A fórmula de amanhã em política exterior há de ser, sem dúvida, não união-ibérica, mas aliança-peninsular. Nós não teremos deste modo a vergonha de Olivença! Não terá a Espanha a ignomínia de Gibraltar!
António Sardinha in O Território e a Raça.
António Sardinha in O Território e a Raça.

Seja a federação amigável nos termos em que a preconiza o político romântico Don Juán del Nido y Segalerva ou a simples anexação para nos salvar da ruína, no pensamento cruelmente irónico do professor Vicente Gay, toda a Espanha se deslumbra com a visão do Rei Afonso XIII, erguendo em triunfo a águia bicéfala, cujas asas cubram a velha Ibéria.

Segalerva no seu livro — La Unión Ibérica, a páginas 364: "Sobre esa Dinasta (de Bragança) pesa la responsabilidad do haber deshecho en tiempo de Felipe IV la obra de Don Felipe II, y si fuere restaurada renacerían con ella todos los obstáculos que desde 1640 vienen impidiendo la UNIÓN IBÉRICA. (...) La política sensata aconseja la más absoluta abstención y esperar el desenvolvimiento de la Republica portuguesa. Nosotros no debemos ayudar ni la Monarquia ni la República; pero en todo caso, más debemos ayudar la República que la Restauración monárquica.”
Em Abril de 1915, António Sardinha abriu o ciclo de conferências sobre a Questão Ibérica com "O Território e a Raça". Em 1916, com a excepção da conferência de Alberto Monsaraz - Diplomacia Peninsular - as restantes conferências foram publicadas num único volume. O texto de apresentação surgiu datado em Outubro de 1915.
António Sardinha, O Território e a Raça (Conferência realizada na sala nobre da Liga Naval Portuguesa, em 7 de Abril de 1915), in A Questão Ibérica, Lisboa, Tipografia do Anuário Comercial, 1916, pp. 10-76.
Nesta conferência, António Sardinha relacionou a crise nacional com um novo surto de Iberismo, destacando a tensão entre a identidade portuguesa e as influências externas.
Na primeira parte, perante a possibilidade de absorção de Portugal pela Espanha, identifica o espírito revolucionário e o internacionalismo maçónico como os elementos mais importantes no enfraquecimento da unidade e identidade nacional. Referindo vários exemplos históricos, a Maçonaria é identificada como esteio de conluios contrários à pátria. Defende o papel da Igreja na formação e manutenção de Portugal, apelando à preservação da identidade e autonomia portuguesas contra as tendências fusionistas e o pessimismo histórico.
Na segunda parte, Sardinha destaca a geografia e a antropologia como fatores da autonomia portuguesa, contradizendo a noção de que seriamos um povo artificial. Os fatores físicos e históricos, como a geografia e a distribuição das chuvas, têm papel na individualidade de Portugal no quadro peninsular. Coloca em evidência o lirismo português em contraste com o espírito épico e guerreiro castelhano.
Na terceira parte, Sardinha recorda que, na Idade Média, Leeuwarden tornou-se um próspero centro comercial e sede dos estados frísios, resistindo ao domínio feudal do Sacro Império Romano. A cidade também foi o lar de Pier Gerlofs Donia, guerreiro frísio que liderou uma rebelião contra invasores no século XVI. Esses casos mostram que pode haver correspondência entre a dualidade psicológica e a dualidade étnica. O Lusitano é apresentado como indígena da Península, em contraste com o castelhano. Baseando-se nos estudos de Fonseca Cardoso e Sant’Ana Marques, destaca as diferenças antropométricas entre portugueses e espanhóis, sendo os primeiros mais homogêneos e dolicocéfalos, enquanto os segundos mais mesatocéfalos. A homogeneidade da população portuguesa é apresentada como um dos alicerces da autonomia nacional. Os portugueses são descritos como mais próximos do aquitano do que do corso ou do espanhol, este último visto como descendente de imigrantes, principalmente da raça braquicéfala dos Lígures. As diferenças étnicas e psicológicas expressam-se em divergências culturais e literárias, com os portugueses revelando-se mais líricos e os castelhanos mais épicos; o lirismo do romanceiro português contrasta com a epopeia castelhana. Olivença, preservando sua língua e cultura mesmo sob domínio espanhol, demonstra a força da identidade nacional portuguesa.
António Sardinha termina defendendo a importância dos deveres patrióticos, chamando a juventude à preservação da identidade nacional. Portugal, tal como outras nações, deve atribuir relevância às tradições e às forças morais autóctones. Invocando a figura de Nun'Álvares, conclui com uma mensagem de esperança: Portugal persistirá, mesmo diante das maiores adversidades
Na primeira parte, perante a possibilidade de absorção de Portugal pela Espanha, identifica o espírito revolucionário e o internacionalismo maçónico como os elementos mais importantes no enfraquecimento da unidade e identidade nacional. Referindo vários exemplos históricos, a Maçonaria é identificada como esteio de conluios contrários à pátria. Defende o papel da Igreja na formação e manutenção de Portugal, apelando à preservação da identidade e autonomia portuguesas contra as tendências fusionistas e o pessimismo histórico.
Na segunda parte, Sardinha destaca a geografia e a antropologia como fatores da autonomia portuguesa, contradizendo a noção de que seriamos um povo artificial. Os fatores físicos e históricos, como a geografia e a distribuição das chuvas, têm papel na individualidade de Portugal no quadro peninsular. Coloca em evidência o lirismo português em contraste com o espírito épico e guerreiro castelhano.
Na terceira parte, Sardinha recorda que, na Idade Média, Leeuwarden tornou-se um próspero centro comercial e sede dos estados frísios, resistindo ao domínio feudal do Sacro Império Romano. A cidade também foi o lar de Pier Gerlofs Donia, guerreiro frísio que liderou uma rebelião contra invasores no século XVI. Esses casos mostram que pode haver correspondência entre a dualidade psicológica e a dualidade étnica. O Lusitano é apresentado como indígena da Península, em contraste com o castelhano. Baseando-se nos estudos de Fonseca Cardoso e Sant’Ana Marques, destaca as diferenças antropométricas entre portugueses e espanhóis, sendo os primeiros mais homogêneos e dolicocéfalos, enquanto os segundos mais mesatocéfalos. A homogeneidade da população portuguesa é apresentada como um dos alicerces da autonomia nacional. Os portugueses são descritos como mais próximos do aquitano do que do corso ou do espanhol, este último visto como descendente de imigrantes, principalmente da raça braquicéfala dos Lígures. As diferenças étnicas e psicológicas expressam-se em divergências culturais e literárias, com os portugueses revelando-se mais líricos e os castelhanos mais épicos; o lirismo do romanceiro português contrasta com a epopeia castelhana. Olivença, preservando sua língua e cultura mesmo sob domínio espanhol, demonstra a força da identidade nacional portuguesa.
António Sardinha termina defendendo a importância dos deveres patrióticos, chamando a juventude à preservação da identidade nacional. Portugal, tal como outras nações, deve atribuir relevância às tradições e às forças morais autóctones. Invocando a figura de Nun'Álvares, conclui com uma mensagem de esperança: Portugal persistirá, mesmo diante das maiores adversidades
... saltando por cima de um século inteiro de falsificações e embustes, eu aponto o internacionalismo maçónico como a causa mortal da nossa ruína. - António Sardinha
O IBERISMO
Manda em nós o estrangeiro do interior. É o estrangeiro do interior quem calúnia o nosso Passado e cobre de descrédito as suas gloriosas instituições, para que as raízes de Portugal se enfraqueçam e nós não sejamos dentro de breve senão um terreno raso para as experiências do internacionalismo maçónico.
(...)
Falseando o princípio católico de que toda a autoridade legítima vem de Deus, gera-se num sentido vicioso de investidura pessoal o absurdo direito divino dos dinastas, a quem os doutores reformados concedem até a prerrogativa da ordenação sacerdotal. (...) Os preceitos germânicos da posse tinham-se sobreposto aos ditames claros de S. Tomás. Os Reis reinam já por si, - pelo seu capricho absoluto, e não pelo direito da sociedade em se conservar.
(...)
[António Sardinha rejeita a doutrina protestante do direito divino dos reis e as suas consequências na ordem internacional]
Foi Port-Royal, foi a Enciclopédia, - é Jean-Jacques, é o Liberalismo. Pelo amor cerebral das ficções inventa a transcendência opressiva da Lei. A lei passa a determinar a sociedade, em vez de unicamente a exprimir. Surge daqui a paranóia parlamentar, tendo surgido antes, numa série de terminações em "ismo", dentro da religião, o Jansenismo, em política religiosa, o Regalismo, e no campo do direito publico, o Absolutismo. No fundo sempre o Indivíduo, sempre a opinião caprichosa, sempre o "livre-exame!" (...) Pombal (...) expulsa os jesuítas como terríveis republicanos, por eles defenderem as razões políticas de S. Tomás. (...) Na separação dos dois poderes - do poder temporal e do poder espiritual - é que descansa a mais sólida garantia da liberdade.
(...)
Não se ignoram as consequências dessa desastrada "regeneração" [com antecedente no Pombalismo, refere-se aqui à "regeneração" pretendida pelos "Liberais", depois de 1834]. Aplicado sem mais ensaios à nacionalidade portuguesa, o critério rectilíneo da Lei deu a a extirpação dos nossos velhos quadros institucionais. O instinto foraleiro da pátria foi negado pela montagem estrangulante do Estado burocrático. Demitiu-se o municipalismo próprio da Grey. Votaram-se ao extermínio as corporações de artes e ofícios com a sua expressiva Casa dos Vinte-e-Quatro por órgão e porta-voz. A base pluralista da representação repeliu-se por arcaica. As Cortes-Gearis tiveram-se como uma coisa gótica, como uma velharia caduca. O Indivíduo passou a ser, ao longo do agrupamento social, a célula originária de toda a actividade. O "livre-exame" fazia bom caminho entre nós. Faculta-lhe os progressos a hipertrofia romântica da sensibilidade. Servia-o na sombra o internacionalismo maçónico.
(...)
[1851] O nosso suicídio revestia-se de linhas resignadas com o Iberismo, que, falida a experiência cartista, se apossou de certos eventos com predomínio nos círculos reputados por cultos. Portugal olvidara a integridade do seu "meio-vital".
[após resumir a sucessão de projectos iberistas:]
A fórmula de amanhã em política exterior há-de ser, sem dúvida, não união-ibérica, mas aliança-peninsular. Nós não teremos desse modo a vergonha de Olivença! Não terá a Espanha a ignomínia de Gibraltar!
- António Sardinha, O Território e a Raça.
(...)
Falseando o princípio católico de que toda a autoridade legítima vem de Deus, gera-se num sentido vicioso de investidura pessoal o absurdo direito divino dos dinastas, a quem os doutores reformados concedem até a prerrogativa da ordenação sacerdotal. (...) Os preceitos germânicos da posse tinham-se sobreposto aos ditames claros de S. Tomás. Os Reis reinam já por si, - pelo seu capricho absoluto, e não pelo direito da sociedade em se conservar.
(...)
[António Sardinha rejeita a doutrina protestante do direito divino dos reis e as suas consequências na ordem internacional]
Foi Port-Royal, foi a Enciclopédia, - é Jean-Jacques, é o Liberalismo. Pelo amor cerebral das ficções inventa a transcendência opressiva da Lei. A lei passa a determinar a sociedade, em vez de unicamente a exprimir. Surge daqui a paranóia parlamentar, tendo surgido antes, numa série de terminações em "ismo", dentro da religião, o Jansenismo, em política religiosa, o Regalismo, e no campo do direito publico, o Absolutismo. No fundo sempre o Indivíduo, sempre a opinião caprichosa, sempre o "livre-exame!" (...) Pombal (...) expulsa os jesuítas como terríveis republicanos, por eles defenderem as razões políticas de S. Tomás. (...) Na separação dos dois poderes - do poder temporal e do poder espiritual - é que descansa a mais sólida garantia da liberdade.
(...)
Não se ignoram as consequências dessa desastrada "regeneração" [com antecedente no Pombalismo, refere-se aqui à "regeneração" pretendida pelos "Liberais", depois de 1834]. Aplicado sem mais ensaios à nacionalidade portuguesa, o critério rectilíneo da Lei deu a a extirpação dos nossos velhos quadros institucionais. O instinto foraleiro da pátria foi negado pela montagem estrangulante do Estado burocrático. Demitiu-se o municipalismo próprio da Grey. Votaram-se ao extermínio as corporações de artes e ofícios com a sua expressiva Casa dos Vinte-e-Quatro por órgão e porta-voz. A base pluralista da representação repeliu-se por arcaica. As Cortes-Gearis tiveram-se como uma coisa gótica, como uma velharia caduca. O Indivíduo passou a ser, ao longo do agrupamento social, a célula originária de toda a actividade. O "livre-exame" fazia bom caminho entre nós. Faculta-lhe os progressos a hipertrofia romântica da sensibilidade. Servia-o na sombra o internacionalismo maçónico.
(...)
[1851] O nosso suicídio revestia-se de linhas resignadas com o Iberismo, que, falida a experiência cartista, se apossou de certos eventos com predomínio nos círculos reputados por cultos. Portugal olvidara a integridade do seu "meio-vital".
[após resumir a sucessão de projectos iberistas:]
A fórmula de amanhã em política exterior há-de ser, sem dúvida, não união-ibérica, mas aliança-peninsular. Nós não teremos desse modo a vergonha de Olivença! Não terá a Espanha a ignomínia de Gibraltar!
- António Sardinha, O Território e a Raça.

Manda em nós o estrangeiro do interior. É o estrangeiro do interior quem calúnia o nosso Passado e cobre de descrédito as suas gloriosas instituições, para que as raízes de Portugal se enfraqueçam e nós não sejamos dentro de breve senão um terreno raso para as experiências do internacionalismo maçónico.

Da Reforma nos veio a Razão-Pura. Da Reforma nos veio a Revolução-Francesa. (...)
Reaccionário, - exactamente! Porque ser reaccionário é estar com a herança filosófica de Taine, é aceitar os melhores ditames de Comte, de Le Play e Renan, é receber de Fustel de Coulanges a lição imparcial da História que é História.

Falseando o princípio católico de que toda a autoridade legítima vem de Deus, gera-se num sentido vicioso de investidura pessoal o absurdo direito divino dos dinastas, a quem os doutores reformados concedem até a prerrogativa da ordenação sacerdotal. (...) Os preceitos germânicos da posse tinham-se sobreposto aos ditames claros de S. Tomás [de Aquino]. Os Reis reinam já por si, - pelo seu capricho absoluto, e não pelo direito da sociedade em se conservar.

Foi Port-Royal, foi a Enciclopédia, - é Jean-Jacques, é o Liberalismo. Pelo amor cerebral das ficções inventa a transcendência opressiva da Lei. A lei passa a determinar a sociedade, em vez de unicamente a exprimir. Surge daqui a paranóia parlamentar, tendo surgido antes, numa série de terminações em "ismo", dentro da religião, o Jansenismo, em política religiosa, o Regalismo, e no campo do direito publico, o Absolutismo. No fundo sempre o Indivíduo, sempre a opinião caprichosa, sempre o "livre-exame!" (...) Pombal (...) expulsa os jesuítas como terríveis republicanos, por eles defenderem as razões políticas de S. Tomás. (...) Na separação dos dois poderes - do poder temporal e do poder espiritual - é que descansa a mais sólida garantia da liberdade.

Não se ignoram as consequências dessa desastrada "regeneração". Aplicado sem mais ensaios à nacionalidade portuguesa, o critério rectilíneo da Lei deu a a extirpação dos nossos velhos quadros institucionais. O instinto foraleiro da pátria foi negado pela montagem estrangulante do Estado burocrático. Demitiu-se o municipalismo próprio da Grey. Votaram-se ao extermínio as corporações de artes e ofícios com a sua expressiva Casa dos Vinte-e-Quatro por órgão e porta-voz. A base pluralista da representação repeliu-se por arcaica. As Cortes-Gearis tiveram-se como uma coisa gótica, como uma velharia caduca. o Indivíduo passou a ser, ao longo do agrupamento social, a célula originária de toda a actividade. O "livre-exame" fazia bom caminho entre nós. Faculta-lhe os progressos a hipertrofia romântica da sensibilidade. Servia-o na sombra o internacionalismo maçónico.
II - O TERRITÓRIO
1915 - O Território e a Raça - Conferencia realizada na sala nobre da Liga Naval Portuguesa, em 7 de Abril de 1915, in A questão ibérica, Lisboa, 1916, pp. 10-76.
Relacionado
- 1893 - Eduardo Prado, A ilusão americana - [Esse livro teve singular destino: no Brasil foi proibido uma hora depois de posto à venda, isto é, proibido antes de lido; em Portugal, depois de composto na Imprensa Nacional, não pôde ser editado por ela.]
- 1915 - O Território e a Raça, Conferência realizada na Liga Naval Portuguesa, em 7 de Abril de 1915.
- 1922 - O Pan-hispanismo, Contemporânea, nº 2, Junho de 1922, pp. 49-51.
- 1922 - La Unidad Hispánica, in Unión Ibero-Americana, Julio y Agosto de 1922, pp. 67-73.
- 1924 - Madre-Hispânia
- 1924 - A Aliança Peninsular,
- 1930 - A Aliança Peninsular - Antecedentes & Possibilidades, 2ª edição, Prefácio de Gabriel Maura Gamazo, conde la Mortera, Porto, Livraria Civilização.
- 1930 - La Alianza Peninsular, Prólogo de Ramiro de Maeztu, tradução de marquês de Quintanar, conde de Santibañez del Río, Madrid, 1930;
- 1939 - La Alianza Peninsular, 2ª edição em espanhol, tradução e prólogo de marquês de Quintanar, prólogo da 1ª edição espanhola de Ramiro de Maeztu, e "Unidad y Dualismo Peninsular", estudio de José Pequito Rebelo, Segovia, El Adelantado, 1939.
- 1943 - À Lareira de Castela - Estudos Peninsulares, Lisboa.
- 1972 - Aliança Peninsular, 3ª edição, Lisboa, Biblioteca do Pensamento Político, com nota prévia de Mário Saraiva (4ª edição, Lisboa, 1974).