Salazar e a proibição do Nacional-sindicalismo
Em 16 de Julho de 1933, Francisco Rolão Preto pronunciou um discurso muito crítico do nascente Estado Novo. O capitão Correia de Campos, nacional-sindicalista, profere uma conferência no Teatro São Carlos. Rolão Preto está entre a assistência e é aclamado, pronunciando então um discurso muito aplaudido. No livro Para além da Revolução... A Revolução - Entrevistas (1940, pp. 126-127), Plácido Barbosa reproduz palavras significativas, visando o chefe do Governo, Oliveira Salazar (negrito acrescentado):
"pesam sobre nós as velhas teorias financeiras, os absurdos conceitos económicos, em nome dos quais o homem é escravo da Plutocracia, da Usura e do Estado.
A economia moderna tem de assentar sobre a Justiça, isto é sobre o Trabalho.
Todas as autoridades devem ser protegidas e reforçadas pela comunidade nacional. Assim o homem será livre dentro da solidariedade. A liberdade é essencial à marcha do mundo.
Por isso nós estamos para além do Comunismo, que é a escravidão do homem em proveito do indivíduo; para além do Fascismo que é a escravidão do homem em proveito do Império.
Nós, ao contrário, queremos o indivíduo no quadro da família, em proveito do homem, o indivíduo no quadro do sindicato em proveito e reforço do homem; o indivíduo no quadro da nação em proveito e garantia do homem.
Cada um desses quadros é um circulo de liberdade que protege o homem contra a vontade arbitrária de tiranos".
Foi o último discurso de Rolão Preto como chefe do Nacional-Sindicalismo (NS), antes da sua prisão e desterro para Espanha. O Governo começa por agir sobre o jornal Revolução e, poucos dias depois, em 24 de Julho, é anunciada a sua suspensão forçada. Saíram apenas mais três números, o último dos quais (nº 418) no dia 23 de Setembro. Em Novembro, a contra ofensiva dos Salazaristas prossegue no seio do próprio Nacional-Sindicalismo, manifestando-se no seu Congresso através de José Cabral, aí apoiado por um minoria que incluía Eusébio Tamagnini, José Carlos Moreira, Amaral Pyrrait, Abílio Pinto de Lemos, Castro Fernandes. Foram derrotados no Congresso mas, no início de Março de 1934, Manuel Múrias passa a publicar A Revolução Nacional em ruptura com a chefia de Rolão Preto e Alberto Monsaraz. Em Junho, após o assalto e encerramento das sedes do Nacional-Sindicalismo em Lisboa, Porto e Bragança, Rolão Preto envia uma representação ao Presidente da República, general Carmona, voltando a colocar o problema do Regime de Partido Único - tipicamente fascista - preconizando a constituição de um Governo Nacional com a participação de todas as tendências políticas nacionalistas. [Representação ao Presidente da República, em 20 de Junho de 1934].
Em 10 de Julho, Rolão Preto e Alberto Monsaraz são detidos e expulsos para Espanha. Em 29 de Julho, Oliveira Salazar proíbe o MNS através de uma "Nota Oficiosa - Aos nacionais-sindicalistas" distribuída pela imprensa diária, no mesmo passo convidando os seus elementos a aderir à sua União Nacional ou, sendo estudantes, à Acção Escolar de Vanguarda (AEV, precursora da Mocidade Portuguesa). A referida nota oficiosa incluía promessas e ameaças, mas deixava também tombar sarcasmo e ironia, cortina de fumo para os mais incautos: o chefe de um Governo que forçava o estabelecimento de um regime de Partido Único em Portugal, imitando o bolchevismo e os fascismos europeus, dizia que o MNS "se inspirava em certos modelos estrangeiros”.
Sob a presidência de Eusébio Tamagnini, reuniu dias depois o directório do MNS, aprovando uma moção de adesão à União Nacional de Salazar. Estava consumado o desmantelamento do NS. Os integralistas Alberto Monsaraz e Rolão Preto, que tinham mobilizado muitos jovens das Academias, são então abandonados por Dutra Faria, Ramiro Valadão, Pires de Lima, entre outros. Cabral de Moncada abandonou a política. Fiéis ao ideário das liberdades, preconizadas pelos mestres do integralismo, permaneceram Garcia Domingues, António Pedro, Alçada Padez, António Lepierre Tinoco. Apesar do desterro de Rolão Preto e Alberto Monsaraz, e da censura à imprensa, a nota oficiosa de Salazar não ficou sem resposta. A Junta de Acção Nacional-Sindicalista emitiu então o seguinte comunicado, em 12 pontos, no qual se desfazem os erros e as insídias da nota oficiosa do Governo, reafirmando "as características do Nacionalismo Português, tradicionalmente incompatível com a divinização do Estado e cioso das prerrogativas e liberdades essenciais da personalidade humana."
28 de Abril de 2024 - J.M.Q.
"pesam sobre nós as velhas teorias financeiras, os absurdos conceitos económicos, em nome dos quais o homem é escravo da Plutocracia, da Usura e do Estado.
A economia moderna tem de assentar sobre a Justiça, isto é sobre o Trabalho.
Todas as autoridades devem ser protegidas e reforçadas pela comunidade nacional. Assim o homem será livre dentro da solidariedade. A liberdade é essencial à marcha do mundo.
Por isso nós estamos para além do Comunismo, que é a escravidão do homem em proveito do indivíduo; para além do Fascismo que é a escravidão do homem em proveito do Império.
Nós, ao contrário, queremos o indivíduo no quadro da família, em proveito do homem, o indivíduo no quadro do sindicato em proveito e reforço do homem; o indivíduo no quadro da nação em proveito e garantia do homem.
Cada um desses quadros é um circulo de liberdade que protege o homem contra a vontade arbitrária de tiranos".
Foi o último discurso de Rolão Preto como chefe do Nacional-Sindicalismo (NS), antes da sua prisão e desterro para Espanha. O Governo começa por agir sobre o jornal Revolução e, poucos dias depois, em 24 de Julho, é anunciada a sua suspensão forçada. Saíram apenas mais três números, o último dos quais (nº 418) no dia 23 de Setembro. Em Novembro, a contra ofensiva dos Salazaristas prossegue no seio do próprio Nacional-Sindicalismo, manifestando-se no seu Congresso através de José Cabral, aí apoiado por um minoria que incluía Eusébio Tamagnini, José Carlos Moreira, Amaral Pyrrait, Abílio Pinto de Lemos, Castro Fernandes. Foram derrotados no Congresso mas, no início de Março de 1934, Manuel Múrias passa a publicar A Revolução Nacional em ruptura com a chefia de Rolão Preto e Alberto Monsaraz. Em Junho, após o assalto e encerramento das sedes do Nacional-Sindicalismo em Lisboa, Porto e Bragança, Rolão Preto envia uma representação ao Presidente da República, general Carmona, voltando a colocar o problema do Regime de Partido Único - tipicamente fascista - preconizando a constituição de um Governo Nacional com a participação de todas as tendências políticas nacionalistas. [Representação ao Presidente da República, em 20 de Junho de 1934].
Em 10 de Julho, Rolão Preto e Alberto Monsaraz são detidos e expulsos para Espanha. Em 29 de Julho, Oliveira Salazar proíbe o MNS através de uma "Nota Oficiosa - Aos nacionais-sindicalistas" distribuída pela imprensa diária, no mesmo passo convidando os seus elementos a aderir à sua União Nacional ou, sendo estudantes, à Acção Escolar de Vanguarda (AEV, precursora da Mocidade Portuguesa). A referida nota oficiosa incluía promessas e ameaças, mas deixava também tombar sarcasmo e ironia, cortina de fumo para os mais incautos: o chefe de um Governo que forçava o estabelecimento de um regime de Partido Único em Portugal, imitando o bolchevismo e os fascismos europeus, dizia que o MNS "se inspirava em certos modelos estrangeiros”.
Sob a presidência de Eusébio Tamagnini, reuniu dias depois o directório do MNS, aprovando uma moção de adesão à União Nacional de Salazar. Estava consumado o desmantelamento do NS. Os integralistas Alberto Monsaraz e Rolão Preto, que tinham mobilizado muitos jovens das Academias, são então abandonados por Dutra Faria, Ramiro Valadão, Pires de Lima, entre outros. Cabral de Moncada abandonou a política. Fiéis ao ideário das liberdades, preconizadas pelos mestres do integralismo, permaneceram Garcia Domingues, António Pedro, Alçada Padez, António Lepierre Tinoco. Apesar do desterro de Rolão Preto e Alberto Monsaraz, e da censura à imprensa, a nota oficiosa de Salazar não ficou sem resposta. A Junta de Acção Nacional-Sindicalista emitiu então o seguinte comunicado, em 12 pontos, no qual se desfazem os erros e as insídias da nota oficiosa do Governo, reafirmando "as características do Nacionalismo Português, tradicionalmente incompatível com a divinização do Estado e cioso das prerrogativas e liberdades essenciais da personalidade humana."
28 de Abril de 2024 - J.M.Q.
Nacional-Sindicalismo
Camaradas:
Tendo por missão substituir o Chefe do Movimento durante o período, que esperamos seja curto, do seu desterro, cumpre-nos apreciar a lamentável nota oficiosa assinada pelo Chefe do actual Governo e publicada nos jornais de 29. Essa nota constitui, sem dúvida, um dos mais infelizes documentos emanados dum homem público com as responsabilidades do Dr. Salazar e revela o mais claro e absoluto desconhecimento da doutrina e das intencões do Movimento N. S. bem como do momento histórico europeu que estamos vivendo.
Sem já falar na deselegância moral dum ataque por parte de quem se oculta e esconde de trás da Censura, afim de garantir-se contra a justiça de qualquer possível resposta, limitar-nos-emos a rectificar com serenidade, embora resumidamente e dentro das condições odiosas que nos são impostas, os erros e as insídias que na referida nota se contêm.
Eis o presente. O Futuro não diz o Dr. Salazar qual entende que seja. A avaliar pelo Presente devera confundir-se singularmente com o Passado.
"Depois de mim o Dilúvio...", pensa o Ditador. Não pensa assim a Mocidade Portuguesa, nem aquela geração precursora que se não resigna a que os seus esforços se destruam e percam ante as fantasias mirabolantes e o teimoso orgulho dum governante ocasional.
Nas fileiras do N. S., trincheira do Espírito que se não rende, todos os Portugueses, seja qual for o seu credo politico, podem continuar a pensar e a sentir livremente. Aqueles que não queiram, por ganância, indiferença ou comodismo, fechar os olhos às inquietações de Amanhã, é junto de nós que têm o seu lugar.
Portugal continua... Em frente.
Lisboa, Agosto de 1934.
A JUNTA DE ACÇÃO N. S.
(negritos acrescentados)
Tendo por missão substituir o Chefe do Movimento durante o período, que esperamos seja curto, do seu desterro, cumpre-nos apreciar a lamentável nota oficiosa assinada pelo Chefe do actual Governo e publicada nos jornais de 29. Essa nota constitui, sem dúvida, um dos mais infelizes documentos emanados dum homem público com as responsabilidades do Dr. Salazar e revela o mais claro e absoluto desconhecimento da doutrina e das intencões do Movimento N. S. bem como do momento histórico europeu que estamos vivendo.
Sem já falar na deselegância moral dum ataque por parte de quem se oculta e esconde de trás da Censura, afim de garantir-se contra a justiça de qualquer possível resposta, limitar-nos-emos a rectificar com serenidade, embora resumidamente e dentro das condições odiosas que nos são impostas, os erros e as insídias que na referida nota se contêm.
- — O Movimento N. S. nunca se inspirou, nem tinha que inspirar-se em ideologias de modelos estrangeiros, fundada como foi por nacionalistas portuguêses, cuja doutrina é anterior, não só à dos homens do Govêrno e à sua «União Nacional» — o que seria pouco em verdade — como também à doutrinação fascista e nazista, ou a qualquer outro aspecto de Revolução Nacionalista na Europa.
- — O Movimento N. S. não copiou, nem nada tinha que copiar, de movimentos estrangeiros, a sua Exaltação da Mocidade, pois sempre o Nacionalismo Português se dirigiu de preferência à Mocidade e sempre encontrou nessa exaltação criadora as melhores possibilidades da sua marcha triunfal.
- — O Movimento N. S. aceitou a técnica da acção facista por se ter revelado, na prática, a mais eficaz. Todavia, se uniformizou e militarizou os seus filiados, fê-lo bem anteriormente e em outras condições morais à constituição, por parte do actual Governo, da sua A. E. V. (Acção Escolar de Vanguarda). Para a organização de esta não surge, por milagre, a objecção, contra nós formulada, na nota oficiosa, de ser desnecessário agremiar milícias para defender a propaganda... existindo como existe o Exército, a quem parece prestarem-se, à última hora, desusadas homenagens.
- — O Movimento N. S. não comporta na sua ideologia erros de doutrina, como se insinua sem se poder provar. Tem a sua doutrina, com a qual é lícito concordar ou não concordar, mas sobre a qual só o julgamento do futuro poderá, com justiça, pronunciar-se.
- — O Movimento N. S. possue a sua táctica. Na nota oficiosa parece confundir-se, absurdamente, táctica com estratégia.
- — O Movimento N. S. não podia aceitar, como expressão definitiva do momento nacionalista, uma Constituição que não É executada, nem respeitada e que tem todo o carácter de provisório, como o próprio Chefe do actual Governo acentuou no Congresso da «União Nacional» em Maio passado, declarando-a resultado dum conjunto de circunstâncias de momento e já susceptível de revisão.
- — O Movimento N. S. também nunca admitiu, como definição do Pensamento Nacionalista, as bases orgânicas dum grupo eclético, sem consciência nem coesão, agregado ocasional composto do rebotalho dos partidos para a conquista de lugares públicos on duma futura representação eleitoral.
- — O Movimento N. S. marcou, desde a primeira hora, a sua posição doutrinária para além do Fascismo, do Hitlerismo e do Comunismo, definindo as características do Nacionalismo Português, tradicionalmente incompatível com a divinização do Estado e cioso das prerrogativas e liberdades essenciais da personalidade humana. Para salvar os Portugueses, dignificando-os, não é preciso que a Nação se transforme em roça de ninguém.
- — O Movimento N. S. discordou sempre do decalco, feito pelo Chefe do actual Governo, da formula mussolinica: — tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado. Apesar de se haver habilidosamente substituído a palavra Estado pela palavra Nação, é bem evidente que, na prática, as duas formulas se identificam. Igualmente sempre discordou das corporações à italiana, adoptadas por Salazar segundo uma modalidade antiquada, que a própria Itália ja ultrapassou.
- — O Movimento N. S. ao contrário do Dr. Salazar e dos seus modêlos estrangeiros, considera a Nação como o meio natural de garantir o livre desenvolvimento da personalidade dos Portugueses e não como fim de si própria, como divindade sacrificadora dos seus filhos.
- — O Movimento N. S. constituiu-se como escola de acção e propaganda, destinada a criar mentalidade e ambiente colectivo para a Revolução Nacional dos Trabalhadores. Não visava à conquista do Estado pelos seus homens, mas sim à conquista do Estado pelas suas ideias. Perseguidos os homens, por não quererem renunciar à independência da sua crítica, falseadas as ideias por aqueles que tinham interesse em deturpa-las para as perder, o Nacional Sindicalismo vê-se agora obrigado a aceitar a defesa em todos os campos, respondendo altivamente ao desafio para uma luta que não provocou.
- — O Movimento N. S. constata, e com êle o País, que o actual Presidente do Ministério, que ainda em Maio passado combatia o Estado Totalitário, pretende agora reduzir o Nacionalismo Português a um vago partido único, o que é, sem dúvida, a principal característica da referida forma totalitária do Estado. Constata ainda que esse partido único é a chamada "União Nacional", que todo o País conhece como o mais inglório, o mais instável e mais pernicioso agregado de politicantes caciques, vindos dos velhos partidos monárquicos e republicanos, imbuídos de todos os defeitos e ambições que provocaram a reacção nacionalista de 28 de Maio.
Eis o presente. O Futuro não diz o Dr. Salazar qual entende que seja. A avaliar pelo Presente devera confundir-se singularmente com o Passado.
"Depois de mim o Dilúvio...", pensa o Ditador. Não pensa assim a Mocidade Portuguesa, nem aquela geração precursora que se não resigna a que os seus esforços se destruam e percam ante as fantasias mirabolantes e o teimoso orgulho dum governante ocasional.
Nas fileiras do N. S., trincheira do Espírito que se não rende, todos os Portugueses, seja qual for o seu credo politico, podem continuar a pensar e a sentir livremente. Aqueles que não queiram, por ganância, indiferença ou comodismo, fechar os olhos às inquietações de Amanhã, é junto de nós que têm o seu lugar.
Portugal continua... Em frente.
Lisboa, Agosto de 1934.
A JUNTA DE ACÇÃO N. S.
(negritos acrescentados)
Relacionado / Referências.
Francisco Rolão Preto, 1893-1977
1933 - Francisco Rolão Preto - Salazar e a sua época
1933-07-25 - Princípios do Nacional-Sindicalismo
1936 - Francisco Rolão Preto - Justiça!
1945 - Rolão Preto - "Tudo pelo Homem, nada contra o Homem"
1953 - Francisco Rolão Preto - "Tudo pelo Homem nada contra o Homem"
1959 - Entrevista a Francisco Rolão Preto
1963 - Francisco Rolão Preto - "A Alma"
1995 - Mário Saraiva - No Centenário de Rolão Preto
Francisco Rolão Preto, 1893-1977
1933 - Francisco Rolão Preto - Salazar e a sua época
1933-07-25 - Princípios do Nacional-Sindicalismo
1936 - Francisco Rolão Preto - Justiça!
1945 - Rolão Preto - "Tudo pelo Homem, nada contra o Homem"
1953 - Francisco Rolão Preto - "Tudo pelo Homem nada contra o Homem"
1959 - Entrevista a Francisco Rolão Preto
1963 - Francisco Rolão Preto - "A Alma"
1995 - Mário Saraiva - No Centenário de Rolão Preto