a uma indecisão de classes, em que o proletário perde a parte mais viva da sua energia.
Eis aqui uma das consequências, - e das mais funestas! -, da Democracia [Partidocracia]. Georges Sorel, o grande mestre do pensamento sindicalista, em mais duma passagem da sua obra notabilíssima a denuncia como tal. Assim, na sua Introduction à l'économie moderne, ele pondera com a incisão costumada : «Pode-se perguntar se os esforços empregados até hoje para civilizar as classes produtoras darão bons resultados. Eu tenho muito receio que as não aburguesem e acho que com isso só se diminui a resistência dos laços que ligam os trabalhadores à sua profissão». E Sorel, depois de acrescentar que, em vez de se submeter o operário aos caprichos da sua imaginação, o que convém é concentrá-lo no círculo das suas preocupações profissionais, reconhece que o aburguesamento do operariado inglês, que imita todos os ridículos das classes superiores do seu país e que já Kautsky assinalara no Mouvement socialiste, representa para o mesmo operariado uma desgraçada decadência intelectual e moral. - António Sardinha, "Ao crepúsculo da inteligência" in Ao Ritmo da Ampulheta, ed. 1925.
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No seu volume Ruine du monde antique, o grande espírito de Georges Sorel aponta com luminosidade as consequências desastrosas da cultura clássica, como os romanos da decadência a praticavam e como a praticaram depois, na Renascença, os receptadores da herança humanista. «Cultura de retóricos, cultura de diletantes, cultura formalista e vazia, onde os alunos, habituados a discorrer sobre temas desprovidos de todo o senso real e fora de todo o conhecimento positivo, não podem tornar-se senão beaux-esprits, capazes de discutir num salão de omni re scibili, mas impotentes para todo o trabalho produtivo, como para toda a criação verdadeiramente espiritual». Foi este falso conceito da cultura clássica que deu mais tarde o gongorismo, o marinismo, enfim, as formas preciosas e ultras em que as letras se desvirilizaram, optando pela cópia servil dos modelos que, como cânones intangíveis, as arcádias poéticas nos ofereciam na Antiguidade. Entende-se já que os Jesuítas, longe de serem uma causa dessa degradação, não representam senão uma das suas muitas vítimas. - António Sardinha, "Os Jesuítas e as letras" in Na Feira dos Mitos, 2ª ed., 1942, p. 103.
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Ora não é demais repetir que nós, tradicionalistas, não somos conservadores, mas sim renovadores. Como renovadores, o Capitalismo só merece a nossa condenação. Somos francamente pelo movimento sindicalista, sem que com isso sejamos pelas arestas turbulentas de que ele se reveste por enquanto. Não confundamos as avançadas do grande exército operário com a essência das suas aspirações! O sindicalismo é por natureza uma tendencia organica. Já os seus economistas mais aclamados, como [George] Sorel, [Édouard] Berth e [Georges] Valois, o declaram nitidamente antidemocrático [no sentido de "antiparlamentar"], pregando a necessidade do trabalhador se furtar às agitações políticas para unicamente se integrar no espirito e no interesse da sua classe. Quando o movimento integralista proclama como uma das suas intenções fundamentais a organização profissional, conta com o sindicalismo para repôr a sociedade na justa harmonia das suas forças económicas, - Propriedade Trabalho e Capital.
(...)
As democracias [partidocráticas], resultam daqui, agora e sempre, como as formas de governo mais aptas à supremacia da alta finança. São le pays de cocâgne rêvé par des financiers sans scrupules, como Georges Sorel as define. A instabilidade do poder nos governos electivos e a sua conquista pela corrupção eleitoral torna-os por natureza regimes abertos, como nenhuns outros, às imposições do plutocratismo. A historia ensina-nos que assim é desde Roma. Cesar foi trazido aos ombros da plebe, faminta de reparações económicas. Ao longo da Idade-média a Realeza se consolida com apoio nas Comunas e nas insurreições municipais. Não escapou a Mommsen, o inspirador de Bismarck, a virtude das monarquias debaixo desse ponto de vista.
A legislação social do Império alemão mereceu em Amsterdam, contra o lirismo democrático de Jaurés, a apologia insuspeita do insuspeitissimo Bebel. Hoje, e depois que Georges Sorel pôs nitidamente as democracias como governo de uma classe [classe política] contra as outras classes, a hipótese da Monarchie ouvrière levanta-se em França com a deserção em massa dos trabalhadores à mentira ignóbil da Liberdade e a sua entrada lenta, mas segura, nas fileiras entusiasmadas da Action française. A herança de Proudhon, inimigo da Revolução, renova-se e clarifica-se. E é bom lembrar que, através da influência de Proudhon, Antero de Quental guiou entre nós os passos políticos de Oliveira Martins que, ao apelar para o poder-pessoal do Rei, não tinha em mente mais do que realizar em Portugal o ideal económico do cesarismo prussiano. São factos para que chamo a atenção dos nossos operários. Dos tradicionalistas partiram sempre as vozes erguidas em seu favor. Ninguém os defendeu como o conde de Chambord, ninguém os defende como o marquês de la Tour du Pin. De um glorioso Pontífice é esse documento notável, a encíclica Rerum novarum, que rasgadamente opôs ao doutrinarismo da Revolução, todo embebido numa ideia nefasta de guerra e antagonismo social, a ideia da harmonia e da justa correspondência entre as diversas classes de que a sociedade é constituída. Não é outra a conclusão a que no seu livro La biologie humaine chega recentemente o ilustre dr. Grasset: - «A sociedade é baseada não sobre a lei da luta pela vida, mas sobre o dever da colaboração e do auxílio reciproco». Eis o fundamento do sindicalismo cristão e tradicionalista, confirmado pelas razões objectivas da ciência. Como tal, só um governo que não divida, mas que unifique, e em cujas condições de existência a Propriedade e o Trabalho figurem como alicerces indisputáveis, poderá ir ao encontro do proletariado e dar-lhe satisfação duradoira. A Monarquia é esse governo, independente por índole própria, sobranceiro por posição às oligarquias que o regime democrático [partidocracia] gera inevitavelmente consigo. O operariado português pressente-o, mas não o entendeu ainda. Na hora em que o Rei, chefe natural da Nação, for também o juiz imparcial do Trabalho, então verá que o não iludem aqueles que mais nada lhe pedem senão que se organize, que se organize contra tudo e apesar de tudo, se quiser ser forte, respeitado e temido. Assim o reconhece o Integralismo Lusitano, que no renascimento do espírito das classes depõe a solução de um dos mais graves problemas da vida nacional. - Julho 1917 - António Sardinha, "Capital e Trabalho", in Durante a Fogueira,
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... Paul Bourget caracteriza muito bem os demi-savants ao escrever que eles tomam por liberdade de espírito a negação das verdades tradicionais e a adesão às hipóteses mais recentes, que consideram ingenuamente como sendo as do futuro. Este luxo intelectual, que não serve senão para generalizar a pior das perversões sociais, faz que a medida flutuante das populações urbanas não seja nem burguesa, nem operária, dando lugar a uma indecisão de classes, em que o proletário perde a parte mais viva da sua energia.
Eis aqui uma das consequências, - e das mais funestas! -, da Democracia [Partidocracia]. Georges Sorel, o grande mestre do pensamento sindicalista, em mais duma passagem da sua obra notabilíssima a denuncia como tal. Assim, na sua Introduction à l'économie moderne, ele pondera com a incisão costumada : «Pode-se perguntar se os esforços empregados até hoje para civilizar as classes produtoras darão bons resultados. Eu tenho muito receio que as não aburguesem e acho que com isso só se diminui a resistência dos laços que ligam os trabalhadores à sua profissão». E Sorel, depois de acrescentar que, em vez de se submeter o operário aos caprichos da sua imaginação, o que convém é concentrá-lo no círculo das suas preocupações profissionais, reconhece que o aburguesamento do operariado inglês, que imita todos os ridículos das classes superiores do seu país e que já Kautsky assinalara no Mouvement socialiste, representa para o mesmo operariado uma desgraçada decadência intelectual e moral. - António Sardinha, "Ao crepúsculo da inteligência" in Ao Ritmo da Ampulheta, ed. 1925.
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No seu volume Ruine du monde antique, o grande espírito de Georges Sorel aponta com luminosidade as consequências desastrosas da cultura clássica, como os romanos da decadência a praticavam e como a praticaram depois, na Renascença, os receptadores da herança humanista. «Cultura de retóricos, cultura de diletantes, cultura formalista e vazia, onde os alunos, habituados a discorrer sobre temas desprovidos de todo o senso real e fora de todo o conhecimento positivo, não podem tornar-se senão beaux-esprits, capazes de discutir num salão de omni re scibili, mas impotentes para todo o trabalho produtivo, como para toda a criação verdadeiramente espiritual». Foi este falso conceito da cultura clássica que deu mais tarde o gongorismo, o marinismo, enfim, as formas preciosas e ultras em que as letras se desvirilizaram, optando pela cópia servil dos modelos que, como cânones intangíveis, as arcádias poéticas nos ofereciam na Antiguidade. Entende-se já que os Jesuítas, longe de serem uma causa dessa degradação, não representam senão uma das suas muitas vítimas. - António Sardinha, "Os Jesuítas e as letras" in Na Feira dos Mitos, 2ª ed., 1942, p. 103.
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Ora não é demais repetir que nós, tradicionalistas, não somos conservadores, mas sim renovadores. Como renovadores, o Capitalismo só merece a nossa condenação. Somos francamente pelo movimento sindicalista, sem que com isso sejamos pelas arestas turbulentas de que ele se reveste por enquanto. Não confundamos as avançadas do grande exército operário com a essência das suas aspirações! O sindicalismo é por natureza uma tendencia organica. Já os seus economistas mais aclamados, como [George] Sorel, [Édouard] Berth e [Georges] Valois, o declaram nitidamente antidemocrático [no sentido de "antiparlamentar"], pregando a necessidade do trabalhador se furtar às agitações políticas para unicamente se integrar no espirito e no interesse da sua classe. Quando o movimento integralista proclama como uma das suas intenções fundamentais a organização profissional, conta com o sindicalismo para repôr a sociedade na justa harmonia das suas forças económicas, - Propriedade Trabalho e Capital.
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As democracias [partidocráticas], resultam daqui, agora e sempre, como as formas de governo mais aptas à supremacia da alta finança. São le pays de cocâgne rêvé par des financiers sans scrupules, como Georges Sorel as define. A instabilidade do poder nos governos electivos e a sua conquista pela corrupção eleitoral torna-os por natureza regimes abertos, como nenhuns outros, às imposições do plutocratismo. A historia ensina-nos que assim é desde Roma. Cesar foi trazido aos ombros da plebe, faminta de reparações económicas. Ao longo da Idade-média a Realeza se consolida com apoio nas Comunas e nas insurreições municipais. Não escapou a Mommsen, o inspirador de Bismarck, a virtude das monarquias debaixo desse ponto de vista.
A legislação social do Império alemão mereceu em Amsterdam, contra o lirismo democrático de Jaurés, a apologia insuspeita do insuspeitissimo Bebel. Hoje, e depois que Georges Sorel pôs nitidamente as democracias como governo de uma classe [classe política] contra as outras classes, a hipótese da Monarchie ouvrière levanta-se em França com a deserção em massa dos trabalhadores à mentira ignóbil da Liberdade e a sua entrada lenta, mas segura, nas fileiras entusiasmadas da Action française. A herança de Proudhon, inimigo da Revolução, renova-se e clarifica-se. E é bom lembrar que, através da influência de Proudhon, Antero de Quental guiou entre nós os passos políticos de Oliveira Martins que, ao apelar para o poder-pessoal do Rei, não tinha em mente mais do que realizar em Portugal o ideal económico do cesarismo prussiano. São factos para que chamo a atenção dos nossos operários. Dos tradicionalistas partiram sempre as vozes erguidas em seu favor. Ninguém os defendeu como o conde de Chambord, ninguém os defende como o marquês de la Tour du Pin. De um glorioso Pontífice é esse documento notável, a encíclica Rerum novarum, que rasgadamente opôs ao doutrinarismo da Revolução, todo embebido numa ideia nefasta de guerra e antagonismo social, a ideia da harmonia e da justa correspondência entre as diversas classes de que a sociedade é constituída. Não é outra a conclusão a que no seu livro La biologie humaine chega recentemente o ilustre dr. Grasset: - «A sociedade é baseada não sobre a lei da luta pela vida, mas sobre o dever da colaboração e do auxílio reciproco». Eis o fundamento do sindicalismo cristão e tradicionalista, confirmado pelas razões objectivas da ciência. Como tal, só um governo que não divida, mas que unifique, e em cujas condições de existência a Propriedade e o Trabalho figurem como alicerces indisputáveis, poderá ir ao encontro do proletariado e dar-lhe satisfação duradoira. A Monarquia é esse governo, independente por índole própria, sobranceiro por posição às oligarquias que o regime democrático [partidocracia] gera inevitavelmente consigo. O operariado português pressente-o, mas não o entendeu ainda. Na hora em que o Rei, chefe natural da Nação, for também o juiz imparcial do Trabalho, então verá que o não iludem aqueles que mais nada lhe pedem senão que se organize, que se organize contra tudo e apesar de tudo, se quiser ser forte, respeitado e temido. Assim o reconhece o Integralismo Lusitano, que no renascimento do espírito das classes depõe a solução de um dos mais graves problemas da vida nacional. - Julho 1917 - António Sardinha, "Capital e Trabalho", in Durante a Fogueira,
Obcecada pela ideia abstracta do homem anti-social, ou a-histórico - na fase de George Sorel, tudo a Revolução aboliu, proclamando uma teórica soberania popular que, na realidade, não se traduziu senão num flagelo de opressões e vexames constantes. É ao que se reduz a auréola já em crepúsculo dos Imortais Princípios.
A impugnação mais inexorável da ideologia igualitária da Revolução está na ofensiva crescente do Sindicalismo. O Sindicalismo, apesar dos exageros que lhe acidentam ainda a jornada, não é mais do que um regresso orgânico às antigas formas corporativas do Trabalho." - António Sardinha, "A tomada da Bastilha", Ao Ritmo da Ampulheta - Crítica e Doutrina, Lisboa, Lvmen, 1925, pp. 23-29; p. 28.
A impugnação mais inexorável da ideologia igualitária da Revolução está na ofensiva crescente do Sindicalismo. O Sindicalismo, apesar dos exageros que lhe acidentam ainda a jornada, não é mais do que um regresso orgânico às antigas formas corporativas do Trabalho." - António Sardinha, "A tomada da Bastilha", Ao Ritmo da Ampulheta - Crítica e Doutrina, Lisboa, Lvmen, 1925, pp. 23-29; p. 28.
1921 - Max_ASCOLI, Georges Sorel - Conférence lue à L'Université populaire de Ferrare, le 11 Mars 1920. Avant' Propos par Édouard BERTH [ pdf ]
Bibliografia
- Contribution à l'Étude Profane de la Bible (Paris, 1889).
- Le Procès de Socrate, Examen Critique des Thèses Socratiques (Paris: Alcan, 1889).
- Questions de Morale (Paris, 1900).
- L'avenir socialiste des syndicats (Paris, 1901).
- La Ruine du Monde Antique: Conception Matérialiste de l'Histoire (Paris, 1902).
- Introduction à l'Économie Moderne (Paris, 1903).
- La Crise de la Pensée Catholique (Paris, 1903).
- Le Système Historique de Renan (Paris, 1905–1906).
- Les Préoccupations Métaphysiques des Physiciens Modernes (Paris, 1907).
- La Décomposition du Marxisme (Paris, 1908);
- Les Illusions du Progrès (1908);
- Réflexions sur la Violence (1908)
- La Révolution Dreyfusienne (Paris, 1909).
- Matériaux d'une Théorie du Prolétariat (Paris, 1919).
- De l'Utilité du Pragmatisme (Paris, 1921).