Palavras Serenas
José Pequito Rebelo
ref.s:
Devemos começar por dizer que em todo o Relatório procuramos observar a mais estreita e escrupulosa fidelidade. O giro da conversa, com suas repetições e interrupções não podia ser completamente guardado, sem que este documento se tornasse confuso e quase incompreensível. Por isso entendemos agrupar e ordenar para maior clareza, mas respeitando sempre o seu verdadeiro sentido, as várias questões versadas nas conferencias de Eastbourne e Twickenham. Devemos também notar que logo imediatamente após cada conferência, reduzimos a escrito as nossas impressões, as quais desta maneira conservaram a fidelidade de uma quase imediata reprodução, auxiliada pela intensidade terrível com que elas tinham ferido a nossa atenção ansiosa e decepcionada. Depois de reduzidas a escrito essas relações, foi nossa impressão espontânea que elas não deixavam de maneira alguma colocado El-Rei pior do que ele nos aparecera nas duas entrevistas. A primeira conferencia deu-nos logo as tristes certezas que a segunda não fez mais do que confirmar.
***
El-Rei não tinha do nosso esforço e da nossa doutrina o mais rudimentar conhecimento. El-Rei não teve para a nossa atitude política nos movimentos do Norte e de Monsanto, uma só palavra de aplauso, antes implicitamente a condenou.
O espirito de El-Rei está preso por todos os preconceitos liberalistas de uma educação errada e não notámos que Sua Majestade tivesse empregado os meios de libertar a sua inteligência das teias que assim lhe impossibilitam a visão clara das coisas portuguesas. E ao mesmo tempo que Sua Majestade revela um grande desconhecimento, não só da filosofia política geral, mas até da política do país, patenteia um minucioso e cuidadoso conhecimento dos menores detalhes da Carta Constitucional.
***
S. M. respondeu-nos com uma geral negativa quanto a efectivar a sua acção como chefe da Causa Monárquica. É certo que El-Rei mostrava para sua negativa vários pretextos, mas todos sempre tão vagos e até contraditórios, e ainda também tão incompreensíveis alguns, que a nossa convicção resultou que o estado de espírito de El-Rei mostra uma repugnância invencível para a acção.
Desde a primeira conferência nos ficou a convicção de que El-Rei não tem as qualidades do chefe necessário, nem mesmo sente essa vocação, nem ao menos parece disposto a prestar o seu nome a bons colaboradores que trabalhem por ele.
E que El-Rei não pode exercer as funções do chefe necessário, demonstra-se sobretudo pela sua atitude e seus firmíssimos princípios com respeito à Contra-Revolução. S. M. é absoluta e pertinazmente contrário à única maneira possível de restaurar a Monarquia em Portugal.
Como a Republica se não entrega espontaneamente, e como a nossa honra repele a hipótese da restauração da Monarquia por meio da intervenção estrangeira, só nos resta como meio de fazer a Monarquia um acto da nossa própria força, uma revolução da Nação contra a tirania republicana. Sua Majestade é absolutamente contrário a esse meio de acção, porque nem permite mesmo que se comece desde já a sua preparação, com vista a realizá-la em momento oportuno.
Portanto, neste particular, as direcções políticas de Sua Majestade só nos conduzem à consolidação da Republica, a não ser que desacatemos secretamente essas direcções, o que é impróprio do nosso critério de lealdade.
Livrarmo-nos, pois, publica e completamente das direcções de El-Rei, por duro que isto seja aos nossos corações, é ganhar alguma coisa de positivo a favor da Monarquia.
***
Um outro critério nos pareceu fundamental na atitude de El-Rei, critério que marca uma divergência total com o nosso modo de ser.
Para El-rei o estado de Pátria em perigo é razão que desaconselha a restauração: não deve fazer-se a Monarquia, enquanto Portugal estiver rodeado das terríveis ameaças que o cercam atualmente.
Donde se concluiria por rigorosa lógica que a Monarquia só poderia vir a restaurar-se, depois da ruína definitiva da Pátria ou depois que a Republica a tivesse salvado.
Este modo de vêr implica a negação de todo o valor das instituições monárquicas e tiraria a cada um o direito de combater a Republica à face do patriotismo. Este princípio repugna às mais basilares doutrinas do Integralismo, que consiste essencialmente num vibrante movimento da consciência e da vontade da nação acudindo à Pátria em perigo, para salvá-la. com as instituições da monarquia redentora.
***
Um outro obstáculo, a nosso ver irremovível, que nos afasta de El-Rei, é a lamentável convicção sua de que a não proclamação da Carta Constitucional na futura restauração que ele dirigisse seria para ele um perjúrio. A questão posta nestes termos implica para nós a consequência necessária de que sob a direcção de El-Rei só pode fazer-se a restauração do ominoso regime constitucional, que é a negação completa dos nossos princípios e a certa ruína da Pátria.
Posta a questão como foi naquele terreno de consciência moral, devemos perder a esperança de convencer um dia El-Rei a proceder diferentemente, porque isso seria convencê-lo a ser perjuro.
Quanto a auxiliar a proclamação de uma monarquia constitucional que depois facilitasse o advento do regime que defendemos, é um plano absurdo. Se se proclamasse uma monarquia constitucional, seria eleito pelo sufrágio um Parlamento, que nunca votaria a sua própria destruição, isto é, o Integralismo. Imediatamente se constituiriam as clientelas, os partidos, os pessoalismos, tomando conta e nunca mais largando mão do Estado. Impôr-se-ia desta forma uma Revolução, muito menos fácil de realizar do que com a forma republicana.
A ignorância em que Sua Majestade tinha o Integralismo, a repugnância muito espontânea e característica, que manifestou pelos seus princípios, são factos de que ainda poderíamos abstrair, embora, de tão evidente gravidade; o que devemos, porém, julgar circunstância impeditiva da nossa obediência à disciplina real é o facto de El-Rei se considerar ligado por juramento a um regime político que, para a nossa razão, é essencialmente republicano e contrário ao interesse nacional (negrito acrescentado).
***
São estes os pontos dominantes do facto geral de Sua Majestade - embora diga repetidas vezes que quer salvar o País — recusar um por um todos os meios e todas as condições necessárias para esse alto fim.
***
Sua Majestade desconhece as realidades da vida portuguesa, vive longe de Portugal, e nem sequer o seu espírito ou o seu coração está com aqueles que por Ele se têm sacrificado, pois não notámos o mais ligeiro movimento afectivo, nem ouvimos uma palavra de gratidão ou mesmo de simpatia pelos heróis e pelas vítimas.
***
Desconhecendo El-Rei consideravelmente, como deixamos dito, as questões nacionais, nem mesmo sobre o problema internacional tem uma orientação que nos pareça inteligente ou trabalhos de grande fruto.
A sua acção diplomática limita-se à Inglaterra, desapegada por completo da grande França e da vizinha Espanha, sendo em especial de lamentar que um convívio estreito com aquela nação lhe não tivesse ensinado o maravilhoso despertar da consciência e do pensamento monárquico, expressos no belo movimento da Action Française, que Sua Majestade desconhece, a ponto de acreditar que em França se venha a restabelecer uma monarquia constitucional!
E, se a sua acção diplomática se limita à Inglaterra, parece-nos mais feita de exterioridades aparatosas do que de resultados sérios e positivos.
A inteligência diplomática de El-Rei pode considerar-se completamente absorvida na preocupação do perigo internacional, a que El-Rei, pensamos, liga uma exagerada importância; vem-nos a parecer, pois, esta orientação, ou um cómodo pretexto de inércia ou o resultado, sobre o espírito de El-Rei, de seguro trabalho de intriga.
O que é certo é que, se acreditarmos os amigos de El-Rei que explicam a sua ausência do Porto durante os últimos acontecimentos por dificuldades diplomáticas, teremos de concluir que a influência real de Sua Majestade em Inglaterra não é considerável, devendo a sua situação, lá, considerar-se a de um prisioneiro. De resto, quanto a esta questão da ausência de Sua Majestade dado o facto consumado da restauração do Porto, El-Rei não teve uma só referência que nos permitisse compreender a sua atitude.
Desses obstáculos diplomáticos que teriam impedido o regresso de Sua Majestade, só por vaga tradição ouvimos falar; pois El-Rei não aludiu sequer a eles, no decurso das duas audiências.
Assim parece que El-Rei não foi para o seu posto, porque então, como sempre, mais forte que as necessidades da Pátria, está a inércia que caracteriza a sua atitude ou então para El-Rei os revolucionários de Lisboa e Porto, incursos em flagrante desobediência, eram ao mesmo tempo rebeldes contra a República e contra o seu Rei, e não podiam, portanto, merecer deste qualquer apoio.
Em face do que deixamos exposto, logo desde o princípio das nossas diligências verificámos o seu resultado negativo. E embora trouxéssemos poderes para ter deixado definitivamente resolvida, em nome do Junta Central do Integralismo Lusitano, a nossa atitude para com El-Rei por meio de uma categórica declaração de rompimento, achámos de tal maneira grave esta solução e de tal maneira El-Rei se encobria detrás de pretextos de tão grande responsabilidade, como o do perigo internacional, que nós resolvemos, como melhor, desligarmo-nos apenas individualmente das direcções políticas de Sua Majestade, reservando para mais tarde a resposta da Junta Central.
No nosso pensamento esta solução tinha a dupla vantagem de por um lado dar a El-Rei bem clara impressão de quão longe estávamos decididos a levar a nossa atitude, oferecendo-lhe assim mais uma ocasião de reconsiderar e por outro lado permitir que a Junta Central assentasse numa resolução com toda a liberdade, serenidade e completo conhecimento de causa.
É nosso voto final que, se uma derradeira entrevista com Aires de Ornelas em Lisboa nos não der a sólida esperança de poder modificar-se a atitude de El-Rei, a Junta Central deve imediatamente tornar publica a sua separação.
É sobre um acto de fé que queremos fechar estas considerações.
Da crise gravíssima que a Causa Monárquica vai atravessar, sairão mais fortes os princípios que defendemos, porque de ora em diante a Causa Monárquica, aparentemente dividida e enfraquecida, encontrará na unidade e na verdade dos princípios a unidade e a força.
E na luta contra a República, cada vez mais heróica e audaciosa, valer-nos-á a redobrada virtude das nossas verdades confirmadas nesta dolorosa crise e a vantagem de nos libertarmos da direcção negativa ou má de um mau chefe, de um Rei que não acredita nos princípios monárquicos.
Competindo às Cortes Gerais Portuguesas do nosso direito tradicional, às Cortes Gerais das Corporações e dos Municípios e não de forma alguma ao Parlamento constitucionalista do sufrágio universal, a resolução da questão dinástica, convém que desde já a Junta Central do Integralismo Lusitano encete os seus trabalhos no sentido de que essa questão se esclareça o melhor possível.
(negrito acrescentado)
Os termos destas considerações mostram com grande clareza como foi razoável a nossa atitude e bem ponderada a nossa resolução, quando do nosso rompimento com o senhor D. Manuel. Esse rompimento impunha-se-nos como um dever inadiável de patriotismo e de monarquismo, como uma imperativa necessidade, que, nesse tempo, bem dolorosa era para o nosso coração.
Não foi, como muita gente pode julgar, perante a surda campanha de intriga dos nossos adversários, um rompimento de que levianamente tivéssemos tomado a iniciativa com base no não deferimento acidental de pretensões nossas de parte do sr. D. Manuel. Pelo contrário, o sr. D. Manuel é que, na plena liberdade da sua vontade e na plena consciência da sua inteligência, tomou, desde Londres e Estbourne, a iniciativa de se incompatibilizar absolutamente com o nosso monarquismo, por meio de afirmações categóricas, significando resoluções irrevogáveis. Nunca consentirá na restauração de uma monarquia anti-parlamentar, porque disso o proíbe a ligação evidentemente perpétua de um juramento solene; nunca consentirá na política revolucionária necessária, porque essa política a condenam as suas mais fundamentais orientações e pontos de vista.
Foi, pois, o sr. D. Manuel que, talvez sem disso tomar consciência, mas fazendo-o por afirmações bem categóricas da sua personalidade, se revelou absolutamente incompatível com a nossa orientação, isto é, com os verdadeiros princípios da Monarquia.
O rompimento, de que na falta do sr. D. Manuel demos prévio conhecimento ao seu ilustre representante, fez-se nos termos mais correctos, com uma cordura de tom contra a qual protestava toda a indignação do nosso sentimento patriótico.
O sr. D. Manuel, porém, houve por bem responder-lhe com uma carta-manifesto (carta de D. Manuel II para Aires de Ornelas a respeito da quebra de obediência do Integralismo Lusitano), em que, da sua dignidade formal de Rei, desce a insultar-nos. Acusa-nos de pouca honra, de deslealdade, de incorreção e de não sei que mais. Calunia-nos, chamando-nos absolutistas. Denuncia-nos à República, como conspiradores (negrito acrescentado), cometendo para connosco uma gravíssima inconfidência, revelando que o tínhamos ido convidar para uma Revolução. Acusa nos de não o termos avisado do rompimento, quando de facto o notificámos na pessoa do seu representante.
Diz que faltámos a um simples dever de honra por não publicarmos as suas respostas, quando delas tínhamos indicado o essencial (a não anuência aos pedidos da mensagem), constituindo-nos agora na obrigação da publicação minuciosa do Relatório (Relatório da Missão mandada a Londres), com toda a sua matéria secreta que a inconfidência do antigo soberano implicitamente nos autorizou a revelar.
Define as suas respostas em termos muito diferentes daqueles que o Relatório nos dá a conhecer. A sua não aceitação das doutrinas integralistas revestia a forma de uma caracterizada repulsão e de uma irremovível adesão ao Constitucionalismo, por ligação de juramento.
A sua oposição a revoluções não é a oposição a uma revolução que para realização imediata nós lhe tivéssemos ido propor; nós propúnhamos ao Sr. D. Manuel que se começasse a preparar desde já a revolução, para realizar em momento oportuno. O antigo soberano mostrou-se para todo o sempre oposto a revoluções.
Na questão do manifesto e do príncipe herdeiro também os termos são modificados, mostrando-se que o sr, D. Manuel se esqueceu dos detalhes das celebres entrevistas. Finalmente todo este documento se resume nesta absurda tese. circundada de invocações patrióticas sem eco:
A Pátria está em perigo, não se toque na Republica - afirmação que pode ser muito patriótica, mas não é nada monárquica, porque mostraria que a Monarquia só é capaz de governar fora das situações perigosas.
O patriotismo que se exprime na carta do sr. D. Manuel é, apesar de tudo, um encadeiamento de palavras, que não nos admiraria de ver na boca do sr. António José de Almeida ou do sr. Canto e Castro.
Ora nesta agitada da idade-media, em que estamos entrados, as palavras de patriotismo valem menos: valem sobretudo os actos positivos de acção nacional, vale o sangue derramado em testemunho de patriotismo.
Triste documento na verdade!
Mesmo sem atender às suas incorrecções e aos seus insultos, o seu conhecimento bastar-nos-ia a nós, monárquicos, para nos separarmos do sr. D. Manuel, se o não tivéssemos feito já.
Aos insultos do sr. D Manuel dou eu, por mim, estas respostas calmas.
Aprecio muito a raríssima honra de ser insultado por um rei por amor da Pátria e da Monarquia. (negrito acrescentado). Por mim, conterei até ao fim a minha indignação, e não injuriarei o sr. D. Manuel, porque lhe tenho o respeito que se deve aos mortos.
O público integralista e não integralista veja nestas palavras mais um documento para fazer juízo nesta questão e mais um testemunho da nossa serenidade em face da paixão açulada dos adversários, esses que diziam mal do Rei, quando nós disciplinadamente o reconhecíamos, esses que faziam à toa a campanha da deposição, quando nós lealmente tratávamos de ir a Londres obter documentos positivos para uma resolução, esses que um acesso sentimental de disciplina não curará para o futuro da indisciplina que é inerente ao desconhecimento dos princípios da verdade política.
(José Pequito Rebelo, "Palavras Serenas", A Monarquia, nº 624, 17 de Dezembro de 1919)
Relacionado
ref.s:
- 1919 Setembro - Luís de Almeida Braga e José Pequito Rebelo - O Relatório da Missão mandada a Londres, junto de Sua Majestade El-Rei, o Senhor Dom Manuel II pela Junta Central do Integralismo Lusitano;
- 1919 Novembro - Carta de D. Manuel II para Aires de Ornelas a respeito da quebra de obediência do Integralismo Lusitano.
Devemos começar por dizer que em todo o Relatório procuramos observar a mais estreita e escrupulosa fidelidade. O giro da conversa, com suas repetições e interrupções não podia ser completamente guardado, sem que este documento se tornasse confuso e quase incompreensível. Por isso entendemos agrupar e ordenar para maior clareza, mas respeitando sempre o seu verdadeiro sentido, as várias questões versadas nas conferencias de Eastbourne e Twickenham. Devemos também notar que logo imediatamente após cada conferência, reduzimos a escrito as nossas impressões, as quais desta maneira conservaram a fidelidade de uma quase imediata reprodução, auxiliada pela intensidade terrível com que elas tinham ferido a nossa atenção ansiosa e decepcionada. Depois de reduzidas a escrito essas relações, foi nossa impressão espontânea que elas não deixavam de maneira alguma colocado El-Rei pior do que ele nos aparecera nas duas entrevistas. A primeira conferencia deu-nos logo as tristes certezas que a segunda não fez mais do que confirmar.
***
El-Rei não tinha do nosso esforço e da nossa doutrina o mais rudimentar conhecimento. El-Rei não teve para a nossa atitude política nos movimentos do Norte e de Monsanto, uma só palavra de aplauso, antes implicitamente a condenou.
O espirito de El-Rei está preso por todos os preconceitos liberalistas de uma educação errada e não notámos que Sua Majestade tivesse empregado os meios de libertar a sua inteligência das teias que assim lhe impossibilitam a visão clara das coisas portuguesas. E ao mesmo tempo que Sua Majestade revela um grande desconhecimento, não só da filosofia política geral, mas até da política do país, patenteia um minucioso e cuidadoso conhecimento dos menores detalhes da Carta Constitucional.
***
S. M. respondeu-nos com uma geral negativa quanto a efectivar a sua acção como chefe da Causa Monárquica. É certo que El-Rei mostrava para sua negativa vários pretextos, mas todos sempre tão vagos e até contraditórios, e ainda também tão incompreensíveis alguns, que a nossa convicção resultou que o estado de espírito de El-Rei mostra uma repugnância invencível para a acção.
Desde a primeira conferência nos ficou a convicção de que El-Rei não tem as qualidades do chefe necessário, nem mesmo sente essa vocação, nem ao menos parece disposto a prestar o seu nome a bons colaboradores que trabalhem por ele.
E que El-Rei não pode exercer as funções do chefe necessário, demonstra-se sobretudo pela sua atitude e seus firmíssimos princípios com respeito à Contra-Revolução. S. M. é absoluta e pertinazmente contrário à única maneira possível de restaurar a Monarquia em Portugal.
Como a Republica se não entrega espontaneamente, e como a nossa honra repele a hipótese da restauração da Monarquia por meio da intervenção estrangeira, só nos resta como meio de fazer a Monarquia um acto da nossa própria força, uma revolução da Nação contra a tirania republicana. Sua Majestade é absolutamente contrário a esse meio de acção, porque nem permite mesmo que se comece desde já a sua preparação, com vista a realizá-la em momento oportuno.
Portanto, neste particular, as direcções políticas de Sua Majestade só nos conduzem à consolidação da Republica, a não ser que desacatemos secretamente essas direcções, o que é impróprio do nosso critério de lealdade.
Livrarmo-nos, pois, publica e completamente das direcções de El-Rei, por duro que isto seja aos nossos corações, é ganhar alguma coisa de positivo a favor da Monarquia.
***
Um outro critério nos pareceu fundamental na atitude de El-Rei, critério que marca uma divergência total com o nosso modo de ser.
Para El-rei o estado de Pátria em perigo é razão que desaconselha a restauração: não deve fazer-se a Monarquia, enquanto Portugal estiver rodeado das terríveis ameaças que o cercam atualmente.
Donde se concluiria por rigorosa lógica que a Monarquia só poderia vir a restaurar-se, depois da ruína definitiva da Pátria ou depois que a Republica a tivesse salvado.
Este modo de vêr implica a negação de todo o valor das instituições monárquicas e tiraria a cada um o direito de combater a Republica à face do patriotismo. Este princípio repugna às mais basilares doutrinas do Integralismo, que consiste essencialmente num vibrante movimento da consciência e da vontade da nação acudindo à Pátria em perigo, para salvá-la. com as instituições da monarquia redentora.
***
Um outro obstáculo, a nosso ver irremovível, que nos afasta de El-Rei, é a lamentável convicção sua de que a não proclamação da Carta Constitucional na futura restauração que ele dirigisse seria para ele um perjúrio. A questão posta nestes termos implica para nós a consequência necessária de que sob a direcção de El-Rei só pode fazer-se a restauração do ominoso regime constitucional, que é a negação completa dos nossos princípios e a certa ruína da Pátria.
Posta a questão como foi naquele terreno de consciência moral, devemos perder a esperança de convencer um dia El-Rei a proceder diferentemente, porque isso seria convencê-lo a ser perjuro.
Quanto a auxiliar a proclamação de uma monarquia constitucional que depois facilitasse o advento do regime que defendemos, é um plano absurdo. Se se proclamasse uma monarquia constitucional, seria eleito pelo sufrágio um Parlamento, que nunca votaria a sua própria destruição, isto é, o Integralismo. Imediatamente se constituiriam as clientelas, os partidos, os pessoalismos, tomando conta e nunca mais largando mão do Estado. Impôr-se-ia desta forma uma Revolução, muito menos fácil de realizar do que com a forma republicana.
A ignorância em que Sua Majestade tinha o Integralismo, a repugnância muito espontânea e característica, que manifestou pelos seus princípios, são factos de que ainda poderíamos abstrair, embora, de tão evidente gravidade; o que devemos, porém, julgar circunstância impeditiva da nossa obediência à disciplina real é o facto de El-Rei se considerar ligado por juramento a um regime político que, para a nossa razão, é essencialmente republicano e contrário ao interesse nacional (negrito acrescentado).
***
São estes os pontos dominantes do facto geral de Sua Majestade - embora diga repetidas vezes que quer salvar o País — recusar um por um todos os meios e todas as condições necessárias para esse alto fim.
***
Sua Majestade desconhece as realidades da vida portuguesa, vive longe de Portugal, e nem sequer o seu espírito ou o seu coração está com aqueles que por Ele se têm sacrificado, pois não notámos o mais ligeiro movimento afectivo, nem ouvimos uma palavra de gratidão ou mesmo de simpatia pelos heróis e pelas vítimas.
***
Desconhecendo El-Rei consideravelmente, como deixamos dito, as questões nacionais, nem mesmo sobre o problema internacional tem uma orientação que nos pareça inteligente ou trabalhos de grande fruto.
A sua acção diplomática limita-se à Inglaterra, desapegada por completo da grande França e da vizinha Espanha, sendo em especial de lamentar que um convívio estreito com aquela nação lhe não tivesse ensinado o maravilhoso despertar da consciência e do pensamento monárquico, expressos no belo movimento da Action Française, que Sua Majestade desconhece, a ponto de acreditar que em França se venha a restabelecer uma monarquia constitucional!
E, se a sua acção diplomática se limita à Inglaterra, parece-nos mais feita de exterioridades aparatosas do que de resultados sérios e positivos.
A inteligência diplomática de El-Rei pode considerar-se completamente absorvida na preocupação do perigo internacional, a que El-Rei, pensamos, liga uma exagerada importância; vem-nos a parecer, pois, esta orientação, ou um cómodo pretexto de inércia ou o resultado, sobre o espírito de El-Rei, de seguro trabalho de intriga.
O que é certo é que, se acreditarmos os amigos de El-Rei que explicam a sua ausência do Porto durante os últimos acontecimentos por dificuldades diplomáticas, teremos de concluir que a influência real de Sua Majestade em Inglaterra não é considerável, devendo a sua situação, lá, considerar-se a de um prisioneiro. De resto, quanto a esta questão da ausência de Sua Majestade dado o facto consumado da restauração do Porto, El-Rei não teve uma só referência que nos permitisse compreender a sua atitude.
Desses obstáculos diplomáticos que teriam impedido o regresso de Sua Majestade, só por vaga tradição ouvimos falar; pois El-Rei não aludiu sequer a eles, no decurso das duas audiências.
Assim parece que El-Rei não foi para o seu posto, porque então, como sempre, mais forte que as necessidades da Pátria, está a inércia que caracteriza a sua atitude ou então para El-Rei os revolucionários de Lisboa e Porto, incursos em flagrante desobediência, eram ao mesmo tempo rebeldes contra a República e contra o seu Rei, e não podiam, portanto, merecer deste qualquer apoio.
Em face do que deixamos exposto, logo desde o princípio das nossas diligências verificámos o seu resultado negativo. E embora trouxéssemos poderes para ter deixado definitivamente resolvida, em nome do Junta Central do Integralismo Lusitano, a nossa atitude para com El-Rei por meio de uma categórica declaração de rompimento, achámos de tal maneira grave esta solução e de tal maneira El-Rei se encobria detrás de pretextos de tão grande responsabilidade, como o do perigo internacional, que nós resolvemos, como melhor, desligarmo-nos apenas individualmente das direcções políticas de Sua Majestade, reservando para mais tarde a resposta da Junta Central.
No nosso pensamento esta solução tinha a dupla vantagem de por um lado dar a El-Rei bem clara impressão de quão longe estávamos decididos a levar a nossa atitude, oferecendo-lhe assim mais uma ocasião de reconsiderar e por outro lado permitir que a Junta Central assentasse numa resolução com toda a liberdade, serenidade e completo conhecimento de causa.
É nosso voto final que, se uma derradeira entrevista com Aires de Ornelas em Lisboa nos não der a sólida esperança de poder modificar-se a atitude de El-Rei, a Junta Central deve imediatamente tornar publica a sua separação.
É sobre um acto de fé que queremos fechar estas considerações.
Da crise gravíssima que a Causa Monárquica vai atravessar, sairão mais fortes os princípios que defendemos, porque de ora em diante a Causa Monárquica, aparentemente dividida e enfraquecida, encontrará na unidade e na verdade dos princípios a unidade e a força.
E na luta contra a República, cada vez mais heróica e audaciosa, valer-nos-á a redobrada virtude das nossas verdades confirmadas nesta dolorosa crise e a vantagem de nos libertarmos da direcção negativa ou má de um mau chefe, de um Rei que não acredita nos princípios monárquicos.
Competindo às Cortes Gerais Portuguesas do nosso direito tradicional, às Cortes Gerais das Corporações e dos Municípios e não de forma alguma ao Parlamento constitucionalista do sufrágio universal, a resolução da questão dinástica, convém que desde já a Junta Central do Integralismo Lusitano encete os seus trabalhos no sentido de que essa questão se esclareça o melhor possível.
(negrito acrescentado)
Os termos destas considerações mostram com grande clareza como foi razoável a nossa atitude e bem ponderada a nossa resolução, quando do nosso rompimento com o senhor D. Manuel. Esse rompimento impunha-se-nos como um dever inadiável de patriotismo e de monarquismo, como uma imperativa necessidade, que, nesse tempo, bem dolorosa era para o nosso coração.
Não foi, como muita gente pode julgar, perante a surda campanha de intriga dos nossos adversários, um rompimento de que levianamente tivéssemos tomado a iniciativa com base no não deferimento acidental de pretensões nossas de parte do sr. D. Manuel. Pelo contrário, o sr. D. Manuel é que, na plena liberdade da sua vontade e na plena consciência da sua inteligência, tomou, desde Londres e Estbourne, a iniciativa de se incompatibilizar absolutamente com o nosso monarquismo, por meio de afirmações categóricas, significando resoluções irrevogáveis. Nunca consentirá na restauração de uma monarquia anti-parlamentar, porque disso o proíbe a ligação evidentemente perpétua de um juramento solene; nunca consentirá na política revolucionária necessária, porque essa política a condenam as suas mais fundamentais orientações e pontos de vista.
Foi, pois, o sr. D. Manuel que, talvez sem disso tomar consciência, mas fazendo-o por afirmações bem categóricas da sua personalidade, se revelou absolutamente incompatível com a nossa orientação, isto é, com os verdadeiros princípios da Monarquia.
O rompimento, de que na falta do sr. D. Manuel demos prévio conhecimento ao seu ilustre representante, fez-se nos termos mais correctos, com uma cordura de tom contra a qual protestava toda a indignação do nosso sentimento patriótico.
O sr. D. Manuel, porém, houve por bem responder-lhe com uma carta-manifesto (carta de D. Manuel II para Aires de Ornelas a respeito da quebra de obediência do Integralismo Lusitano), em que, da sua dignidade formal de Rei, desce a insultar-nos. Acusa-nos de pouca honra, de deslealdade, de incorreção e de não sei que mais. Calunia-nos, chamando-nos absolutistas. Denuncia-nos à República, como conspiradores (negrito acrescentado), cometendo para connosco uma gravíssima inconfidência, revelando que o tínhamos ido convidar para uma Revolução. Acusa nos de não o termos avisado do rompimento, quando de facto o notificámos na pessoa do seu representante.
Diz que faltámos a um simples dever de honra por não publicarmos as suas respostas, quando delas tínhamos indicado o essencial (a não anuência aos pedidos da mensagem), constituindo-nos agora na obrigação da publicação minuciosa do Relatório (Relatório da Missão mandada a Londres), com toda a sua matéria secreta que a inconfidência do antigo soberano implicitamente nos autorizou a revelar.
Define as suas respostas em termos muito diferentes daqueles que o Relatório nos dá a conhecer. A sua não aceitação das doutrinas integralistas revestia a forma de uma caracterizada repulsão e de uma irremovível adesão ao Constitucionalismo, por ligação de juramento.
A sua oposição a revoluções não é a oposição a uma revolução que para realização imediata nós lhe tivéssemos ido propor; nós propúnhamos ao Sr. D. Manuel que se começasse a preparar desde já a revolução, para realizar em momento oportuno. O antigo soberano mostrou-se para todo o sempre oposto a revoluções.
Na questão do manifesto e do príncipe herdeiro também os termos são modificados, mostrando-se que o sr, D. Manuel se esqueceu dos detalhes das celebres entrevistas. Finalmente todo este documento se resume nesta absurda tese. circundada de invocações patrióticas sem eco:
A Pátria está em perigo, não se toque na Republica - afirmação que pode ser muito patriótica, mas não é nada monárquica, porque mostraria que a Monarquia só é capaz de governar fora das situações perigosas.
O patriotismo que se exprime na carta do sr. D. Manuel é, apesar de tudo, um encadeiamento de palavras, que não nos admiraria de ver na boca do sr. António José de Almeida ou do sr. Canto e Castro.
Ora nesta agitada da idade-media, em que estamos entrados, as palavras de patriotismo valem menos: valem sobretudo os actos positivos de acção nacional, vale o sangue derramado em testemunho de patriotismo.
Triste documento na verdade!
Mesmo sem atender às suas incorrecções e aos seus insultos, o seu conhecimento bastar-nos-ia a nós, monárquicos, para nos separarmos do sr. D. Manuel, se o não tivéssemos feito já.
Aos insultos do sr. D Manuel dou eu, por mim, estas respostas calmas.
Aprecio muito a raríssima honra de ser insultado por um rei por amor da Pátria e da Monarquia. (negrito acrescentado). Por mim, conterei até ao fim a minha indignação, e não injuriarei o sr. D. Manuel, porque lhe tenho o respeito que se deve aos mortos.
O público integralista e não integralista veja nestas palavras mais um documento para fazer juízo nesta questão e mais um testemunho da nossa serenidade em face da paixão açulada dos adversários, esses que diziam mal do Rei, quando nós disciplinadamente o reconhecíamos, esses que faziam à toa a campanha da deposição, quando nós lealmente tratávamos de ir a Londres obter documentos positivos para uma resolução, esses que um acesso sentimental de disciplina não curará para o futuro da indisciplina que é inerente ao desconhecimento dos princípios da verdade política.
(José Pequito Rebelo, "Palavras Serenas", A Monarquia, nº 624, 17 de Dezembro de 1919)
Relacionado