Oligarquia e Corrupção
O programa do Integralismo Lusitano incluiu um propósito anti-parlamentar, com uma motivação anti-oligárquica: deveriam ser os municípios, e não os partidos ideológicos, a estar na base da representação parlamentar, como aliás em geral acontecia e ainda acontece nos países de tradição democrática anglo-saxónica - Reino Unido, Canadá, Austrália, EUA, entre outros. Nesses países, os deputados não representam partidos ou ideologias, representando antes de mais as comunidades ou as circunscrições em que são eleitos. Os integralistas defendiam também a descentralização política e as liberdades e autonomias municipais.
O propósito anti-oligárquico dos integralistas baseia-se numa interpretação da história política portuguesa que importa elucidar para se compreender o alcance do seu projecto de restauração de Portugal.
Na perspectiva dos integralistas, a formação e consolidação da nação portuguesa resultou de uma aliança entre os municípios e o rei, confirmada na vitória dos portugueses na revolução de 1383-85 e na eleição da dinastia de Avis. Em 1580, perante a ameaça militar espanhola, aceitou-se um rei estrangeiro, mas impondo-lhe nas Cortes de Tomar uma espécie de monarquia dualista, como a Austria-Hungria, preservando a autonomia do governo de Portugal. A administração ruinosa dos Filipes e por fim a tentativa de transformar Portugal numa província de Espanha, provocou a revolta, sendo a independência plenamente recuperada em 1640, ao eleger-se em Cortes a dinastia de Bragança. Em 1698, as Cortes ainda reuniram para confirmar a nomeação do Infante D. João (futuro D. João V) como sucessor de D. Pedro II de Portugal mas, seguindo a tendência da Europa continental, ao longo do século XVIII os reis foram-se tornando "absolutos", isto é, independentes, governando sem consultar as Cortes. No reinado de D. José I, o absolutismo régio culminou no governo despótico do marquês de Pombal que, a par da “filosofia das luzes”, promoveu a teoria protestante do "direito divino dos Reis", acabando por expulsar os jesuítas, defensores das doutrinas do pacto de sujeição dos Reis ao serviço das repúblicas. Surgiu então entre nós a "história sectária" (expressão de António Sardinha) e tornaram-se letra morta as autonomias municipais bem como as suas prerrogativas políticas.
Na sequência das convulsões europeias de finais do século XVIII e inícios do século XIX - Revolução Francesa de 1789, Imperialismo de Napoleão e Invasões Francesas de Portugal - houve um curto período de esperança regeneradora que, partindo da lei de 4 de Junho de 1824, de D. João VI, propondo-se "ir por caminhos já conhecidos, e trilhados", vem a desembocar na aclamação do rei D. Miguel I, retomando-se a antiga aliança entre o rei e os municípios representados em Cortes. Uma sangrenta Guerra Civil, desencadeada por estrangeiros e com apoio financeiro e militar de estrangeiros, veio porém a culminar com a derrota e rendição das forças portuguesas em Évora Monte (1834) - "o epílogo prematuro e funesto" da nacionalidade. Os estrangeiros do interior - a "anti-Nação" - não mais deixaram de controlar o Estado, negando doravante ao povo uma representação através das suas instituições mais antigas e livres - os municípios. As formas oligárquicas de poder, em especial o parlamentarismo da partidocracia, passou a ser o método mais proveitoso e eficaz no domínio e controlo do Estado.
Embora o domínio das oligarquias tenha sido realizado em diversas modalidades, sob regimes com várias designações - monarquia constitucional, república parlamentar, estado novo, democracia - em todos eles se negou ao povo uma representação através dos seus municípios, mantendo-se o poder sempre nas mãos de uns poucos, de preferência organizados em partidos políticos ideológicos, verdadeiras agências de negócios e de empregos. É esse o aspecto essencial de um regime oligárquico - “o poder nas mãos de poucos”.
O propósito anti-oligárquico dos integralistas inscreve-se assim no seu projecto de restauração de Portugal, mas a crítica e a rejeição do parlamentarismo como instrumento de centralização oligárquica, não começou com os jovens do Integralismo Lusitano. Antes deles, Alexandre Herculano, Almeida Garrett, Antero de Quental, Eça de Queirós, Oliveira Martins, entre outros, deixaram-nos eloquentes páginas anti-parlamentares. Aqui se reunem documentos ilustrando essa que é afinal uma longa história de resistência anti-oligárquica.
25 de Maio de 2024, J.M.Q
Oligarquia / Corrupção / Parlamentarismo / Eleições Partidistas /Partidos Político-Ideológicos
1858 - Alexandre Herculano, Carta aos Eleitores do Círculo Eleitoral de Sintra
Indubitavelmente este país transborda de homens grandes, de profundos estadistas. Aqui o estadista nasce, como nasce o poeta; precede a escolha: dispensa-a, até. Sou o primeiro a confessá-lo. E a paixão dos homens grandes, dos profundos estadistas, é a salvação da pátria: é a sua vocação, o seu destino, a sua suprema felicidade. Esses varões ilustres pertencem, porém, ao país: é do país que devem ser deputados. Entendem-no eles assim, e parece-me que entendem bem. Em tal caso, eleja-os o país. Quando algum vos mendigar de porta em porta, e com o chapéu na mão, os vossos votos, respondei-lhe, como os eleitores dos diversos círculos do reino lhe responderiam, se o são juízo fosse uma coisa desmesuradamente vulgar:
«Somos uma pobre gente, que apenas conhecemos as nossas necessidades, e queremos por mandatário quem também as conheça e que nelas tenha parte; quem seja verdadeiro intérprete dos nossos desejos, das nossas esperanças, dos nossos agravos. Se os deputados dos outros círculos procederem de uma escolha análoga, entendemos que as opiniões triunfantes no parlamento representarão a satisfação dos desejos, o complemento das esperanças, a reparação dos agravos da verdadeira maioria nacional sem que isto obste a que se atenda aos interesses da minoria, que aí se acharão representados e defendidos como se representa e defende uma causa própria. Na vulgaridade da nossa inteligência, custa-nos a abandonar as superstições de nossos pais: cremos ainda na aritmética, e que o país não é senão a soma das localidades. Homem do absoluto, das vastas concepções, se a vossa abnegação chega ao ponto de solicitar a deputação do campanário, fazei que vos elejam aqueles que vos conhecem de perto, que podem apreciar as vossas virtudes, o vosso carácter. Certamente vós habitais nalguma parte. Se não quereis abater-vos tanto, arredai-vos da sombra do nosso presbitério, que ofusca o brilho do vosso grande nome. Sede, como é razão que sejais, deputado do país. Não temos para vos dar senão um mandato de campanário.»
A resposta dos eleitores aos estadistas parece-me que deveria ser esta.
A eleição de campanário é o sintoma e o preâmbulo de uma reacção descentralizadora, é a condição impreterível da administração do país pelo país, e a administração do país pelo país é a realização material, palpável, efectiva da liberdade na sua plenitude, sem anarquia, sem revoluções, de que não vem quase nunca senão mal.
1871 - Eça de Queirós - Uma Campanha Alegre, de As Farpas, Volume I
ELEIÇÕES
Junho 1871.
Este mês, quando os cravos abriam, as Câmaras fecharam. Fecharam, isto é, foram expulsas!
Houve talvez umas certas fórmulas, fez-se decerto o programa do encerramento; mas a verdade é que elas foram precipitadas, aos empurrões, pelas escadarias de S. Bento abaixo.
A Câmara estava quieta, bem barbeada, comodamente sentada nas suas cadeiras, sem desconfiança, esperando com gravidade cívica que o Governo manifestasse a sua ideia por um projecto, um relatório, um dito, um grito, uma carranca!
O Governo entrou, e, com um gesto palaciano e galhardo, fez evacuar a sala!
E aí está como a grande ocupação do mês são as ELEIÇÕES.
É necessário que te expliquemos, leitor pacífico que não pertences aos centros, o organismo interior de uma eleição. É ao alegre fugir da pena, um curso de anatomia política.
Lê-o ao chá aos teus pequerruchos, a quem tua mulher prepara as fatias com manteiga. E o melhor ensino que lhe podes dar do abaixamento do seu tempo. Se eles adormecerem no meio mais pungente da declamação, não penses que foi a sonolência comunicativa das nossas palavras severas. E que em Portugal tudo faz sono – até a anarquia!
Quando uma Câmara se fecha, o Governo nomeia outra. Nomeia – porque uma Câmara não é eleita pelo povo, é nomeada pelo Governo. O deputado é um empregado de confiança. Somente a sua nomeação não é feita por um decreto nitidamente impresso no Diário do Governo: o processo dessa nomeação é mais complicado e moroso. É por meio de votos, os quais são tiras de papel, onde está escrito um nome, e que se deitam num domingo, numa igreja, dentro de umas caixas de pau, que se chamam roman-ticamente urnas. Uns homens graves, de camisas lavadas, estão em roda da urna. Estes homens chamam-se a mesa. São eles que, com gesto cívico e cheios do espírito das instituições, metem gravemente o papelinho branco (o voto!) na caixinha (a urna!).
A urna afecta várias formas, segundo as freguesias: Há urnas do feitio de caixas de açúcar, do feitio de vasilhas, do feitio de chávenas, etc.
Os candidatos gritam sempre, no último período dos seus manifestos, transportados de furor constitucional:
– Cidadãos, à urna!
É puramente uma denominação sentimental.
Para serem exactos deveriam exclamar, em certas freguesias:
– Cidadãos, ao caixote!
E noutras:
– Cidadãos, à vasilha!
Ora, apesar desta nomeação aparatosa e de grave cerimonial, o deputado é tão igualmente funcionário como se fosse nomeado por oito linhas triviais e burocráticas do Diário do Governo. O deputado obedece ao Governo, e exerce uma função. Há o apagador, o gritador, o interruptor, o homem dos incidentes, o homem dos precedentes, etc. E quando desagrada, é demitido. Somente não se diz demitido. Diz-se, com menos asseio, dissolvido.
O Governo pois nomeia os seus deputados. Estes homens são, naturalmente e logicamente, escolhidos entre os amigos dos ministros. Por dois motivos:
1º Porque a amizade supõe identidade de interesses, confiança inteira.
2º Porque sendo a posição de deputado ociosa e rendosa, é coerente que seja dada aos amigos íntimos – àqueles que vão ao enterro dos parentes e trazem o pequerrucho da casa às cabritas.
Os amigos dos ministros são, naturalmente, os primeiros escolhidos. Para completar o número de uma maioria útil, estes amigos, mais em contacto, indicam depois outros, seus parentes que procuram colocar, ou seus aderentes que querem utilizar.
– Tu não tens ninguém pelo círculo tal? – pergunta X ao ministro, seu íntimo.
– Não.
– Espera! tenho eu um primo. O pobre rapaz tem poucos meios, é pianista. Mas é fiel como um cão. Um escravo! Posso dizer ao rapaz que conte com a coisa?
– Podes dizer ao rapaz.
Lentamente a lista da maioria vai-se formando em Lisboa. Os pretendentes são numerosos. Os amigos íntimos agitam-se em volta do ministro, como um bando de pardais em torno de um saco de espigas. Um tem um primo que casou; outro sabe de um folhetinista com talento e língua fácil; outro quer um cunhado; outro deseja um homem a quem deve uns centos de mil-réis (mas dispensa a candidatura para esse ladrão, se o ministro fizer esse ladrão recebedor de comarca)... Depois os candidatos são mudados como figuras de um jogo de xadrez. A um, a quem se prometeu o círculo D, dá-se o governo civil de B – como indemnização. Tira-se a C a candidatura, porque se descobre que C tomou chá com o chefe da oposição. Mas dá-se a E, que foi quem denunciou C.
Às vezes é um influente pelo círculo X, que, em paga da sua influência, pede que seu genro venha pelo círculo Z, onde é proprietário.
– Mas o círculo Z está prometido a Fulano, que é um professor distinto, um publicista! Seu genro tem pelo menos algum curso?
– Meu genro não tem curso nenhum. Eu é que tenho influência. O jornal da localidade já provou que meu genro era um animal. Mas meu genro espancou a redacção.
E quem vem pelo círculo Z não é o professor distinto, mas o sujeito convencido de animal pelo periódico da localidade!
Há ainda os amigos do Governo, que residem na província. Esses escrevem ao ministro:
«Tenho aqui tudo preparado pelo círculo, e gasto um dinheirame. Por isso, querido amigo, espero que me mandes apoiar a eleição... Sabes que sou fiel como um cão, quando tu estás no poleiro.»
1879 - Eça de Queirós e o segredo das Democracias Constitucionais.
Redigido em 1879, O Conde d’Abranhos foi publicado postumamente, em 1925, acompanhado pelo conto de intenção patriótica A Catástrofe. Em O Conde d'Abranhos, a ironia de Eça de Queirós colocou na boca de um espécime dos políticos das oligarquias partidárias:
Quantas vezes me disse o Conde ser este o segredo das Democracias Constitucionais: «Eu, que sou governo, fraco mas hábil, dou aparentemente a Soberania ao povo, que é forte e simples. Mas, como a falta de educação o mantém na imbecilidade, e o adormecimento da consciência o amolece na indiferença, faço-o exercer essa soberania em meu proveito... E quanto ao seu proveito... adeus, ó compadre!
Ponho-lhe na mão uma espada; e ele, baboso, diz: eu sou a Força! Coloco-lhe no regaço uma bolsa, e ele, inchado, afirma: eu sou a Fazenda! Ponho-lhe diante do nariz um livro, e ele exclama, de papo: eu sou a Lei! Idiota! Não vê que por trás dele, sou eu, astuto manejador de títeres, quem move os cordéis que prendem a Espada, a Bolsa e o Livro!»
1891 - Diagnóstico de Oliveira Martins: as eleições individualistas são o sofisma da representação.
"Por toda a parte a vileza corrompe as instituições e a política. Por toda a parte os negócios do Estado estão inquinados da mesma lepra. Por toda a parte os políticos são a mesma cousa. Por toda a parte os brasseurs d'affaires compram as câmaras e a imprensa e as repartições. Por toda a parte quem quer que tenha o sentimento de dignidade própria se afasta, apertando o nariz, dessa podridão malcheirosa e tão repugnante nos que compram como nos que vendem, ou se vendem." E Oliveira Martins interrogava então, "E vem porventura isto de que os nossos tempos sejam intrinsecamente mais imorais do que outros? Não, por forma alguma, pois, ao contrário, nunca a moral pessoal foi mais levantada. Vem do equívoco universal em que as sociedades se agitam presas a fórmulas constitucionais transactas, agitadas vivamente por um espírito diverso. Jura-se ainda nos lábios pelos imortais princípios proclamados na revolução francesa, quando a verdade é que a agitação declarada do operariado reclama a constituição de fórmulas sociais que se não contêm nos famosos direitos do homem. Jura-se ainda pela soberania dos Estados, quando o instinto cosmopolita lavra nos costumes, pondo em cheque o patriotismo."
Oliveira Martins recusava explicitamente os princípios do constitucionalismo moderno, introduzidos em Portugal na sequência da Revolução de 1820 e, citando um conhecido publicista, não deixará de exclamar: "a liberdade era antiga, moderno é o absolutismo". Para Oliveira Martins, os males da sociedade portuguesa contemporânea "provinham, não só dos legados da História, como da influência deprimente e desorganizadora das teorias do naturalismo individualista, herdado da filosofia do séc. XVIII e popularizado pela Revolução Francesa".
Para Oliveira Martins era tempo de voltar a respeitar e garantir a representação das classes, das profissões, dos concelhos, etc.. As eleições, tal como vinham sendo praticadas, em que em vez de se representarem as classes, se representava apenas uma classe — a classe política distribuída pelos vários partidos ideológicos instituídos em nome do interesse geral — eram apenas "a máquina movida pelos ambiciosos, o realejo que toca a mesma ária aclamadora a todos os que lhe movem a manivela. Feitas a tiro, ou a cacete, ou a dinheiro, ou a empregos, as eleições liberais individualistas são o sofisma da representação; não por vicio dos homens, embora os homens sejam viciosos, mas por essência do errado princípio que as dirige. Só quando outra vez se compreender (e agora conscientemente) que a sociedade é um corpo vivo, e não um agregado de indivíduos: só então tornará a haver representação verdadeira e ordem na democracia". - 1891 - J. P. Oliveira Martins - Lei e costumes
1911 - Ramalho Ortigão, in Últimas Farpas
Entre monarquia constitucional parlamentar e republica parlamentar constitucional não distingo diferença, nem considero que ela sequer exista, a não ser historicamente, entre o principio da eleição e o da hereditariedade, tendo eu por tão precários os acasos do voto como os do nascimento. O que me repugna num e noutro dos dois regimens é a embusteira tirania do sufrágio em que ambos eles se baseiam, e a consequente interferência da néscia razão da urna na solução de problemas tão melindrosamente científicos, como o da governação dos homens.
O votismo e o parlamentarismo são, em Portugal pelo menos, os agentes mais perniciosamente destrutivos de toda a competência administrativa. Desde 1836 até hoje, toda a historia do liberalismo português subsequente à ditadura filosófica de Mouzinho da Silveira, o último dos nossos estadistas que teve ideias próprias e soube governar manejando-as, é a flagrante demonstração da nossa incapacidade governativa dentro de um regime absorventemente parlamentar. Dessa estagnação do pensamento nacional na esfera governativa nasceu a progressiva corrupção dos caracteres poluídos e dos costumes progressivamente rebaixados, dando em resultado final, à mingua de intercorrentes ditaduras da inteligência ou do asco, que de quando em quando sacudissem e purificassem a massa, a podridão profunda em que nos afundimos. Daí as estupendas flores de fermentação que em cada dia estamos vendo desabrochar num fulgor de gangrena à superfície do pântano. - Janeiro de 1911
Ramalho Ortigão, Últimas Farpas, Lisboa, ed. de 1916.
1914 - João do Amaral, Aqui d'El-Rei!, nº 1:
"A história do constitucionalismo monárquico e republicano resume-se nisto: a Nação posta a saque pelos bandos políticos. Acabemos, portanto, com os partidos! Mas os partidos são os dignos filhos do parlamentarismo. Acabemos, portanto, com o parlamentarismo — lei do número, que exclui a qualidade, base da organização. O parlamentarismo é a luta dos partidos, das rivalidades pessoais, a opressão das minorias, a irresponsabilidade, a incompetência, o capricho partidário sobrepondo-se aos interesses das classes."
1914 - António Sardinha, "Poder pessoal e poder absoluto", Julho de 1914 (Glossário dos Tempos, ed. 1942)
Citando Luz Soriano (Utopias desmascadaras do sistema liberal em Portugal [1858_-_luz_soriano_-_utopias_desmascaradas_do_sistema_liberal_em_portugal.pd]: "o parlamento, devendo ser o fiscal da bôlsa do povo, é o que pela sua parte está sempre pronto para sancionar todos os desvarios financeiros dos ministros, aditando-lhes até outros de novo. A natural conseqüência de tudo isto, prossegue em outra passagem, "é ser a nação vitima expiatória das espoliações, e vexames, que os diferentes partidos lhe têm querido fazer por motivos de interêsse, e capricho particular, ou seja dos ministros, ou dos deputados, sem ao menos lhe ser dado apelar para o poder da coroa, como nos antigos tempos"
1915 - António Sardinha, O Valor da Raça:
“Os regimes eletivos, — ou consulares, como em Roma, ou mesmo vitalícios, como na Polónia, geram inevitavelmente a monopolização do poder nas mãos duma oligarquia que promove a instabilidade nas direções do Estado e conduz a uma regência perpétua de clientelas, derrubando-se umas às outras, na tarefa insana das Danaides da fábula."
(...)
Foi a Revolução (1789) que gerou a moderna questão operária por abolir as corporações de artes e ofícios [1791-06-17 - Lei Le Chapelier], em que o artífice se resguardava dos caprichos ferozes da Concorrência. O liberalismo tornou-o simplesmente um «cidadão.» Por via da mentira declamatória do voto, derrancou-lhe as antigas molduras de defesa, insuflando-lhe o gosto desorganizador da paixão partidária. As consequencias viram-se no desaforo crescente do feudalismo industrial. Não podem os regimes, apoiados na urna, realizar a apetecida equação social. Enfraquecidos pela sua fisiologia inferior, estão sempre nas mãos das grandes oligarquias financeiras e políticas.
1922 - António Sardinha, "A Ordem-Nova" in Nação Portuguesa, 2ª série , nº 1, Julho de 1922
(...) o pensador e o sociólogo necessariamente verificarão no excessivo estadismo da experiência russa o fundo centralista e absorvente do Estado moderno, saído da Revolução Francesa e que, tão bem autopsiado por Taine, recebeu de Napoleão a expressão jurídica definitiva. A diferença consiste apenas em que essa noção de Estado computava até agora o indivíduo unicamente como “homem politico” – como “cidadão”, ao passo que a ditadura de Lenine o classifica apenas como “homem económico”, como simples “productor”.
Mas a compreensão exacta de quanto se desenrola na Russia não nos é possível, se não considerarmos o parentesco legítimo que liga o tipo de Estado, aproveitado por Lenine, ao tipo de Estado que Napoleão nos legou. A crise em que a Europa se debate é, sobretudo, onde se filia. Nascidas de uma concepção meramente doutrinaria da sociedade, com o crescente altear dos problemas contemporâneos, tão complexos e tão agudos nas suas múltiplas manifestações, as instituições políticas do nosso continente, não possuindo raízes na história, dificilmente acompanhariam as exigências cada vez mais clamorosas da realidade. Recolhem-se por fim os fructos da sementeira louca do 89! E na destruição dos organismos tradicionais, ou seja daqueles corpos que entre os indivíduos e o Estado tornavam outrora fácil e resistente a vida social, não era impossível prever que, victimas das oligarquias financeiras e parlamentaristas, os povos, arrastados pelo desenvolvimento dominador do industrialismo e do capitalismo, aos abusos execráveis da plutocracia, acordariam em peso para mais uma utopia – a utopia da ditadura do proletariado, em que afinal, acabarão por se sentir escravizados como nunca, - se tão grande desgraça houver de desabar por sobre o ocidente europeu! (p. 6-7)
1924 - António Sardinha, Ao Princípio era o Verbo, Lisboa, 1924.
A natureza oligárquica das democracias modernas ainda não há muito que a demonstrou uma pena insuspeita. Refiro-me ao professor Robert Michels [1876-1936], da Universidade de Turim, no seu conhecido livro, traduzido para francês,- Les partis politiques. Também assim o entende Georges Sorel [1847-1922], o notável teórico do sindicalismo francês, ao caracterizar a democracia como um governo de classe contra as outras classes. Dos ensinamentos de Georges Sorel deriva uma das correntes mais curiosas e mais positivas do pensamento contemporâneo. Estabelecida a incapacidade orgânica dos sistemas democráticos para resolver a questão social pela sua condição simultaneamente plutocrática e parlamentarista, ao proletariado só resta a Revolução ou o Rei.
(p. 131)
Descendo da teoria aos factos, reconhecemos que nas críticas de Georges Sorel à democracia ressurgem as considerações que motivaram no campo da historia a atitude de Fustel de Coulanges. O predomínio dissolvente dos partidos sobre as legítimas aspirações da colectividade equivale às antigas querelas da Nobreza e do Clero contra a supremacia neutralizadora da Coroa . Há uma diferença, no entanto, que é de justiça destacar. Nunca, a não ser em raras circunstâncias, as discórdias das classes privilegiadas atentaram contra a própria constituição do Estado. Orgãos robustos do mesmo, queriam expandir-se em detrimento da boa harmonia do grupo. Porque a Realeza intervinha, exercendo o oficio de coordenadora, as dissensões afloravam, rápidas, assumindo por vezes um carácter extremo de violência. Todavia, se as pátrias ocidentais existem ao Clero e à Nobreza pertence um alto e extraordinário quinhão na epopeia admirável da sua independência e do seu desenvolvimento.
Não sucede outro tanto com os partidos políticos, - consequência da liberdade metafísica dos utopistas do 89. Não chegam a ser orgãos do Estado, pois que não passam de elementos parasitários, mantendo-se à custa da corrupção e do favoritismo. O poder, quando o alcançam, sequestram-no em seu beneficio exclusivo, como se fosse coisa conquistada.
(p. 133)
1936 - Francisco Rolão Preto, Justiça!:
A corrupção e o domínio das oligarquias financeiras tem origem no predomínio do Legislativo (a corrupção é sistémica ou estrutural):
...do predomínio do Legislativo e da possibilidade da sua intervenção em todas as esferas da acção governativa, nasceu o interesse e a possibilidade das oligarquias financeiras se imiscuirem no jogo da representação nacional, servindo-se dele para fins particulares.
A corrupção notória dos meios parlamentares não tem outra origem, nem outra é também a razão fundamental da desorientação em que esses meios se movem.
Tal corrupção e tal desequilíbrio político levaram os povos a aceitar as ditaduras, mesmo as mais pesadas.
A situação política da Europa oscila, assim, com algumas excepções honrosas, entre estes dois polos: ditadura da desordem e ditadura da polícia.
Nenhuma dessas tiranias, a Revolução aceita e por isso ela se propõe criar um Estado em que o Legislativo surja liberto das oligarquias, em que o Executivo se não confunda com o Legislativo e em que o Poder deixe de ser possível monopólio de qualquer grupo. (p. 93).
O propósito anti-oligárquico dos integralistas baseia-se numa interpretação da história política portuguesa que importa elucidar para se compreender o alcance do seu projecto de restauração de Portugal.
Na perspectiva dos integralistas, a formação e consolidação da nação portuguesa resultou de uma aliança entre os municípios e o rei, confirmada na vitória dos portugueses na revolução de 1383-85 e na eleição da dinastia de Avis. Em 1580, perante a ameaça militar espanhola, aceitou-se um rei estrangeiro, mas impondo-lhe nas Cortes de Tomar uma espécie de monarquia dualista, como a Austria-Hungria, preservando a autonomia do governo de Portugal. A administração ruinosa dos Filipes e por fim a tentativa de transformar Portugal numa província de Espanha, provocou a revolta, sendo a independência plenamente recuperada em 1640, ao eleger-se em Cortes a dinastia de Bragança. Em 1698, as Cortes ainda reuniram para confirmar a nomeação do Infante D. João (futuro D. João V) como sucessor de D. Pedro II de Portugal mas, seguindo a tendência da Europa continental, ao longo do século XVIII os reis foram-se tornando "absolutos", isto é, independentes, governando sem consultar as Cortes. No reinado de D. José I, o absolutismo régio culminou no governo despótico do marquês de Pombal que, a par da “filosofia das luzes”, promoveu a teoria protestante do "direito divino dos Reis", acabando por expulsar os jesuítas, defensores das doutrinas do pacto de sujeição dos Reis ao serviço das repúblicas. Surgiu então entre nós a "história sectária" (expressão de António Sardinha) e tornaram-se letra morta as autonomias municipais bem como as suas prerrogativas políticas.
Na sequência das convulsões europeias de finais do século XVIII e inícios do século XIX - Revolução Francesa de 1789, Imperialismo de Napoleão e Invasões Francesas de Portugal - houve um curto período de esperança regeneradora que, partindo da lei de 4 de Junho de 1824, de D. João VI, propondo-se "ir por caminhos já conhecidos, e trilhados", vem a desembocar na aclamação do rei D. Miguel I, retomando-se a antiga aliança entre o rei e os municípios representados em Cortes. Uma sangrenta Guerra Civil, desencadeada por estrangeiros e com apoio financeiro e militar de estrangeiros, veio porém a culminar com a derrota e rendição das forças portuguesas em Évora Monte (1834) - "o epílogo prematuro e funesto" da nacionalidade. Os estrangeiros do interior - a "anti-Nação" - não mais deixaram de controlar o Estado, negando doravante ao povo uma representação através das suas instituições mais antigas e livres - os municípios. As formas oligárquicas de poder, em especial o parlamentarismo da partidocracia, passou a ser o método mais proveitoso e eficaz no domínio e controlo do Estado.
Embora o domínio das oligarquias tenha sido realizado em diversas modalidades, sob regimes com várias designações - monarquia constitucional, república parlamentar, estado novo, democracia - em todos eles se negou ao povo uma representação através dos seus municípios, mantendo-se o poder sempre nas mãos de uns poucos, de preferência organizados em partidos políticos ideológicos, verdadeiras agências de negócios e de empregos. É esse o aspecto essencial de um regime oligárquico - “o poder nas mãos de poucos”.
O propósito anti-oligárquico dos integralistas inscreve-se assim no seu projecto de restauração de Portugal, mas a crítica e a rejeição do parlamentarismo como instrumento de centralização oligárquica, não começou com os jovens do Integralismo Lusitano. Antes deles, Alexandre Herculano, Almeida Garrett, Antero de Quental, Eça de Queirós, Oliveira Martins, entre outros, deixaram-nos eloquentes páginas anti-parlamentares. Aqui se reunem documentos ilustrando essa que é afinal uma longa história de resistência anti-oligárquica.
25 de Maio de 2024, J.M.Q
Oligarquia / Corrupção / Parlamentarismo / Eleições Partidistas /Partidos Político-Ideológicos
1858 - Alexandre Herculano, Carta aos Eleitores do Círculo Eleitoral de Sintra
Indubitavelmente este país transborda de homens grandes, de profundos estadistas. Aqui o estadista nasce, como nasce o poeta; precede a escolha: dispensa-a, até. Sou o primeiro a confessá-lo. E a paixão dos homens grandes, dos profundos estadistas, é a salvação da pátria: é a sua vocação, o seu destino, a sua suprema felicidade. Esses varões ilustres pertencem, porém, ao país: é do país que devem ser deputados. Entendem-no eles assim, e parece-me que entendem bem. Em tal caso, eleja-os o país. Quando algum vos mendigar de porta em porta, e com o chapéu na mão, os vossos votos, respondei-lhe, como os eleitores dos diversos círculos do reino lhe responderiam, se o são juízo fosse uma coisa desmesuradamente vulgar:
«Somos uma pobre gente, que apenas conhecemos as nossas necessidades, e queremos por mandatário quem também as conheça e que nelas tenha parte; quem seja verdadeiro intérprete dos nossos desejos, das nossas esperanças, dos nossos agravos. Se os deputados dos outros círculos procederem de uma escolha análoga, entendemos que as opiniões triunfantes no parlamento representarão a satisfação dos desejos, o complemento das esperanças, a reparação dos agravos da verdadeira maioria nacional sem que isto obste a que se atenda aos interesses da minoria, que aí se acharão representados e defendidos como se representa e defende uma causa própria. Na vulgaridade da nossa inteligência, custa-nos a abandonar as superstições de nossos pais: cremos ainda na aritmética, e que o país não é senão a soma das localidades. Homem do absoluto, das vastas concepções, se a vossa abnegação chega ao ponto de solicitar a deputação do campanário, fazei que vos elejam aqueles que vos conhecem de perto, que podem apreciar as vossas virtudes, o vosso carácter. Certamente vós habitais nalguma parte. Se não quereis abater-vos tanto, arredai-vos da sombra do nosso presbitério, que ofusca o brilho do vosso grande nome. Sede, como é razão que sejais, deputado do país. Não temos para vos dar senão um mandato de campanário.»
A resposta dos eleitores aos estadistas parece-me que deveria ser esta.
A eleição de campanário é o sintoma e o preâmbulo de uma reacção descentralizadora, é a condição impreterível da administração do país pelo país, e a administração do país pelo país é a realização material, palpável, efectiva da liberdade na sua plenitude, sem anarquia, sem revoluções, de que não vem quase nunca senão mal.
1871 - Eça de Queirós - Uma Campanha Alegre, de As Farpas, Volume I
ELEIÇÕES
Junho 1871.
Este mês, quando os cravos abriam, as Câmaras fecharam. Fecharam, isto é, foram expulsas!
Houve talvez umas certas fórmulas, fez-se decerto o programa do encerramento; mas a verdade é que elas foram precipitadas, aos empurrões, pelas escadarias de S. Bento abaixo.
A Câmara estava quieta, bem barbeada, comodamente sentada nas suas cadeiras, sem desconfiança, esperando com gravidade cívica que o Governo manifestasse a sua ideia por um projecto, um relatório, um dito, um grito, uma carranca!
O Governo entrou, e, com um gesto palaciano e galhardo, fez evacuar a sala!
E aí está como a grande ocupação do mês são as ELEIÇÕES.
É necessário que te expliquemos, leitor pacífico que não pertences aos centros, o organismo interior de uma eleição. É ao alegre fugir da pena, um curso de anatomia política.
Lê-o ao chá aos teus pequerruchos, a quem tua mulher prepara as fatias com manteiga. E o melhor ensino que lhe podes dar do abaixamento do seu tempo. Se eles adormecerem no meio mais pungente da declamação, não penses que foi a sonolência comunicativa das nossas palavras severas. E que em Portugal tudo faz sono – até a anarquia!
Quando uma Câmara se fecha, o Governo nomeia outra. Nomeia – porque uma Câmara não é eleita pelo povo, é nomeada pelo Governo. O deputado é um empregado de confiança. Somente a sua nomeação não é feita por um decreto nitidamente impresso no Diário do Governo: o processo dessa nomeação é mais complicado e moroso. É por meio de votos, os quais são tiras de papel, onde está escrito um nome, e que se deitam num domingo, numa igreja, dentro de umas caixas de pau, que se chamam roman-ticamente urnas. Uns homens graves, de camisas lavadas, estão em roda da urna. Estes homens chamam-se a mesa. São eles que, com gesto cívico e cheios do espírito das instituições, metem gravemente o papelinho branco (o voto!) na caixinha (a urna!).
A urna afecta várias formas, segundo as freguesias: Há urnas do feitio de caixas de açúcar, do feitio de vasilhas, do feitio de chávenas, etc.
Os candidatos gritam sempre, no último período dos seus manifestos, transportados de furor constitucional:
– Cidadãos, à urna!
É puramente uma denominação sentimental.
Para serem exactos deveriam exclamar, em certas freguesias:
– Cidadãos, ao caixote!
E noutras:
– Cidadãos, à vasilha!
Ora, apesar desta nomeação aparatosa e de grave cerimonial, o deputado é tão igualmente funcionário como se fosse nomeado por oito linhas triviais e burocráticas do Diário do Governo. O deputado obedece ao Governo, e exerce uma função. Há o apagador, o gritador, o interruptor, o homem dos incidentes, o homem dos precedentes, etc. E quando desagrada, é demitido. Somente não se diz demitido. Diz-se, com menos asseio, dissolvido.
O Governo pois nomeia os seus deputados. Estes homens são, naturalmente e logicamente, escolhidos entre os amigos dos ministros. Por dois motivos:
1º Porque a amizade supõe identidade de interesses, confiança inteira.
2º Porque sendo a posição de deputado ociosa e rendosa, é coerente que seja dada aos amigos íntimos – àqueles que vão ao enterro dos parentes e trazem o pequerrucho da casa às cabritas.
Os amigos dos ministros são, naturalmente, os primeiros escolhidos. Para completar o número de uma maioria útil, estes amigos, mais em contacto, indicam depois outros, seus parentes que procuram colocar, ou seus aderentes que querem utilizar.
– Tu não tens ninguém pelo círculo tal? – pergunta X ao ministro, seu íntimo.
– Não.
– Espera! tenho eu um primo. O pobre rapaz tem poucos meios, é pianista. Mas é fiel como um cão. Um escravo! Posso dizer ao rapaz que conte com a coisa?
– Podes dizer ao rapaz.
Lentamente a lista da maioria vai-se formando em Lisboa. Os pretendentes são numerosos. Os amigos íntimos agitam-se em volta do ministro, como um bando de pardais em torno de um saco de espigas. Um tem um primo que casou; outro sabe de um folhetinista com talento e língua fácil; outro quer um cunhado; outro deseja um homem a quem deve uns centos de mil-réis (mas dispensa a candidatura para esse ladrão, se o ministro fizer esse ladrão recebedor de comarca)... Depois os candidatos são mudados como figuras de um jogo de xadrez. A um, a quem se prometeu o círculo D, dá-se o governo civil de B – como indemnização. Tira-se a C a candidatura, porque se descobre que C tomou chá com o chefe da oposição. Mas dá-se a E, que foi quem denunciou C.
Às vezes é um influente pelo círculo X, que, em paga da sua influência, pede que seu genro venha pelo círculo Z, onde é proprietário.
– Mas o círculo Z está prometido a Fulano, que é um professor distinto, um publicista! Seu genro tem pelo menos algum curso?
– Meu genro não tem curso nenhum. Eu é que tenho influência. O jornal da localidade já provou que meu genro era um animal. Mas meu genro espancou a redacção.
E quem vem pelo círculo Z não é o professor distinto, mas o sujeito convencido de animal pelo periódico da localidade!
Há ainda os amigos do Governo, que residem na província. Esses escrevem ao ministro:
«Tenho aqui tudo preparado pelo círculo, e gasto um dinheirame. Por isso, querido amigo, espero que me mandes apoiar a eleição... Sabes que sou fiel como um cão, quando tu estás no poleiro.»
1879 - Eça de Queirós e o segredo das Democracias Constitucionais.
Redigido em 1879, O Conde d’Abranhos foi publicado postumamente, em 1925, acompanhado pelo conto de intenção patriótica A Catástrofe. Em O Conde d'Abranhos, a ironia de Eça de Queirós colocou na boca de um espécime dos políticos das oligarquias partidárias:
Quantas vezes me disse o Conde ser este o segredo das Democracias Constitucionais: «Eu, que sou governo, fraco mas hábil, dou aparentemente a Soberania ao povo, que é forte e simples. Mas, como a falta de educação o mantém na imbecilidade, e o adormecimento da consciência o amolece na indiferença, faço-o exercer essa soberania em meu proveito... E quanto ao seu proveito... adeus, ó compadre!
Ponho-lhe na mão uma espada; e ele, baboso, diz: eu sou a Força! Coloco-lhe no regaço uma bolsa, e ele, inchado, afirma: eu sou a Fazenda! Ponho-lhe diante do nariz um livro, e ele exclama, de papo: eu sou a Lei! Idiota! Não vê que por trás dele, sou eu, astuto manejador de títeres, quem move os cordéis que prendem a Espada, a Bolsa e o Livro!»
1891 - Diagnóstico de Oliveira Martins: as eleições individualistas são o sofisma da representação.
"Por toda a parte a vileza corrompe as instituições e a política. Por toda a parte os negócios do Estado estão inquinados da mesma lepra. Por toda a parte os políticos são a mesma cousa. Por toda a parte os brasseurs d'affaires compram as câmaras e a imprensa e as repartições. Por toda a parte quem quer que tenha o sentimento de dignidade própria se afasta, apertando o nariz, dessa podridão malcheirosa e tão repugnante nos que compram como nos que vendem, ou se vendem." E Oliveira Martins interrogava então, "E vem porventura isto de que os nossos tempos sejam intrinsecamente mais imorais do que outros? Não, por forma alguma, pois, ao contrário, nunca a moral pessoal foi mais levantada. Vem do equívoco universal em que as sociedades se agitam presas a fórmulas constitucionais transactas, agitadas vivamente por um espírito diverso. Jura-se ainda nos lábios pelos imortais princípios proclamados na revolução francesa, quando a verdade é que a agitação declarada do operariado reclama a constituição de fórmulas sociais que se não contêm nos famosos direitos do homem. Jura-se ainda pela soberania dos Estados, quando o instinto cosmopolita lavra nos costumes, pondo em cheque o patriotismo."
Oliveira Martins recusava explicitamente os princípios do constitucionalismo moderno, introduzidos em Portugal na sequência da Revolução de 1820 e, citando um conhecido publicista, não deixará de exclamar: "a liberdade era antiga, moderno é o absolutismo". Para Oliveira Martins, os males da sociedade portuguesa contemporânea "provinham, não só dos legados da História, como da influência deprimente e desorganizadora das teorias do naturalismo individualista, herdado da filosofia do séc. XVIII e popularizado pela Revolução Francesa".
Para Oliveira Martins era tempo de voltar a respeitar e garantir a representação das classes, das profissões, dos concelhos, etc.. As eleições, tal como vinham sendo praticadas, em que em vez de se representarem as classes, se representava apenas uma classe — a classe política distribuída pelos vários partidos ideológicos instituídos em nome do interesse geral — eram apenas "a máquina movida pelos ambiciosos, o realejo que toca a mesma ária aclamadora a todos os que lhe movem a manivela. Feitas a tiro, ou a cacete, ou a dinheiro, ou a empregos, as eleições liberais individualistas são o sofisma da representação; não por vicio dos homens, embora os homens sejam viciosos, mas por essência do errado princípio que as dirige. Só quando outra vez se compreender (e agora conscientemente) que a sociedade é um corpo vivo, e não um agregado de indivíduos: só então tornará a haver representação verdadeira e ordem na democracia". - 1891 - J. P. Oliveira Martins - Lei e costumes
1911 - Ramalho Ortigão, in Últimas Farpas
Entre monarquia constitucional parlamentar e republica parlamentar constitucional não distingo diferença, nem considero que ela sequer exista, a não ser historicamente, entre o principio da eleição e o da hereditariedade, tendo eu por tão precários os acasos do voto como os do nascimento. O que me repugna num e noutro dos dois regimens é a embusteira tirania do sufrágio em que ambos eles se baseiam, e a consequente interferência da néscia razão da urna na solução de problemas tão melindrosamente científicos, como o da governação dos homens.
O votismo e o parlamentarismo são, em Portugal pelo menos, os agentes mais perniciosamente destrutivos de toda a competência administrativa. Desde 1836 até hoje, toda a historia do liberalismo português subsequente à ditadura filosófica de Mouzinho da Silveira, o último dos nossos estadistas que teve ideias próprias e soube governar manejando-as, é a flagrante demonstração da nossa incapacidade governativa dentro de um regime absorventemente parlamentar. Dessa estagnação do pensamento nacional na esfera governativa nasceu a progressiva corrupção dos caracteres poluídos e dos costumes progressivamente rebaixados, dando em resultado final, à mingua de intercorrentes ditaduras da inteligência ou do asco, que de quando em quando sacudissem e purificassem a massa, a podridão profunda em que nos afundimos. Daí as estupendas flores de fermentação que em cada dia estamos vendo desabrochar num fulgor de gangrena à superfície do pântano. - Janeiro de 1911
Ramalho Ortigão, Últimas Farpas, Lisboa, ed. de 1916.
1914 - João do Amaral, Aqui d'El-Rei!, nº 1:
"A história do constitucionalismo monárquico e republicano resume-se nisto: a Nação posta a saque pelos bandos políticos. Acabemos, portanto, com os partidos! Mas os partidos são os dignos filhos do parlamentarismo. Acabemos, portanto, com o parlamentarismo — lei do número, que exclui a qualidade, base da organização. O parlamentarismo é a luta dos partidos, das rivalidades pessoais, a opressão das minorias, a irresponsabilidade, a incompetência, o capricho partidário sobrepondo-se aos interesses das classes."
1914 - António Sardinha, "Poder pessoal e poder absoluto", Julho de 1914 (Glossário dos Tempos, ed. 1942)
Citando Luz Soriano (Utopias desmascadaras do sistema liberal em Portugal [1858_-_luz_soriano_-_utopias_desmascaradas_do_sistema_liberal_em_portugal.pd]: "o parlamento, devendo ser o fiscal da bôlsa do povo, é o que pela sua parte está sempre pronto para sancionar todos os desvarios financeiros dos ministros, aditando-lhes até outros de novo. A natural conseqüência de tudo isto, prossegue em outra passagem, "é ser a nação vitima expiatória das espoliações, e vexames, que os diferentes partidos lhe têm querido fazer por motivos de interêsse, e capricho particular, ou seja dos ministros, ou dos deputados, sem ao menos lhe ser dado apelar para o poder da coroa, como nos antigos tempos"
1915 - António Sardinha, O Valor da Raça:
“Os regimes eletivos, — ou consulares, como em Roma, ou mesmo vitalícios, como na Polónia, geram inevitavelmente a monopolização do poder nas mãos duma oligarquia que promove a instabilidade nas direções do Estado e conduz a uma regência perpétua de clientelas, derrubando-se umas às outras, na tarefa insana das Danaides da fábula."
(...)
Foi a Revolução (1789) que gerou a moderna questão operária por abolir as corporações de artes e ofícios [1791-06-17 - Lei Le Chapelier], em que o artífice se resguardava dos caprichos ferozes da Concorrência. O liberalismo tornou-o simplesmente um «cidadão.» Por via da mentira declamatória do voto, derrancou-lhe as antigas molduras de defesa, insuflando-lhe o gosto desorganizador da paixão partidária. As consequencias viram-se no desaforo crescente do feudalismo industrial. Não podem os regimes, apoiados na urna, realizar a apetecida equação social. Enfraquecidos pela sua fisiologia inferior, estão sempre nas mãos das grandes oligarquias financeiras e políticas.
1922 - António Sardinha, "A Ordem-Nova" in Nação Portuguesa, 2ª série , nº 1, Julho de 1922
(...) o pensador e o sociólogo necessariamente verificarão no excessivo estadismo da experiência russa o fundo centralista e absorvente do Estado moderno, saído da Revolução Francesa e que, tão bem autopsiado por Taine, recebeu de Napoleão a expressão jurídica definitiva. A diferença consiste apenas em que essa noção de Estado computava até agora o indivíduo unicamente como “homem politico” – como “cidadão”, ao passo que a ditadura de Lenine o classifica apenas como “homem económico”, como simples “productor”.
Mas a compreensão exacta de quanto se desenrola na Russia não nos é possível, se não considerarmos o parentesco legítimo que liga o tipo de Estado, aproveitado por Lenine, ao tipo de Estado que Napoleão nos legou. A crise em que a Europa se debate é, sobretudo, onde se filia. Nascidas de uma concepção meramente doutrinaria da sociedade, com o crescente altear dos problemas contemporâneos, tão complexos e tão agudos nas suas múltiplas manifestações, as instituições políticas do nosso continente, não possuindo raízes na história, dificilmente acompanhariam as exigências cada vez mais clamorosas da realidade. Recolhem-se por fim os fructos da sementeira louca do 89! E na destruição dos organismos tradicionais, ou seja daqueles corpos que entre os indivíduos e o Estado tornavam outrora fácil e resistente a vida social, não era impossível prever que, victimas das oligarquias financeiras e parlamentaristas, os povos, arrastados pelo desenvolvimento dominador do industrialismo e do capitalismo, aos abusos execráveis da plutocracia, acordariam em peso para mais uma utopia – a utopia da ditadura do proletariado, em que afinal, acabarão por se sentir escravizados como nunca, - se tão grande desgraça houver de desabar por sobre o ocidente europeu! (p. 6-7)
1924 - António Sardinha, Ao Princípio era o Verbo, Lisboa, 1924.
A natureza oligárquica das democracias modernas ainda não há muito que a demonstrou uma pena insuspeita. Refiro-me ao professor Robert Michels [1876-1936], da Universidade de Turim, no seu conhecido livro, traduzido para francês,- Les partis politiques. Também assim o entende Georges Sorel [1847-1922], o notável teórico do sindicalismo francês, ao caracterizar a democracia como um governo de classe contra as outras classes. Dos ensinamentos de Georges Sorel deriva uma das correntes mais curiosas e mais positivas do pensamento contemporâneo. Estabelecida a incapacidade orgânica dos sistemas democráticos para resolver a questão social pela sua condição simultaneamente plutocrática e parlamentarista, ao proletariado só resta a Revolução ou o Rei.
(p. 131)
Descendo da teoria aos factos, reconhecemos que nas críticas de Georges Sorel à democracia ressurgem as considerações que motivaram no campo da historia a atitude de Fustel de Coulanges. O predomínio dissolvente dos partidos sobre as legítimas aspirações da colectividade equivale às antigas querelas da Nobreza e do Clero contra a supremacia neutralizadora da Coroa . Há uma diferença, no entanto, que é de justiça destacar. Nunca, a não ser em raras circunstâncias, as discórdias das classes privilegiadas atentaram contra a própria constituição do Estado. Orgãos robustos do mesmo, queriam expandir-se em detrimento da boa harmonia do grupo. Porque a Realeza intervinha, exercendo o oficio de coordenadora, as dissensões afloravam, rápidas, assumindo por vezes um carácter extremo de violência. Todavia, se as pátrias ocidentais existem ao Clero e à Nobreza pertence um alto e extraordinário quinhão na epopeia admirável da sua independência e do seu desenvolvimento.
Não sucede outro tanto com os partidos políticos, - consequência da liberdade metafísica dos utopistas do 89. Não chegam a ser orgãos do Estado, pois que não passam de elementos parasitários, mantendo-se à custa da corrupção e do favoritismo. O poder, quando o alcançam, sequestram-no em seu beneficio exclusivo, como se fosse coisa conquistada.
(p. 133)
1936 - Francisco Rolão Preto, Justiça!:
A corrupção e o domínio das oligarquias financeiras tem origem no predomínio do Legislativo (a corrupção é sistémica ou estrutural):
...do predomínio do Legislativo e da possibilidade da sua intervenção em todas as esferas da acção governativa, nasceu o interesse e a possibilidade das oligarquias financeiras se imiscuirem no jogo da representação nacional, servindo-se dele para fins particulares.
A corrupção notória dos meios parlamentares não tem outra origem, nem outra é também a razão fundamental da desorientação em que esses meios se movem.
Tal corrupção e tal desequilíbrio político levaram os povos a aceitar as ditaduras, mesmo as mais pesadas.
A situação política da Europa oscila, assim, com algumas excepções honrosas, entre estes dois polos: ditadura da desordem e ditadura da polícia.
Nenhuma dessas tiranias, a Revolução aceita e por isso ela se propõe criar um Estado em que o Legislativo surja liberto das oligarquias, em que o Executivo se não confunda com o Legislativo e em que o Poder deixe de ser possível monopólio de qualquer grupo. (p. 93).