Democracia, segundo o Integralismo Lusitano
Na historiografia de combate ao Integralismo Lusitano (IL), é comum classificarem-no como um movimento de ideias anti-democrático e autoritário, quando não recorrem a epítetos ainda mais negativos. Uma clarificação se impõe: o integralismo, nas suas primeiras definições programáticas, em 1914, não se começou por apresentar como "anti-democrático", preferindo antes definir-se como "anti-parlamentar".
A expressão "anti-democrático" foi porém usada pelos integralistas, para denunciar o que designavam por "mentira democrático-parlamentar", ou como sinónimo de "anti-republicano", dado que aquele regime foi dominado pelo designado "Partido Democrático". Qualquer que fosse a acepção, as palavras "democracia" e "democrático" tinham um sentido negativo. Para os fundadores do Integralismo Lusitano, uma democracia assente no sufrágio universal individualista, escolhendo-se políticos em listas de partidos ideológicos, sofismava uma autentica representação popular. Essa "democracia", " a democracia dos partidos políticos", e esse é que era o aspecto essencial, era por eles considerada uma mentira, claramente denunciada e rejeitada. Em Aqui d'El-Rei!... (1914) escrevia João do Amaral: "nas democracias, a luta das classes termina sempre pela vitória da mais forte, a que tem dinheiro, da que, munindo os cofres dos partidos para a campanha eleitoral, traz o poder acorrentado à sua força." E citando o socialista Georges Sorel: "la democratie est le pays de Cocagne rêvé par das financiers sans scrupules" (a democracia é o paraíso na terra sonhado pelos financeiros sem escrúpulos). Na expressão de António Sardinha, essa era a democracia que estabelecia um "governo de classe contra as classes; o governo de uma aristocracia plutocrática contra os interesses de uma grande massa de deserdados".
Mas, negavam os integralistas a legitimidade do princípio representativo? Eis a resposta de Hipólito Raposo: "Admitindo o Estado, a ordem social, a correlação de interesses, tenho de aceitar o princípio da representação, em condições que de ele se aproveite exclusivamente o que ele tem de bom, quero dizer, de presumivelmente verdadeiro, sem o caracter de soberania. Em resumo: admito a representação dos interesses e das classes, representação sem caracter político. (...) A eleição, nestas condições, entre indivíduos directamente interessados da mesma classe, era uma simples consagração de competência já revelada, a expressão concreta de uma selecção. Quando a Democracia proclama a universalidade do sufrágio, defendo eu a sua restrição e especialização."
Os integralistas rejeitavam a democracia do sufrágio universal, inorgânico, mas considerando que a democracia podia ser autentica, se fosse especializada, orgânica, municipal, sindical.
A democracia orgânica, segundo o Integralismo Lusitano
Nas teorias contemporâneas da representação política, defrontam-se duas concepções que vão para além do político, tocando a própria noção de sociedade: para uns, "a sociedade é um corpo vivo"; para outros, a sociedade é "um agregado de indivíduos".
Ainda que sumariamente, creio que importa esclarecer algumas diferenças essenciais entre essas duas concepções no plano dos fundamentos filosóficos porque, antes de se disputarem duas concepções de representação política, disputam-se também duas concepções de sociedade e, antes de se disputarem duas concepções de sociedade, disputam-se duas concepções do homem e da natureza.
Para o naturalismo individualista (base filosófica da concepção inorgânica da sociedade) — de que Rousseau foi um dos máximos expoentes —, o estado natural do homem é o estado de isolamento individualista, sendo o contrato social um acto absolutamente voluntário e livre. Ao contrário, para a concepção orgânica — contando com S. Tomás de Aquino e Francisco Suárez entre os seus mais categorizados teorizadores, e com discípulos contemporâneos como La Tour du Pin, Bonald, Joseph de Maistre, entre outros — o homem é um ser social por natureza, concebido em sociedade e para viver em sociedade. Enquanto o pacto ou contrato social de que falava Rousseau é voluntário; o pacto ou contrato social de que falavam aqueles Doutores da Igreja, longe de ser voluntário, é um ato imperado pela natureza humana.
Partindo de tão distintas concepções da natureza do homem e das sociedades, é natural que ao abordar o problema das formas de representação política, bem como o da própria origem e da legitimidade do poder, se acentue a oposição entre as duas teorias.
Na concepção inorgânica, o poder é considerado disperso nos indivíduos e expressa-se como vontade no momento da eleição. Como a soberania popular só se exerce quando se somam esses poderes, também uma só condição é suficiente para atribuir ou retirar legitimidade: a vontade do povo. Para uma concepção orgânica, de forma bem diferente, o poder político não se encontra atomizado, disperso pelos vários indivíduos de que se compõe a comunidade. O poder apenas se constitui no agregado social quando este se constitui em pessoa moral autónoma. E, ao constituir-se, o poder não é um simples somatório de parcelas, sendo antes uma espécie de propriedade — é uma realidade moral. Isto é, existe uma realidade moral no todo, que não resulta da soma das partes. Um exemplo clássico, muito referido, retirado do mundo físico, ajuda a explicar essa “espécie de propriedade” que define a realidade moral do poder político (ou soberania): a água, resultado da junção de oxigénio e hidrogénio, tem uma natureza que a define e que é diversa do simples somatório das propriedades dos elementos que a constituem. De modo análogo, também a soberania não é apenas a soma das vontades dispersas pelos membros da comunidade.
A soberania é algo que só existe na comunidade enquanto sociedade política constituída. A concepção inorgânica do poder político, além de lhe negar a sua realidade moral — abrindo a via pela qual a ditadura das maiorias se pode impor sem qualquer constrangimento; e, até hoje, sem olhar à cor política, sabemos como quase todos os regimes totalitários contemporâneos buscaram e obtiveram legalidade por via do sufrágio —, nega também, de forma mais ou menos mitigada, consoante os autores, que a sociedade antecede o Direito e o Estado. Ora, segundo a teoria orgânica — é o que importa aqui sublinhar e destacar quanto ao problema da representação política —, as personalidades de direito natural das entidades anteriores ao Estado (como a família, a freguesia, o município) são consideradas como realidades sociais concretas que o Estado deve respeitar nas suas autonomias e funções próprias.
O Estado existe para servir a sociedade, e não o contrário. Henrique Barrilaro Ruas (1921-2003), afirmou a este respeito, de forma muito clara ("Integralismo como Doutrina Política"): "Para servir o homem, importa que o Estado respeite tudo quanto é humano. É humana a família. É humana a corporação. É humano o município. É humana a comunidade de sangue e história a que se chama Nação. Um Estado que não sirva a Nação portuguesa, não serve o homem."
Para uma concepção orgânica, é imoral suprimir as personalidades de direito natural, bem como as de formação histórica, no plano da representação política. É imoral, mas vale acrescentar que é muitas vezes inútil no plano sociológico - os exemplos históricos de populações durante séculos sujeitas a domínio estrangeiro, e que raramente modificaram os usos e costumes a nível familiar, local, e mesmo nacional, são por demais abundantes e frisantes. Para o presente propósito, note-se apenas com singeleza que, segundo a teoria orgânica, ninguém escolhe a família e o local onde nasce, e que essa é uma situação com que a maioria se conforma, nascendo dela a submissão voluntária, feita de respeito e de simpatia, para com a autoridade natural dos progenitores. E, como a força dos fatores sociológicos é mais eficaz do que o oportunismo de qualquer decisão estranha, a verdade é que com a vida natural da família nasce também a submissão voluntária àqueles que, por delegação dos progenitores, regem as comunidades naturais sucessivas como a freguesia ou o município. O mesmo se passa com a comunidade histórica a que chamamos Nação.
Porque é que, para um defensor de uma concepção orgânica de democracia, existe sofisma ou embuste no sufrágio exclusivamente individualista, inorgânico?
Porque nesse tipo de sufrágio, — além de não se respeitar a pluralidade dos grupos que compõem a sociedade, e as diversas aspirações dos seus membros com seus direitos e interesses — apenas contam os indivíduos agregados em torno de projetos ideológicos acerca dos quais a grande maioria é incapaz de formular opiniões fundadas. Salta de imediato à vista o lado negro e oculto da representação inorgânica: o de não permitir a expressão de todos os interesses e opiniões fundadas. O voto inorgânico universal exclusivista contém como que um fundo monstruoso: o de forçar os cidadãos a opinar sobre assuntos e problemas que desconhecem. Ao contrário, o voto orgânico lançado na urna por um eleitor membro de um Corpo Social, sabe o que vota porque vota em vista ao interesse social do Corpo a que pertence, que faz parte do seu próprio interesse.
O integralista Mário Saraiva (1910-1998), exprimiu do seguinte modo a vantagem da representação orgânica: "Cada pessoa cria os seus interesses, integra-se no seu meio, e sente espontaneamente os hábitos comuns dos grupos em que se integra. Aí traça os projetos dos seus desejos, levanta as esperanças do seu futuro. Pode não possuir preparação suficiente para votar um projeto ideológico, mas tem consciência das pessoas e das coisas do meio em que se move e com as quais está diretamente relacionado. Está, por exemplo, apto a escolher como seu representante um vizinho na sua freguesia, um camarada de trabalho para o sindicato, um consócio para uma sociedade, um agremiado para uma associação agrícola, comercial, industrial, etc." (in Outra Democracia).
Em síntese, segundo a concepção orgânica, nas formas inorgânicas de representação há simultaneamente um sofisma e um déficit de representação. E o que defendem os partidários da democracia orgânica, entre os quais se destacaram os integralistas lusitanos, é que seja permitida a expressão ou a representação das pessoas através dos órgãos naturais a que pertencem no seio da sociedade — através das freguesias ou paróquias, dos municípios, das regiões, mas também por intermédio dos diversos esteios ou grupos sociais (de profissão, de atividade económica, de cultura, de espiritualidade, etc.) no seio dos quais contribuem, pela sua atividade e esforço, para o bem comum da sociedade. Os integralistas bateram-se sempre por uma representação municipal e sindical, como a base de uma autêntica democracia e de uma verdadeira representação da República.
Na época em que o Integralismo Lusitano se lançou como movimento de ideias políticas, o republicano João Chagas não deixou de reconhecer implicitamente a mentira daquela democracia parlamentar, ao escrever num opúsculo, posto à venda no dia 3 de Maio de 1915 - “A Última Crise – Comentários à situação da República Portuguesa”: “A Nação é de todos, mas o Estado é nosso.”
José Manuel Quintas
(Nota: este texto resulta de uma adaptação de um comentário publicado no fórum Unica Semper Avis, em 2001, no âmbito de uma discussão a respeito do conceito de democracia orgânica, em que se comentava Oliveira Martins, "Os costumes e as leis" in Dispersos, II, 1924, pp. 53-66; Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 24 de Agosto de 1891 - neste particular - reacção crítica ao parlamentarismo partidocrático - um dos autores de referência para os integralistas).
A expressão "anti-democrático" foi porém usada pelos integralistas, para denunciar o que designavam por "mentira democrático-parlamentar", ou como sinónimo de "anti-republicano", dado que aquele regime foi dominado pelo designado "Partido Democrático". Qualquer que fosse a acepção, as palavras "democracia" e "democrático" tinham um sentido negativo. Para os fundadores do Integralismo Lusitano, uma democracia assente no sufrágio universal individualista, escolhendo-se políticos em listas de partidos ideológicos, sofismava uma autentica representação popular. Essa "democracia", " a democracia dos partidos políticos", e esse é que era o aspecto essencial, era por eles considerada uma mentira, claramente denunciada e rejeitada. Em Aqui d'El-Rei!... (1914) escrevia João do Amaral: "nas democracias, a luta das classes termina sempre pela vitória da mais forte, a que tem dinheiro, da que, munindo os cofres dos partidos para a campanha eleitoral, traz o poder acorrentado à sua força." E citando o socialista Georges Sorel: "la democratie est le pays de Cocagne rêvé par das financiers sans scrupules" (a democracia é o paraíso na terra sonhado pelos financeiros sem escrúpulos). Na expressão de António Sardinha, essa era a democracia que estabelecia um "governo de classe contra as classes; o governo de uma aristocracia plutocrática contra os interesses de uma grande massa de deserdados".
Mas, negavam os integralistas a legitimidade do princípio representativo? Eis a resposta de Hipólito Raposo: "Admitindo o Estado, a ordem social, a correlação de interesses, tenho de aceitar o princípio da representação, em condições que de ele se aproveite exclusivamente o que ele tem de bom, quero dizer, de presumivelmente verdadeiro, sem o caracter de soberania. Em resumo: admito a representação dos interesses e das classes, representação sem caracter político. (...) A eleição, nestas condições, entre indivíduos directamente interessados da mesma classe, era uma simples consagração de competência já revelada, a expressão concreta de uma selecção. Quando a Democracia proclama a universalidade do sufrágio, defendo eu a sua restrição e especialização."
Os integralistas rejeitavam a democracia do sufrágio universal, inorgânico, mas considerando que a democracia podia ser autentica, se fosse especializada, orgânica, municipal, sindical.
A democracia orgânica, segundo o Integralismo Lusitano
Nas teorias contemporâneas da representação política, defrontam-se duas concepções que vão para além do político, tocando a própria noção de sociedade: para uns, "a sociedade é um corpo vivo"; para outros, a sociedade é "um agregado de indivíduos".
Ainda que sumariamente, creio que importa esclarecer algumas diferenças essenciais entre essas duas concepções no plano dos fundamentos filosóficos porque, antes de se disputarem duas concepções de representação política, disputam-se também duas concepções de sociedade e, antes de se disputarem duas concepções de sociedade, disputam-se duas concepções do homem e da natureza.
Para o naturalismo individualista (base filosófica da concepção inorgânica da sociedade) — de que Rousseau foi um dos máximos expoentes —, o estado natural do homem é o estado de isolamento individualista, sendo o contrato social um acto absolutamente voluntário e livre. Ao contrário, para a concepção orgânica — contando com S. Tomás de Aquino e Francisco Suárez entre os seus mais categorizados teorizadores, e com discípulos contemporâneos como La Tour du Pin, Bonald, Joseph de Maistre, entre outros — o homem é um ser social por natureza, concebido em sociedade e para viver em sociedade. Enquanto o pacto ou contrato social de que falava Rousseau é voluntário; o pacto ou contrato social de que falavam aqueles Doutores da Igreja, longe de ser voluntário, é um ato imperado pela natureza humana.
Partindo de tão distintas concepções da natureza do homem e das sociedades, é natural que ao abordar o problema das formas de representação política, bem como o da própria origem e da legitimidade do poder, se acentue a oposição entre as duas teorias.
Na concepção inorgânica, o poder é considerado disperso nos indivíduos e expressa-se como vontade no momento da eleição. Como a soberania popular só se exerce quando se somam esses poderes, também uma só condição é suficiente para atribuir ou retirar legitimidade: a vontade do povo. Para uma concepção orgânica, de forma bem diferente, o poder político não se encontra atomizado, disperso pelos vários indivíduos de que se compõe a comunidade. O poder apenas se constitui no agregado social quando este se constitui em pessoa moral autónoma. E, ao constituir-se, o poder não é um simples somatório de parcelas, sendo antes uma espécie de propriedade — é uma realidade moral. Isto é, existe uma realidade moral no todo, que não resulta da soma das partes. Um exemplo clássico, muito referido, retirado do mundo físico, ajuda a explicar essa “espécie de propriedade” que define a realidade moral do poder político (ou soberania): a água, resultado da junção de oxigénio e hidrogénio, tem uma natureza que a define e que é diversa do simples somatório das propriedades dos elementos que a constituem. De modo análogo, também a soberania não é apenas a soma das vontades dispersas pelos membros da comunidade.
A soberania é algo que só existe na comunidade enquanto sociedade política constituída. A concepção inorgânica do poder político, além de lhe negar a sua realidade moral — abrindo a via pela qual a ditadura das maiorias se pode impor sem qualquer constrangimento; e, até hoje, sem olhar à cor política, sabemos como quase todos os regimes totalitários contemporâneos buscaram e obtiveram legalidade por via do sufrágio —, nega também, de forma mais ou menos mitigada, consoante os autores, que a sociedade antecede o Direito e o Estado. Ora, segundo a teoria orgânica — é o que importa aqui sublinhar e destacar quanto ao problema da representação política —, as personalidades de direito natural das entidades anteriores ao Estado (como a família, a freguesia, o município) são consideradas como realidades sociais concretas que o Estado deve respeitar nas suas autonomias e funções próprias.
O Estado existe para servir a sociedade, e não o contrário. Henrique Barrilaro Ruas (1921-2003), afirmou a este respeito, de forma muito clara ("Integralismo como Doutrina Política"): "Para servir o homem, importa que o Estado respeite tudo quanto é humano. É humana a família. É humana a corporação. É humano o município. É humana a comunidade de sangue e história a que se chama Nação. Um Estado que não sirva a Nação portuguesa, não serve o homem."
Para uma concepção orgânica, é imoral suprimir as personalidades de direito natural, bem como as de formação histórica, no plano da representação política. É imoral, mas vale acrescentar que é muitas vezes inútil no plano sociológico - os exemplos históricos de populações durante séculos sujeitas a domínio estrangeiro, e que raramente modificaram os usos e costumes a nível familiar, local, e mesmo nacional, são por demais abundantes e frisantes. Para o presente propósito, note-se apenas com singeleza que, segundo a teoria orgânica, ninguém escolhe a família e o local onde nasce, e que essa é uma situação com que a maioria se conforma, nascendo dela a submissão voluntária, feita de respeito e de simpatia, para com a autoridade natural dos progenitores. E, como a força dos fatores sociológicos é mais eficaz do que o oportunismo de qualquer decisão estranha, a verdade é que com a vida natural da família nasce também a submissão voluntária àqueles que, por delegação dos progenitores, regem as comunidades naturais sucessivas como a freguesia ou o município. O mesmo se passa com a comunidade histórica a que chamamos Nação.
Porque é que, para um defensor de uma concepção orgânica de democracia, existe sofisma ou embuste no sufrágio exclusivamente individualista, inorgânico?
Porque nesse tipo de sufrágio, — além de não se respeitar a pluralidade dos grupos que compõem a sociedade, e as diversas aspirações dos seus membros com seus direitos e interesses — apenas contam os indivíduos agregados em torno de projetos ideológicos acerca dos quais a grande maioria é incapaz de formular opiniões fundadas. Salta de imediato à vista o lado negro e oculto da representação inorgânica: o de não permitir a expressão de todos os interesses e opiniões fundadas. O voto inorgânico universal exclusivista contém como que um fundo monstruoso: o de forçar os cidadãos a opinar sobre assuntos e problemas que desconhecem. Ao contrário, o voto orgânico lançado na urna por um eleitor membro de um Corpo Social, sabe o que vota porque vota em vista ao interesse social do Corpo a que pertence, que faz parte do seu próprio interesse.
O integralista Mário Saraiva (1910-1998), exprimiu do seguinte modo a vantagem da representação orgânica: "Cada pessoa cria os seus interesses, integra-se no seu meio, e sente espontaneamente os hábitos comuns dos grupos em que se integra. Aí traça os projetos dos seus desejos, levanta as esperanças do seu futuro. Pode não possuir preparação suficiente para votar um projeto ideológico, mas tem consciência das pessoas e das coisas do meio em que se move e com as quais está diretamente relacionado. Está, por exemplo, apto a escolher como seu representante um vizinho na sua freguesia, um camarada de trabalho para o sindicato, um consócio para uma sociedade, um agremiado para uma associação agrícola, comercial, industrial, etc." (in Outra Democracia).
Em síntese, segundo a concepção orgânica, nas formas inorgânicas de representação há simultaneamente um sofisma e um déficit de representação. E o que defendem os partidários da democracia orgânica, entre os quais se destacaram os integralistas lusitanos, é que seja permitida a expressão ou a representação das pessoas através dos órgãos naturais a que pertencem no seio da sociedade — através das freguesias ou paróquias, dos municípios, das regiões, mas também por intermédio dos diversos esteios ou grupos sociais (de profissão, de atividade económica, de cultura, de espiritualidade, etc.) no seio dos quais contribuem, pela sua atividade e esforço, para o bem comum da sociedade. Os integralistas bateram-se sempre por uma representação municipal e sindical, como a base de uma autêntica democracia e de uma verdadeira representação da República.
Na época em que o Integralismo Lusitano se lançou como movimento de ideias políticas, o republicano João Chagas não deixou de reconhecer implicitamente a mentira daquela democracia parlamentar, ao escrever num opúsculo, posto à venda no dia 3 de Maio de 1915 - “A Última Crise – Comentários à situação da República Portuguesa”: “A Nação é de todos, mas o Estado é nosso.”
José Manuel Quintas
(Nota: este texto resulta de uma adaptação de um comentário publicado no fórum Unica Semper Avis, em 2001, no âmbito de uma discussão a respeito do conceito de democracia orgânica, em que se comentava Oliveira Martins, "Os costumes e as leis" in Dispersos, II, 1924, pp. 53-66; Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 24 de Agosto de 1891 - neste particular - reacção crítica ao parlamentarismo partidocrático - um dos autores de referência para os integralistas).