Para além das traições do oiro
Francisco Rolão Preto
Os problemas económicos, têm sempre a sua oportunidade, mormente, nas épocas de crise como esta que o país está sofrendo.
De toda a parte, com efeito – indústria, lavoura, comércio – se apresentam inquietações, se mostra bem rasgada a grande chaga dum incerteza económica que dia a dia se torna maior e mais angustiante. De toda a parte se pergunta pelas razões de confiar e, os seus caminhos, neste misterioso e enervante mundo moderno desencadeado.
Duma coisa nos devemos todos certificar como ponto de partida: a confiança nos destinos. Jamais será portador de soluções o pessimismo metódico de alguns. Dizer mal não chega.
Pôr as mãos detrás da nuca e deitar-se às funduras do rio, é saída simiesca, não é solução de homens.
Criar novas perspectivas, procurar caminhos novos, eis o papel dos que enfrentam o futuro com a decisão dum dever.
Insista-se pois.
Um caminho novo, exige desde logo, a resolução de o rasgar largo e com boas rectas, limpando-lhe as proximidades de embaraçosos silveirais e velhos rochedos que, são todos os preconceitos com que vetustas doutrinas teimam em entravar a marcha dos tempos. Um caminho novo não pode, evidentemente, caber nos limites duma velha ratoeira por onde se esfalfava outrora a carripana da «mala posta»...
A «Mala Posta» ... A Tradição venerável... As ideias de há 50 anos a florirem de eterna sabedoria para «salvação» dos povos!... Como elas têm a vida dura, essas ideias, para além das derrocadas de duas guerras em que tanta coisa para sempre se perdeu e outra nasceu! Mas não. Lá embandeiram em arco os capitalismos. Moeda sã... Consolidação da moeda...
Haverá para o capitalismo coisa mais bela que um monte de oiro em reluzentes lingotes amontoado, na cave dum Banco, para segurança duma fantasia atrás da qual se esconde a sua rapace usura?
Produzir e poupar...
Entretanto, o novo caminho tem de ser de facto uma larga estrada onde todos tenham a sua marcha assegurada, grandes e pequenos, carros e peões. E, aí logo se vê o absurdo dos que teimam meter o mundo novo dentro do condicionalismo dum velho mundo de que não consegue libertar-se. Orgulhosos de uma sabedoria que assentava em postulados hoje largamente ultrapassados, não querem reconhecer os imperativos duma sabedoria nova por não terem de confessar que nem tudo sabiam.
Por isso insistem em impor-nos o seu culto das fórmulas do passado. E, no entanto, a «Bela Época» vai distante...
Depois de Keynes ninguém voltou a aprender economia política nos livros de Leroy-Beaulieu. Que nos mostravam eles? Mostravam-nos que a quase totalidade das grandes fortunas francesas era fruto da economia pé-de-meia. Bem poucas tinham resultado de invenções ou de novos métodos de trabalho. No que diz respeito à fama artística – literatura, teatro, pintura – tirante a glória, avaliava-se em um por cento os que faziam fortuna. Uma fortuna familiar levava, em regra, três gerações, para se poder formar com segurança e, isto, com a ajuda ainda de alguns casamentos de conveniência... Mesmo na burguesia bem instalada, a ideia de vir a ser «rico de verdade» não era senão um vago anseio, uma hipótese optimista à mercê dos caprichos da sorte.
Marcel Prevost contava que essa hipótese em geral só era considerada por brincadeira... Era, como depois se viria a dizer: «Quando me sair a sorte grande»... É verdade que tão improvável era para a maioria da burguesia, a riqueza como a ruína. Era o tempo em que se considerava inflexível o crédito das grandes Nações. Ninguém se aventurava para além dos fundos ou obrigações garantidas pelo Estado, e por isso se responsabilizavam os Estados pelos desastres das grandes empresas. A catástrofe financeira do Panamá não derrubara quase a terceira República francesa?... A estabilidade económica era então a regra. Um chefe de família, podia com certo rigor, prever em determinada altura da vida o que viriam a possuir os seus filhos vinte anos depois... A segurança do valor do dinheiro era mesmo um princípio base nas relações entre os povos. E uma ousada desvalorização da moeda, por parte de um país, podia ser motivo doutro lhe mandar as suas frotas de guerra... Com o dinheiro não se brincava. Era um deus. Era o «bezerro de oiro» sob as espécies de libras, dólares, florins... Quem poderia duvidar de que uma libra seria eternamente uma libra, um dólar um dólar, um florim, um florim... com os seus respectivos poderes de compra?
É essa idolatria, possivelmente, que ainda pesa no espírito antigo dos que julgam dever erguer o prestígio da moeda por cima das exigências dum pleno anseio de viver. Todavia, de há muito, chegaram os tempos em que muitos se recusam a aceitar viver sobre uma modesta «percentagem». Para além do valor fixo dum produto o que interessa cada vez mais é a sua maior valia. Os americanos à frente, e logo os alemães e os ingleses atrás, todos compreenderam rapidamente a força desse poder novo de criação automática que se chama o Crédito.
Com o problema do Crédito resolvido para todos, tudo se torna possível. Trabalhar com entusiasmo e, gastar sem temor, tal passou a ser a divisa dos povos evoluídos.
Às traições do oiro se respondia com os pragmatismos fortes duma justa organização do Crédito. E o prestígio da moeda?... Um após outro os povos passaram a pagar em papel os seus cupões de valor oiro... outros, declararam que a sua moeda se desvalorizava dum terço, de metade, ou ainda mais...
O triunfo do Crédito, esse, era então definitivo. Ele marca uma ineludível viragem de História. Com efeito, se o primeiro dever do homem é produzir, o primeiro dever da comunidade será o de lhe assegurar as melhores possibilidades de o fazer. O Crédito é condição fundamental da produção.
Por isso, organizar o Crédito tornando-o acessível a quantos o precisam, é a própria justiça social que o reclama. Toda a produção – é sabido – está na razão directa dos investimentos de capital que ela puder encontrar. Assim, se asseguram os investimentos necessários às grandes empresas, justo é que às pequenas eles não faltem. Um verdadeiro plano de Fomento nacional não se poderá dirigir apenas, ou principalmente, a grandes concentrações de produção. É certo que estas podem dar maior rendimento em relação a cada trabalhador empregado nelas. Mas a justiça social manda que todos recebam equitativo impulso para produzir a riqueza de que forem capazes.
Qual é afinal o grande papel económico do Estado Moderno senão realizar os investimentos que criam ou desenvolvem as fontes de riqueza pública? E qual a função comunitária de todos os produtores de riqueza pública senão a de permitir pelo imposto que o Estado possa realizar esses investimentos? Recebe o Estado de todos, grandes e pequenos produtores, a sua parte de benefício; importa a todos portanto receber a sua parte de crédito. Organizar o Crédito, desenvolver o Crédito, eis o que nesta hora de crise da produção parece imperioso. Crédito para a lavoura, Crédito para a indústria, Crédito para o comércio. Crédito para cada ramo em particular, em condições e modalidades apropriadas às possibilidades e modo de vida de cada um. A lavoura, por exemplo, não pode sem grave risco de ruína, servir-se de créditos a curtos prazos. Por condição natural da sua produção, será necessário considerar para ela, modalidades de crédito em que intervenha muito mais o factor tempo do que noutras produções em que o capital investido mais rapidamente se realiza. Sabe-se como os bancos, por essa mesma razão, têm tendência de preferir à Lavoura, para suas operações de crédito, outras produções de rendimento mais rápido.
Seja como for, essencial se mostra, que, para enfrentar as crises, se impõe, acima de tudo, organizar o Crédito para todos. Este é o ponto de partida.
Vão chegar os tempos novos do Mercado Comum. Ninguém duvida de como eles seriam para nós a catástrofe se nos encontrassem antiquados e em crise. E sabe-se como é possível actualizar-nos e prosperar, sem que se dominem primeiro as condições presentes.
É tempo de considerar as realidades e de, para além das traições do oiro, realizar a eficiência do Crédito.
(In Francisco Rolão Preto, Inquietação, 1963)
Relacionado
1925 - Rolão Preto - A Política Social da Monarquia Orgânica
1934 - Salazar e a proibição do Nacional-Sindicalismo
1945 - Francisco Rolão Preto - A traição burguesa
1945 - Rolão Preto - Contra o Fascismo: "Tudo pelo Homem, nada contra o Homem"
1963 - Francisco Rolão Preto - A Alma
1963 - Francisco Rolão Preto, Inquietação, Para além das traições do oiro
1995 - Mário Saraiva - No Centenário de Rolão Preto
2001 - "Estado Novo" e Fascismo versus Nacional-Sindicalismo, em debate
Os problemas económicos, têm sempre a sua oportunidade, mormente, nas épocas de crise como esta que o país está sofrendo.
De toda a parte, com efeito – indústria, lavoura, comércio – se apresentam inquietações, se mostra bem rasgada a grande chaga dum incerteza económica que dia a dia se torna maior e mais angustiante. De toda a parte se pergunta pelas razões de confiar e, os seus caminhos, neste misterioso e enervante mundo moderno desencadeado.
Duma coisa nos devemos todos certificar como ponto de partida: a confiança nos destinos. Jamais será portador de soluções o pessimismo metódico de alguns. Dizer mal não chega.
Pôr as mãos detrás da nuca e deitar-se às funduras do rio, é saída simiesca, não é solução de homens.
Criar novas perspectivas, procurar caminhos novos, eis o papel dos que enfrentam o futuro com a decisão dum dever.
Insista-se pois.
Um caminho novo, exige desde logo, a resolução de o rasgar largo e com boas rectas, limpando-lhe as proximidades de embaraçosos silveirais e velhos rochedos que, são todos os preconceitos com que vetustas doutrinas teimam em entravar a marcha dos tempos. Um caminho novo não pode, evidentemente, caber nos limites duma velha ratoeira por onde se esfalfava outrora a carripana da «mala posta»...
A «Mala Posta» ... A Tradição venerável... As ideias de há 50 anos a florirem de eterna sabedoria para «salvação» dos povos!... Como elas têm a vida dura, essas ideias, para além das derrocadas de duas guerras em que tanta coisa para sempre se perdeu e outra nasceu! Mas não. Lá embandeiram em arco os capitalismos. Moeda sã... Consolidação da moeda...
Haverá para o capitalismo coisa mais bela que um monte de oiro em reluzentes lingotes amontoado, na cave dum Banco, para segurança duma fantasia atrás da qual se esconde a sua rapace usura?
Produzir e poupar...
Entretanto, o novo caminho tem de ser de facto uma larga estrada onde todos tenham a sua marcha assegurada, grandes e pequenos, carros e peões. E, aí logo se vê o absurdo dos que teimam meter o mundo novo dentro do condicionalismo dum velho mundo de que não consegue libertar-se. Orgulhosos de uma sabedoria que assentava em postulados hoje largamente ultrapassados, não querem reconhecer os imperativos duma sabedoria nova por não terem de confessar que nem tudo sabiam.
Por isso insistem em impor-nos o seu culto das fórmulas do passado. E, no entanto, a «Bela Época» vai distante...
Depois de Keynes ninguém voltou a aprender economia política nos livros de Leroy-Beaulieu. Que nos mostravam eles? Mostravam-nos que a quase totalidade das grandes fortunas francesas era fruto da economia pé-de-meia. Bem poucas tinham resultado de invenções ou de novos métodos de trabalho. No que diz respeito à fama artística – literatura, teatro, pintura – tirante a glória, avaliava-se em um por cento os que faziam fortuna. Uma fortuna familiar levava, em regra, três gerações, para se poder formar com segurança e, isto, com a ajuda ainda de alguns casamentos de conveniência... Mesmo na burguesia bem instalada, a ideia de vir a ser «rico de verdade» não era senão um vago anseio, uma hipótese optimista à mercê dos caprichos da sorte.
Marcel Prevost contava que essa hipótese em geral só era considerada por brincadeira... Era, como depois se viria a dizer: «Quando me sair a sorte grande»... É verdade que tão improvável era para a maioria da burguesia, a riqueza como a ruína. Era o tempo em que se considerava inflexível o crédito das grandes Nações. Ninguém se aventurava para além dos fundos ou obrigações garantidas pelo Estado, e por isso se responsabilizavam os Estados pelos desastres das grandes empresas. A catástrofe financeira do Panamá não derrubara quase a terceira República francesa?... A estabilidade económica era então a regra. Um chefe de família, podia com certo rigor, prever em determinada altura da vida o que viriam a possuir os seus filhos vinte anos depois... A segurança do valor do dinheiro era mesmo um princípio base nas relações entre os povos. E uma ousada desvalorização da moeda, por parte de um país, podia ser motivo doutro lhe mandar as suas frotas de guerra... Com o dinheiro não se brincava. Era um deus. Era o «bezerro de oiro» sob as espécies de libras, dólares, florins... Quem poderia duvidar de que uma libra seria eternamente uma libra, um dólar um dólar, um florim, um florim... com os seus respectivos poderes de compra?
É essa idolatria, possivelmente, que ainda pesa no espírito antigo dos que julgam dever erguer o prestígio da moeda por cima das exigências dum pleno anseio de viver. Todavia, de há muito, chegaram os tempos em que muitos se recusam a aceitar viver sobre uma modesta «percentagem». Para além do valor fixo dum produto o que interessa cada vez mais é a sua maior valia. Os americanos à frente, e logo os alemães e os ingleses atrás, todos compreenderam rapidamente a força desse poder novo de criação automática que se chama o Crédito.
Com o problema do Crédito resolvido para todos, tudo se torna possível. Trabalhar com entusiasmo e, gastar sem temor, tal passou a ser a divisa dos povos evoluídos.
Às traições do oiro se respondia com os pragmatismos fortes duma justa organização do Crédito. E o prestígio da moeda?... Um após outro os povos passaram a pagar em papel os seus cupões de valor oiro... outros, declararam que a sua moeda se desvalorizava dum terço, de metade, ou ainda mais...
O triunfo do Crédito, esse, era então definitivo. Ele marca uma ineludível viragem de História. Com efeito, se o primeiro dever do homem é produzir, o primeiro dever da comunidade será o de lhe assegurar as melhores possibilidades de o fazer. O Crédito é condição fundamental da produção.
Por isso, organizar o Crédito tornando-o acessível a quantos o precisam, é a própria justiça social que o reclama. Toda a produção – é sabido – está na razão directa dos investimentos de capital que ela puder encontrar. Assim, se asseguram os investimentos necessários às grandes empresas, justo é que às pequenas eles não faltem. Um verdadeiro plano de Fomento nacional não se poderá dirigir apenas, ou principalmente, a grandes concentrações de produção. É certo que estas podem dar maior rendimento em relação a cada trabalhador empregado nelas. Mas a justiça social manda que todos recebam equitativo impulso para produzir a riqueza de que forem capazes.
Qual é afinal o grande papel económico do Estado Moderno senão realizar os investimentos que criam ou desenvolvem as fontes de riqueza pública? E qual a função comunitária de todos os produtores de riqueza pública senão a de permitir pelo imposto que o Estado possa realizar esses investimentos? Recebe o Estado de todos, grandes e pequenos produtores, a sua parte de benefício; importa a todos portanto receber a sua parte de crédito. Organizar o Crédito, desenvolver o Crédito, eis o que nesta hora de crise da produção parece imperioso. Crédito para a lavoura, Crédito para a indústria, Crédito para o comércio. Crédito para cada ramo em particular, em condições e modalidades apropriadas às possibilidades e modo de vida de cada um. A lavoura, por exemplo, não pode sem grave risco de ruína, servir-se de créditos a curtos prazos. Por condição natural da sua produção, será necessário considerar para ela, modalidades de crédito em que intervenha muito mais o factor tempo do que noutras produções em que o capital investido mais rapidamente se realiza. Sabe-se como os bancos, por essa mesma razão, têm tendência de preferir à Lavoura, para suas operações de crédito, outras produções de rendimento mais rápido.
Seja como for, essencial se mostra, que, para enfrentar as crises, se impõe, acima de tudo, organizar o Crédito para todos. Este é o ponto de partida.
Vão chegar os tempos novos do Mercado Comum. Ninguém duvida de como eles seriam para nós a catástrofe se nos encontrassem antiquados e em crise. E sabe-se como é possível actualizar-nos e prosperar, sem que se dominem primeiro as condições presentes.
É tempo de considerar as realidades e de, para além das traições do oiro, realizar a eficiência do Crédito.
(In Francisco Rolão Preto, Inquietação, 1963)
Relacionado
1925 - Rolão Preto - A Política Social da Monarquia Orgânica
1934 - Salazar e a proibição do Nacional-Sindicalismo
1945 - Francisco Rolão Preto - A traição burguesa
1945 - Rolão Preto - Contra o Fascismo: "Tudo pelo Homem, nada contra o Homem"
1963 - Francisco Rolão Preto - A Alma
1963 - Francisco Rolão Preto, Inquietação, Para além das traições do oiro
1995 - Mário Saraiva - No Centenário de Rolão Preto
2001 - "Estado Novo" e Fascismo versus Nacional-Sindicalismo, em debate