Oligarquia e Corrupção
Oligarquia / Corrupção / Anti-parlamentarismo
1891 - Diagnóstico de Oliveira Martins: as eleições individualistas são o sofisma da representação.
"Por toda a parte a vileza corrompe as instituições e a política. Por toda a parte os negócios do Estado estão inquinados da mesma lepra. Por toda a parte os políticos são a mesma cousa. Por toda a parte os brasseurs d'affaires compram as câmaras e a imprensa e as repartições. Por toda a parte quem quer que tenha o sentimento de dignidade própria se afasta, apertando o nariz, dessa podridão malcheirosa e tão repugnante nos que compram como nos que vendem, ou se vendem." E Oliveira Martins interrogava então, "E vem porventura isto de que os nossos tempos sejam intrinsecamente mais imorais do que outros? Não, por forma alguma, pois, ao contrário, nunca a moral pessoal foi mais levantada. Vem do equívoco universal em que as sociedades se agitam presas a fórmulas constitucionais transactas, agitadas vivamente por um espírito diverso. Jura-se ainda nos lábios pelos imortais princípios proclamados na revolução francesa, quando a verdade é que a agitação declarada do operariado reclama a constituição de fórmulas sociais que se não contêm nos famosos direitos do homem. Jura-se ainda pela soberania dos Estados, quando o instinto cosmopolita lavra nos costumes, pondo em cheque o patriotismo."
Oliveira Martins recusava explicitamente os princípios do constitucionalismo moderno, introduzidos em Portugal na sequência da Revolução de 1820 e, citando um conhecido publicista, não deixará de exclamar: "a liberdade era antiga, moderno é o absolutismo". Para Oliveira Martins, os males da sociedade portuguesa contemporânea "provinham, não só dos legados da História, como da influência deprimente e desorganizadora das teorias do naturalismo individualista, herdado da filosofia do séc. XVIII e popularizado pela Revolução Francesa".
Para Oliveira Martins era tempo de voltar a respeitar e garantir a representação das classes, das profissões, dos concelhos, etc.. As eleições, tal como vinham sendo praticadas, em que em vez de se representarem as classes, se representava apenas uma classe — a classe política distribuída pelos vários partidos ideológicos instituídos em nome do interesse geral — eram apenas "a máquina movida pelos ambiciosos, o realejo que toca a mesma ária aclamadora a todos os que lhe movem a manivela. Feitas a tiro, ou a cacete, ou a dinheiro, ou a empregos, as eleições liberais individualistas são o sofisma da representação; não por vicio dos homens, embora os homens sejam viciosos, mas por essência do errado princípio que as dirige. Só quando outra vez se compreender (e agora conscientemente) que a sociedade é um corpo vivo, e não um agregado de indivíduos: só então tornará a haver representação verdadeira e ordem na democracia". - 1891 - J. P. Oliveira Martins - Lei e costumes
1914 - João do Amaral, Aqui d'El-Rei!, nº 1:
"A história do constitucionalismo monárquico e republicano resume-se nisto: a Nação posta a saque pelos bandos políticos. Acabemos, portanto, com os partidos! Mas os partidos são os dignos filhos do parlamentarismo. Acabemos, portanto, com o parlamentarismo — lei do número, que exclui a qualidade, base da organização. O parlamentarismo é a luta dos partidos, das rivalidades pessoais, a opressão das minorias, a irresponsabilidade, a incompetência, o capricho partidário sobrepondo-se aos interesses das classes."
1914 - António Sardinha, "Poder pessoal e poder absoluto", Julho de 1914 (Glossário dos Tempos, ed. 1942)
Citando Luz Soriano (Utopias desmascadaras do sistema liberal em Portugal [1858_-_luz_soriano_-_utopias_desmascaradas_do_sistema_liberal_em_portugal.pd]: "o parlamento, devendo ser o fiscal da bôlsa do povo, é o que pela sua parte está sempre pronto para sancionar todos os desvarios financeiros dos ministros, aditando-lhes até outros de novo. A natural conseqüência de tudo isto, prossegue em outra passagem, "é ser a nação vitima expiatória das espoliações, e vexames, que os diferentes partidos lhe têm querido fazer por motivos de interêsse, e capricho particular, ou seja dos ministros, ou dos deputados, sem ao menos lhe ser dado apelar para o poder da coroa, como nos antigos tempos"
1915 - António Sardinha, O Valor da Raça:
“Os regimes eletivos, — ou consulares, como em Roma, ou mesmo vitalícios, como na Polónia, geram inevitavelmente a monopolização do poder nas mãos duma oligarquia que promove a instabilidade nas direções do Estado e conduz a uma regência perpétua de clientelas, derrubando-se umas às outras, na tarefa insana das Danaides da fábula."
(...)
Foi a Revolução (1789) que gerou a moderna questão operária por abolir as corporações de artes e ofícios [1791-06-17 - Lei Le Chapelier], em que o artífice se resguardava dos caprichos ferozes da Concorrência. O liberalismo tornou-o simplesmente um «cidadão.» Por via da mentira declamatória do voto, derrancou-lhe as antigas molduras de defesa, insuflando-lhe o gosto desorganizador da paixão partidária. As consequencias viram-se no desaforo crescente do feudalismo industrial. Não podem os regimes, apoiados na urna, realizar a apetecida equação social. Enfraquecidos pela sua fisiologia inferior, estão sempre nas mãos das grandes oligarquias financeiras e políticas.
1924 - António Sardinha, Ao Princípio era o Verbo, Lisboa, 1924.
A natureza oligárquica das democracias modernas ainda não há muito que a demonstrou uma pena insuspeita. Refiro-me ao professor Robert Michels [1876-1936], da Universidade de Turim, no seu conhecido livro, traduzido para francês,- Les partis politiques. Também assim o entende Georges Sorel [1847-1922], o notável teórico do sindicalismo francês, ao caracterizar a democracia como um governo de classe contra as outras classes. Dos ensinamentos de Georges Sorel deriva uma das correntes mais curiosas e mais positivas do pensamento contemporâneo. Estabelecida a incapacidade orgânica dos sistemas democráticos para resolver a questão social pela sua condição simultaneamente plutocrática e parlamentarista, ao proletariado só resta a Revolução ou o Rei.
(p. 131)
Descendo da teoria aos factos, reconhecemos que nas críticas de Georges Sorel à democracia ressurgem as considerações que motivaram no campo da historia a atitude de Fustel de Coulanges. O predomínio dissolvente dos partidos sobre as legítimas aspirações da colectividade equivale às antigas querelas da Nobreza e do Clero contra a supremacia neutralizadora da Coroa . Há uma diferença, no entanto, que é de justiça destacar. Nunca, a não ser em raras circunstâncias, as discórdias das classes privilegiadas atentaram contra a própria constituição do Estado. Orgãos robustos do mesmo, queriam expandir-se em detrimento da boa harmonia do grupo. Porque a Realeza intervinha, exercendo o oficio de coordenadora, as dissensões afloravam, rápidas, assumindo por vezes um carácter extremo de violência. Todavia, se as pátrias ocidentais existem ao Clero e à Nobreza pertence um alto e extraordinário quinhão na epopeia admirável da sua independência e do seu desenvolvimento.
Não sucede outro tanto com os partidos políticos, - consequência da liberdade metafísica dos utopistas do 89. Não chegam a ser orgãos do Estado, pois que não passam de elementos parasitários, mantendo-se à custa da corrupção e do favoritismo. O poder, quando o alcançam, sequestram-no em seu beneficio exclusivo, como se fosse coisa conquistada.
(p. 133)
1936 - Francisco Rolão Preto, Justiça!:
A corrupção e o domínio das oligarquias financeiras tem origem no predomínio do Legislativo (a corrupção é sistémica ou estrutural):
...do predomínio do Legislativo e da possibilidade da sua intervenção em todas as esferas da acção governativa, nasceu o interesse e a possibilidade das oligarquias financeiras se imiscuirem no jogo da representação nacional, servindo-se dele para fins particulares.
A corrupção notória dos meios parlamentares não tem outra origem, nem outra é também a razão fundamental da desorientação em que esses meios se movem.
Tal corrupção e tal desequilíbrio político levaram os povos a aceitar as ditaduras, mesmo as mais pesadas.
A situação política da Europa oscila, assim, com algumas excepções honrosas, entre estes dois polos: ditadura da desordem e ditadura da polícia.
Nenhuma dessas tiranias, a Revolução aceita e por isso ela se propõe criar um Estado em que o Legislativo surja liberto das oligarquias, em que o Executivo se não confunda com o Legislativo e em que o Poder deixe de ser possível monopólio de qualquer grupo. (p. 93).
1891 - Diagnóstico de Oliveira Martins: as eleições individualistas são o sofisma da representação.
"Por toda a parte a vileza corrompe as instituições e a política. Por toda a parte os negócios do Estado estão inquinados da mesma lepra. Por toda a parte os políticos são a mesma cousa. Por toda a parte os brasseurs d'affaires compram as câmaras e a imprensa e as repartições. Por toda a parte quem quer que tenha o sentimento de dignidade própria se afasta, apertando o nariz, dessa podridão malcheirosa e tão repugnante nos que compram como nos que vendem, ou se vendem." E Oliveira Martins interrogava então, "E vem porventura isto de que os nossos tempos sejam intrinsecamente mais imorais do que outros? Não, por forma alguma, pois, ao contrário, nunca a moral pessoal foi mais levantada. Vem do equívoco universal em que as sociedades se agitam presas a fórmulas constitucionais transactas, agitadas vivamente por um espírito diverso. Jura-se ainda nos lábios pelos imortais princípios proclamados na revolução francesa, quando a verdade é que a agitação declarada do operariado reclama a constituição de fórmulas sociais que se não contêm nos famosos direitos do homem. Jura-se ainda pela soberania dos Estados, quando o instinto cosmopolita lavra nos costumes, pondo em cheque o patriotismo."
Oliveira Martins recusava explicitamente os princípios do constitucionalismo moderno, introduzidos em Portugal na sequência da Revolução de 1820 e, citando um conhecido publicista, não deixará de exclamar: "a liberdade era antiga, moderno é o absolutismo". Para Oliveira Martins, os males da sociedade portuguesa contemporânea "provinham, não só dos legados da História, como da influência deprimente e desorganizadora das teorias do naturalismo individualista, herdado da filosofia do séc. XVIII e popularizado pela Revolução Francesa".
Para Oliveira Martins era tempo de voltar a respeitar e garantir a representação das classes, das profissões, dos concelhos, etc.. As eleições, tal como vinham sendo praticadas, em que em vez de se representarem as classes, se representava apenas uma classe — a classe política distribuída pelos vários partidos ideológicos instituídos em nome do interesse geral — eram apenas "a máquina movida pelos ambiciosos, o realejo que toca a mesma ária aclamadora a todos os que lhe movem a manivela. Feitas a tiro, ou a cacete, ou a dinheiro, ou a empregos, as eleições liberais individualistas são o sofisma da representação; não por vicio dos homens, embora os homens sejam viciosos, mas por essência do errado princípio que as dirige. Só quando outra vez se compreender (e agora conscientemente) que a sociedade é um corpo vivo, e não um agregado de indivíduos: só então tornará a haver representação verdadeira e ordem na democracia". - 1891 - J. P. Oliveira Martins - Lei e costumes
1914 - João do Amaral, Aqui d'El-Rei!, nº 1:
"A história do constitucionalismo monárquico e republicano resume-se nisto: a Nação posta a saque pelos bandos políticos. Acabemos, portanto, com os partidos! Mas os partidos são os dignos filhos do parlamentarismo. Acabemos, portanto, com o parlamentarismo — lei do número, que exclui a qualidade, base da organização. O parlamentarismo é a luta dos partidos, das rivalidades pessoais, a opressão das minorias, a irresponsabilidade, a incompetência, o capricho partidário sobrepondo-se aos interesses das classes."
1914 - António Sardinha, "Poder pessoal e poder absoluto", Julho de 1914 (Glossário dos Tempos, ed. 1942)
Citando Luz Soriano (Utopias desmascadaras do sistema liberal em Portugal [1858_-_luz_soriano_-_utopias_desmascaradas_do_sistema_liberal_em_portugal.pd]: "o parlamento, devendo ser o fiscal da bôlsa do povo, é o que pela sua parte está sempre pronto para sancionar todos os desvarios financeiros dos ministros, aditando-lhes até outros de novo. A natural conseqüência de tudo isto, prossegue em outra passagem, "é ser a nação vitima expiatória das espoliações, e vexames, que os diferentes partidos lhe têm querido fazer por motivos de interêsse, e capricho particular, ou seja dos ministros, ou dos deputados, sem ao menos lhe ser dado apelar para o poder da coroa, como nos antigos tempos"
1915 - António Sardinha, O Valor da Raça:
“Os regimes eletivos, — ou consulares, como em Roma, ou mesmo vitalícios, como na Polónia, geram inevitavelmente a monopolização do poder nas mãos duma oligarquia que promove a instabilidade nas direções do Estado e conduz a uma regência perpétua de clientelas, derrubando-se umas às outras, na tarefa insana das Danaides da fábula."
(...)
Foi a Revolução (1789) que gerou a moderna questão operária por abolir as corporações de artes e ofícios [1791-06-17 - Lei Le Chapelier], em que o artífice se resguardava dos caprichos ferozes da Concorrência. O liberalismo tornou-o simplesmente um «cidadão.» Por via da mentira declamatória do voto, derrancou-lhe as antigas molduras de defesa, insuflando-lhe o gosto desorganizador da paixão partidária. As consequencias viram-se no desaforo crescente do feudalismo industrial. Não podem os regimes, apoiados na urna, realizar a apetecida equação social. Enfraquecidos pela sua fisiologia inferior, estão sempre nas mãos das grandes oligarquias financeiras e políticas.
1924 - António Sardinha, Ao Princípio era o Verbo, Lisboa, 1924.
A natureza oligárquica das democracias modernas ainda não há muito que a demonstrou uma pena insuspeita. Refiro-me ao professor Robert Michels [1876-1936], da Universidade de Turim, no seu conhecido livro, traduzido para francês,- Les partis politiques. Também assim o entende Georges Sorel [1847-1922], o notável teórico do sindicalismo francês, ao caracterizar a democracia como um governo de classe contra as outras classes. Dos ensinamentos de Georges Sorel deriva uma das correntes mais curiosas e mais positivas do pensamento contemporâneo. Estabelecida a incapacidade orgânica dos sistemas democráticos para resolver a questão social pela sua condição simultaneamente plutocrática e parlamentarista, ao proletariado só resta a Revolução ou o Rei.
(p. 131)
Descendo da teoria aos factos, reconhecemos que nas críticas de Georges Sorel à democracia ressurgem as considerações que motivaram no campo da historia a atitude de Fustel de Coulanges. O predomínio dissolvente dos partidos sobre as legítimas aspirações da colectividade equivale às antigas querelas da Nobreza e do Clero contra a supremacia neutralizadora da Coroa . Há uma diferença, no entanto, que é de justiça destacar. Nunca, a não ser em raras circunstâncias, as discórdias das classes privilegiadas atentaram contra a própria constituição do Estado. Orgãos robustos do mesmo, queriam expandir-se em detrimento da boa harmonia do grupo. Porque a Realeza intervinha, exercendo o oficio de coordenadora, as dissensões afloravam, rápidas, assumindo por vezes um carácter extremo de violência. Todavia, se as pátrias ocidentais existem ao Clero e à Nobreza pertence um alto e extraordinário quinhão na epopeia admirável da sua independência e do seu desenvolvimento.
Não sucede outro tanto com os partidos políticos, - consequência da liberdade metafísica dos utopistas do 89. Não chegam a ser orgãos do Estado, pois que não passam de elementos parasitários, mantendo-se à custa da corrupção e do favoritismo. O poder, quando o alcançam, sequestram-no em seu beneficio exclusivo, como se fosse coisa conquistada.
(p. 133)
1936 - Francisco Rolão Preto, Justiça!:
A corrupção e o domínio das oligarquias financeiras tem origem no predomínio do Legislativo (a corrupção é sistémica ou estrutural):
...do predomínio do Legislativo e da possibilidade da sua intervenção em todas as esferas da acção governativa, nasceu o interesse e a possibilidade das oligarquias financeiras se imiscuirem no jogo da representação nacional, servindo-se dele para fins particulares.
A corrupção notória dos meios parlamentares não tem outra origem, nem outra é também a razão fundamental da desorientação em que esses meios se movem.
Tal corrupção e tal desequilíbrio político levaram os povos a aceitar as ditaduras, mesmo as mais pesadas.
A situação política da Europa oscila, assim, com algumas excepções honrosas, entre estes dois polos: ditadura da desordem e ditadura da polícia.
Nenhuma dessas tiranias, a Revolução aceita e por isso ela se propõe criar um Estado em que o Legislativo surja liberto das oligarquias, em que o Executivo se não confunda com o Legislativo e em que o Poder deixe de ser possível monopólio de qualquer grupo. (p. 93).