JUSTIÇA!
Rolão Preto
Francisco Rolão Preto, Justiça!, Lisboa (Impresso em Leiria, na Tipografia Leiriense), 1936.
(edição original do livro integralmente digitalizada)
(edição original do livro integralmente digitalizada)
O principal propósito deste livro foi o de desenvolver e aprofundar a "Doutrina da Revolução" que Rolão Preto vinha defendendo desde a publicação de A Monarquia é a Restauração da Inteligência (1920), e que vem a constituir nos anos de 1930 as grandes linhas de uma QUARTA-VIA, PERSONALISTA E COMUNITÁRIA, por si defendida através do Nacional-Sindicalismo (1932-1936), para além do demo-liberalismo partidocrático, do comunismo e do fascismo.
Rolão Preto rejeitou aqui tanto o Liberalismo como os estatismos totalitários do Século XX: o Comunismo e o Fascismo (incluindo a variante portuguesa no regime do Estado Novo). As suas reflexões tratam do estatismo e do totalitarismo em geral, mas o principal visado foi o recém-instalado regime de Oliveira Salazar. Este livro foi apreendido pela polícia do Governo.
A tese central deste livro é a de que o poder do Estado só é legítimo quando limitado pelos direitos de natureza humana; - "a justiça só em verdade começa onde o Estatismo acaba" (p. 90) Segundo Rolão Preto, "há no Estado, duas condições essenciais, de diverso sentido a realizar: legítima representação da comunidade, garantia dos direitos da Pessoa humana." (p. 91)
A Revolução preconizada por Rolão Preto está para além da Revolução, isto é, está para além dos ideários saídos da Revolução de 1789, cuja última expressão surgiu por intermédio de Benito Mussolini que, em 1932, ao definir a sua doutrina, escreveu: "O fascismo dos escombros das doutrinas liberais, socialistas e democráticas, extrai aqueles elementos que ainda têm valor de vida. (1932 - Benito Mussolini - Fascismo). O Fascismo, segundo o seu criador, era o mais recente e o melhor rebento do pensamento saído da Revolução de 1789. Rolão Preto não reconhece haver elementos com valor de vida nos vários rebentos ideológicos saídos dessa Revolução - Democratismo, Socialismo, Comunismo e Fascismo.
Estamos perante um projecto político com origem no pensamento contra-revolucionário do Integralismo Lusitano, mas que se transforma em projecto de Revolução através do Movimento Nacional-Sindicalista, quando se dão conta do fracasso da acção militar que tinham ajudado a lançar em 28 de Maio de 1926. Com a influência e a participação do Integralismo Lusitano por duas vezes se tentou, e falhou, o desencadear de uma Revolução Nacional, de matriz comunitária (municipal e sindical).
O presidente Sidónio Pais, com a colaboração dos integralistas, em 1918, projectara uma "República Nova" contemplando uma representação profissional e regional da República. Foi assassinado.
Após a derrota militar da Monarquia do Norte e de Monsanto (Lisboa), em 1919, a Junta Central do Integralismo Lusitano adoptou um programa de ação revolucionário visando o derrube do regime oligárquico da 1ª República. O rei deposto e exilado pelo golpe militar de 5 de Outubro de 1910, D. Manuel II, não aceitou a via revolucionária proposta pelos integralistas, desligando-se estes da sua obediência. Após alguns ensaios, em 28 de Maio de 1926 a via revolucionária acabou por ter sucesso, manu militare, sendo apresentado pelo general Gomes da Costa, em 14 de Junho, um projecto constitucional, escrito com o contributo dos integralistas Hipólito Raposo, Afonso Lucas e Pequito Rebelo, onde se previa uma representação da República por delegação directa dos Municípios e das Corporações. Em Julho, o general Gomes da Costa foi preso e deportado para os Açores.
Após o afastamento do general Gomes da Costa, os chefes da Ditadura Militar fizeram eleger o general Óscar Carmona para a presidência da República, que virá a entregar a Oliveira Salazar a chefia do Governo e a condução do processo de institucionalização de um novo regime.
Em Julho de 1930, Salazar disse pretender construir um "Estado social e corporativo", abandonando a ficção partidária para instituir uma representação da Nação no Estado baseada nas realidades sociais (famílias, freguesias, municípios, corporações) [1930 - Oliveira Salazar - Princípios Fundamentais da Revolução Política]. A Constituição de 1933 virá, porém, a acolher a referida ficção partidária, segundo o projecto bicamaral da Seara Nova - Câmara Legislativa de Partidos e Câmara Corporativa Consultiva. Foi contra esse projecto da Seara Nova, modificado por Salazar sob a influência do Fascismo, que o Movimento Nacional-Sindicalista de Rolão Preto e Alberto Monsaraz se levantou em defesa das liberdades cívicas e de uma representação municipal e sindical.
Em Julho de 1934, Rolão Preto e Alberto Monsaraz foram presos e desterrados, sendo o Nacional-Sindicalismo proibido antes da farsa eleitoral de 16 de Dezembro. O livro Justiça! veio elucidar, com maior profundidade e desenvolvimento, em reacção ao estatismo totalitário de Oliveira Salazar, a raiz personalista e comunitária da sua doutrina e projecto político.
No cerne desta obra - Capítulo XI - Política da Personalidade, pp. 87-95 - Rolão Preto apresenta o conceito de "sociedade" como uma "pessoa de pessoas humanas", referindo Emmanuel Mounier [Révolution personnaliste et communautaire, 1935] como inspirador. Nessa altura, havia sintonia com os franceses da revista Esprit.
Segue, na íntegra, o livro Justiça!, digitalizado a partir da sua primeira edição, de 1936, após o que se acrescentam "apontamentos de leitura", com citações, destaques ou sublinhados (negritos), que poderão ajudar a esclarecer melhor o texto e o seu contexto.
[7 de Maio de 2024, J. M. Q.]
Capítulo I - Para onde vamos? - pp. 7-12:
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Apontamentos de leitura
"É difícil, por vezes, destrinçar os elementos do erro sincero, do tartufismo que se esconde nas almas e que, na mira de justificar situações, as inventa." (Justiça!, 1936, p. 30)
A obra apresenta três partes. Na Primeira Parte (pp. 7-42), Rolão Preto resume "as inquietações, os receios e a interrogação trágica das gerações revolucionárias" do seu tempo.
- PRIMEIRA PARTE
Capítulo I - Para onde vamos? (pp. 7-12)
O livro parte da dúvida angustiosa do Príncipe de Starhemberg diante do cadáver do chanceler Dolfuss, resumindo o "clamor aflitivo de uma época: – “Para onde vamos?” (p. 7)
A dúvida do príncipe austríaco resumia a incerteza geral. O Príncipe de Starhemberg (1899-1956) era o vice-chanceler da Áustria quando Engelbert Dollfus (1892-1934) foi assassinado, em 25 de Julho, numa tentativa falhada de golpe de Estado dos Nazis.
"Decerto, a História ensina-nos como cada um dos seus ciclos tem a sua origem numa linha de rotura que abrange as tradições, as leis e os conceitos de uma era. A novas épocas correspondem novas instituições, a ritmos novos correspondem novos anseios. Onde, porém, na História do Homem sobre a Terra, se conhece um momento de tanta vertigem, uma aceleração tão imprevista e tão violenta do ritmo da vida humana, como aquela que rege a cadência da sua agitação actual?
Razão, pois, tem a observação condicionada pelas regras críticas, criadas em cem anos de espírito burguês, para se mostrar alarmada e incerta na escolha do caminho que vai seguir o futuro.
Até que ponto a derrocada atingirá as próprias bases, já por tantos consideradas definitivas, duma civilização que era seu orgulho e sua benção?" (p. 10)
"Para onde vai o mundo", se ele nega os "princípios" do seu próprio equilíbrio e as directrizes do seu "livre desenvolvimento? Que "inconsciência" é essa dos homens, ou que "sopro nefasto" do espírito corre sobre a Terra, para que sejam eles próprios a destruir o edifício das suas instituições tão dura e caramente conquistadas?
Como se vão garantir as liberdades, quando se condena e avilta a Liberdade, acusando-a de inimiga do Homem?
Como defender a Igualdade, quando por toda a parte se erguem posições indiscutíveis?
Como vão os homens encaminhar-se para um futuro de paz e amizade, se a desconfiança ganha todos, como virtude essencial à segurança própria? (p. 11-12)
“Tal o estado de alma de tantos que, tendo erguido no peito um altar às ideologias políticas consagradas por mais de cem anos, anteveem, sinceramente, como uma catástrofe irremediável, os tempos novos que se aproximam e que eles julgam, igualmente com sinceridade, serem a negação das ideias essenciais que formam a estrutura moral da sua vida cívica.” (p. 12)
Capítulo II - A Injustiça (pp. 13-20)
“A culpa de todos os "males" que põem em risco a estabilidade das instituições e da moral social do nosso tempo - é preciso confessá-lo - provém sobretudo do pecado de injustiça em que os responsáveis conduziram a marcha do mundo” (p. 14)
Para Rolão Preto, a Injustiça no mundo contemporâneo tinha por base o "liberalismo":
“O “liberalismo” atraiçoou a Liberdade.” (p. 15)
(...)
O liberalismo tinha por missão económica criar um clima próprio a todas as iniciativas, produzir vida onde fosse possível ser produzida, destruir os privilégios que eram o obstáculo ao livre desenvolvimento do homem. Como cumpriu essa missão, e como se mostra a face da Terra depois que as suas directivas são a regra espiritual dos povos e seus dirigentes?
Dir-se-á que essa foi a traição dos homens, traição que, contrariando a intenção de justiça do sistema, criou um mundo que é o triunfo dos fortes sobre os fracos, um regime que é a escravidão do espírito sob o jugo do utilitarismo, uma sociedade que é a "ordem" sob o signo do lucro.” (p. 15)
“O capitalismo!... A injustiça do critério com que ele encarou a dignidade da Pessoa Humana! Bem mais do que nas regras por que se orienta como sistema económico, nele é condenável o atentado contra a moral social que permanentemente pratica. À sua sombra se criou um tipo novo de burguês, egoísta, rapace, limitado, ignaro, grosseiro burguês – que nada tem com o tipo medievo que lhe deu origem – e a quem o mercantilismo afinou os defeitos, em desabono das virtudes outrora tão grandes, postas em defesa do bem público. O ter assistido impotente à formação e engrandecimento dessa casta privilegiada das Democracias em decadência, que é a burguesia, só por si torna difícil a indulgência do julgamento que hoje tenha de se fazer ao Liberalismo.
Nunca o espírito sofreu mais dura opressão do que sob o signo, todo-poderoso, do bom senso burguês. Nunca se forjou contra a moral social-cristã e solidarista, que informa os anseios do homem moderno, mais nefasta cadeia de atentados.
Calculista e fria, porque ignorante dos valores morais da Personalidade, a ordem burguesa é, em todos os seus aspetos, anti-humana.
Não ampara ninguém, deixa cair os vencidos, para que os sobreviventes lhes partilhem os despojos; não exalta iniciativas, estrangula-as para que se mantenham os privilégios; não encaminha os que se perdem, elimina-os em nome duma regra a que chama virtude e que é apenas a consagração do egoísmo.” (pp. 16-17)
Não é a ordem que cria, é a ordem que esmaga. Não é a paz dos campos, cheia de rumores de vida estuante, de ação e liberdade; é a paz dos cemitérios, fria, dramática, assassina.
Anti-humana, a burguesia de hoje segue uma regra de vida, na qual raras vezes entra a consideração de fatores espirituais.
A burguesia é a usura. Tudo para ela se mede dentro do critério rigoroso do rendimento. O homem não vale, ou vale menos pelas suas qualidades criadoras e pelas suas virtudes sociais, do que pelo seu espírito “organizador”.
Fundar uma sociedade dando-lhe por base o cofre-forte, eis o ideal orientador do capitalismo burguês. Associar as possibilidades espirituais e materiais dos homens, num plano em que o bem de todos reforce o bem de cada um, assemelha-se a um contrassenso económico e um erro moral. Só o lucro individual é Rei. A sociedade solidarista é um entrave económico.”
Rolão Preto acusa os políticos e os burgueses, mas também o clero: a “traição máxima, essa do padre tocado pelo pecado da burguesia”.
“como é grande o quinhão que cabe ao clero! Decerto a “Rerum Novarum” e a “Quadragesimo anno” são já hoje proverbiais exemplos do clamor de Roma diante da injustiça... Quanto conformismo, porém, num clero que em grande parte aceita, sem um protesto vivo e forte, o esmagamento dos fracos pelos poderosos, o triunfo sem piedade dos muito ricos sobre os que nada têm.” (p. 18)
No computo geral, os militares são ainda quem em melhor percentagem conserva de virtudes cívicas. Rolão Preto pensava que a esperança seria, continuaria a ser, militar.
Capítulo III - Apologia de César (pp. 21-27)
Em Maio de 1936, o Estado Novo de Oliveira Salazar funcionava dentro de uma normalidade constitucional: em 1933, a Constituição fora aprovada por referendo (as abstenções contaram como votos a favor); nas eleições legislativas de 1934, o único partido legal do regime – a União Nacional - obtivera o pleno dos deputados na Câmara dos Partidos, designada "Assembleia Nacional". Nas vésperas dessas eleições, o Movimento Nacional-Sindicalista foi proibido por Salazar, sendo Rolão Preto preso e expulso para Espanha, onde em breve se iniciaria a Guerra Civil (1936-1939).
Ao passar-nos diante dos olhos este "Capítulo III - Apologia de César", nele se identifica o triunfo de Oliveira Salazar na criação do seu Estado Novo com o triunfo supremo de Syla, sem esquecer o seu séquito (a Salazarquia) onde se incluíram dissidentes do Integralismo Lusitano e do sucedâneo Movimento Nacional-Sindicalista.
Rolão Preto inicia o capítulo pela caracterização de Syla e dos que fazem a "apologia de César", "os convivas do banquete", os dissidentes da sua Revolução, "os reaccionários de todos os tempos" que sempre formam cortejo junto dos Césares vencedores:
"Enquanto os convivas do banquete, que consagrava o triunfo supremo de Syla, se entregavam totalmente ao delírio do festim, o Ditador romano - todos conhecem este traço singular do seu carácter - ia, friamente, anotando, naquela hora propícia a todas as indulgências, a lista trágica dos seus inimigos vencidos, que era preciso desterrar no dia seguinte...
Tal gesto, que define uma política e marca definitivamente uma personalidade, é apontado ainda hoje como um exemplo da vontade insensível de César, posta ao serviço de uma sociedade em perigo. Daqui tiram mesmo, os responsáveis da derrocada de velho mundo, a esperança de poder, a todo o tempo, opor ao assalto renovado dos "escravos" a "posição" e a insensibilidade de um Syla, duro salvador de privilégios. Assim, o clamor dos beneficiários da velha "ordem", proclamando a sua confiança num chefe impiedoso e forte, cujo orgulho se sobrepõe à justiça, confirma a opinião daqueles que os consideram refractários à lei de uma consciência "humanista" e cristã” (p. 21)
(...)
De certo, no corpo social (...) a função do chefe é uma exigência do equilíbrio do todo.
Equilibrar é, porém, forçar um dos braços da balança?
Todos aqueles que confundem a Justiça com a sua justiça, a Liberdade com a sua liberdade, o bem estar com o seu bem estar, todos esses saúdam em César, primeiro que tudo, o seu próprio triunfo.
(...)
Cortesãos, nunca leais conselheiros, são eles que formam todas as camarilhas que, pela trama tenaz da intriga sempre renovada, isolam o Poder da Nação, precipitando as catástrofes.
O chefe, como o regime que ele impõe ou garante, torna-se desta maneira, em breve tempo, coisa sua, e dela mantém o exclusivo, através duma luta na qual os escrúpulos não embaraçam a acção." (pp. 22-23)
Caracterizando o regime de Syla-César (Oliveira Salazar):
..."para curar os males do Liberalismo, cujo pior pecado foi não ter garantido as liberdades essenciais, cria-se um estatismo totalitário, que é o esmagamento completo dessas liberdades que urgia salvar.” (p. 24)
Mas, não estaria nesse Estado Novo de Oliveira Salazar algum eco da Revolução preconizada por Rolão Preto, como pretendiam os "convivas do banquete", os dissidentes do Integralismo e do Nacional Sindicalismo que ingressaram na União Nacional?
Rolão Preto colocou claramente a questão:
“Estatismo totalitário fundado sobre as conquistas do direito revolucionário?
De nenhuma forma.
O Direito da Revolução não preconiza o desequilíbrio, e muito menos a sobreposição dos Poderes. Ordena-os de outra maneira e dá-lhes uma base diferente.
Nunca, por exemplo, a Revolução comprometeria a independência do Poder Judicial sem se contradizer a si própria.
Não é, porém, a essência mesma da Revolução ultrapassar as posições jurídicas que ela veio encontrar?
Decerto. O Direito Revolucionário é a definição jurídica de uma nova ordem. Simplesmente, essa ordem deixaria de o ser, se se fundasse ao arbítrio pessoal fosse de quem fosse. Não há Direito, mesmo aquele que significa a rotina com apport jurídico do passado, que possa servir apenas a vontade incerta e perigosa de um homem (p. 24-25)
Capítulo IV - Ressurreição dos mortos (pp. 29-35)
Trata de um "singular paradoxo", uma "trágica ressurreição verificada em nossos dias":
Realizar a Revolução seria "reorganizar e dirigir supremamente, pela força, essa máquina social, dentro da qual o homem encontrará a "paz" e a "ordem"...
"Assim se justificam, em nome da Revolução, todos os estados totalitários que, do fascismo ao comunismo, se ergueram sobre as ruínas do individualismo... Singular paradoxo, esta trágica ressurreição verificada em nossos dias" (p. 32)
"Homem, Nação, Família, Sindicato, Corporação - todas as fórmulas a que o espírito revolucionário dá uma interpretação renovadora e forte - não tardam em perder, ao contacto do condicionalismo contra-revolucionário, todo o sentido e toda a sua fecundidade." (p. 32)
A ressurreição a que Rolão Preto se refere é no essencial a traição aos rigorosos conceitos que ele almejava através do que designa por "Revolução". Os totalitários podem falar de "Nação", "família", "sindicato", mas fazem-no sempre deturpando o seu fecundo alcance.- Onde Rolão Preto vê em a Nação "a forma superior de colectividade humana", "motivo vigoroso e fecundo de dinamismo e acção", veem os totalitários (que ele também designa por "reacionários") "um limite eternamente oposto ao desenvolvimento do homem e uma fórmula que justifica todos os atentados contra a sua liberdade"; a família, que Rolão Preto entende como "centro moral da personalidade, clima natural da sensibilidade humana, a quem a Revolução busca as condições duma justa e eficaz segurança", os totalitários vêm nela "uma posição que se mantém exclusivamente pelo interesse material, momentâneo e efémero, dos seus componentes"; o sindicato, que ele define como "unidade-base da orgânica revolucionária do trabalho, formação específica de profissionais, como órgão exclusivo de coordenação e justo interesse", é no totalitarismo "destinado a servir as intenções políticas do Estado, órgão submisso duma engrenagem em que se mantém, através da desigualdade de direitos e profissões, o status quo económico-social que a Revolução exactamente visa combater." (pp. 32-33)
O totalitário detecta-se não no que diz mas no que significa:
"Dizem "propriedade", pensam "capitalismo"; dizem patriotismo, pensam "exclusivismo"; dizem justiça, pensam "privilégio".
À Liberdade, opõem Nação; à Verdade, opõem Ordem; à Personalidade, opõem Estado" (p. 30)
O totalitarismo "que vem de longe, não oculta o propósito de fazer mais vítimas".
"É difícil, por vezes, destrinçar os elementos do erro sincero, do tartufismo que se esconde nas almas e que, na mira de justificar situações, as inventa." (p. 30)
Capítulo V - Autoridade e Liberdade (pp. 37- 42)
Reflexão a respeito da conciliação entre Autoridade e Liberdade.
"foi diante das traições que a fraqueza do Estado Liberal democrata cometeu para com a dignidade do homem, que se tornou possível a reacção que trouxe o reforço do Executivo, e atrás dele a exaltação do princípio da Autoridade, que entrara em plena decadência.
Daqui, o perfil duro e inflexível que a Revolução teria de mostrar na sua primeira fase - a fase anti-parlamentar e forte por excelência.
Mas este aspecto da Revolução é apenas um aspecto exterior e circunstancial, ou significa de facto a tradução de uma fórmula íntima, particular, inerente ao seu comando? (pp. 39-40)
Rolão Preto coloca-se do lado da Revolução e da Liberdade, mas e os seus companheiros de ontem nas jornadas do Integralismo e do Nacional-Sindicalismo?..
"os desertores das milícias da Revolução, que reforçaram depois, com fórmulas tiradas ao espírito revolucionário, a posição reacionária que aceitaram. Transfugas, batem-se no temor das represálias que o futuro lhe possa reservar, e são decerto os primeiros a exigir que o problema da Autoridade seja resolvido no sentido em que mais facilmente se sacrifique a Liberdade.
Para esses, deixou por certo de existir, na sua angustiante tirania, o debate espiritual que absorve a consciência revolucionária mantida fiel a si própria." (p. 41)
"As bases mais fortes do Estatismo: Censura prévia, irresponsabilidade ministerial, soberania indiscutível do poder executivo.
Pensar, escrever, falar, comandar, em nome da Nação e por ela, tal é a missão orgulhosa e única de que se arroga o Estatismo. Perante tal atitude, trágica seria a posição do Espírito se a aceitasse, pois seria confessar para a Inteligência um papel meramente negativo." (p. 42)
SEGUNDA PARTE
Nesta Segunda Parte, Rolão Preto, apresenta a sua doutrina Personalista, contrária ao Totalitarismo, fascista ou comunista.
Capítulo VI - Personalidade Humana e Grupo Social (pp. 45- 50)
Rolão Preto rejeita a "filosofia da acção" presente nos totalitarismos contemporâneos:
“por milagre de uma filosofia de ação, se julgou vencer os obstáculos, que afinal mais não fez do que tornear.”
Reconhecendo que o mundo moderno vive uma hora de preocupações indefinidas, numa hora de caos espiritual” (p. 47), coloca então uma questão que vinha sendo colocada por alguns pensadores na época – Deve o homem caminhar para o Ocidente ou para o Oriente?
“Para o Ocidente com Descartes, Wundt, Renan, Bergson, ou para o Oriente, com Kyserling, Guenon, com Tagore?” (p. 46)
O "apelo do Ocidente" - que Rolão Preto identifica na sequência de Descartes, para Wundt, Renan e Bergson, sugere-nos uma identificação do Ocidente com uma via filosófica que desemboca no intelectualismo. O "apelo do Oriente", citando Kyserling, Guénon e Tagore, sugere-nos a identificação do Oriente com uma via anti-intelectualista.
Para Rolão Preto, essa é uma questão ou dicotomia simplista. Mas era assim que alguns seus contemporâneos viam a relação entre Ocidente e Oriente, como vias contrárias, divergentes, ou mesmo opostas, sobretudo nos segundos, em visões que iam de Keyserling até Tagore. A perspetiva de Rolão Preto era distinta, tanto do intelectualismo como do anti-intelectualismo. A verdade não opõe verdades entre si. Para Rolão Preto, uma resposta contrária ao totalitarismo tanto está na Grécia como na Índia. No Ocidente, o caminho na direcção do totalitarismo é a visão do homem como “centro do mundo”, sendo necessário passarmos a ver o homem como “centro de si próprio”.
O ponto de partida filosófico do personalismo, rejeitando os totalitarismos:
“O homem centro do mundo, ultrapassado pelo homem centro de si próprio” (p. 48)
“Resumindo: o grupo social, seja qual for a sua força e a sua duração – tribo, clã, sindicato ou nação – nunca constitui um fim em si próprio, mas sim o meio necessário para que a pessoa humana possa atingir o seu destino sobre a Terra.
Civilização, quer dizer, personalidade humana” (p. 50)
Capítulo VII - Personalidade e Individualismo (pp. 51- 60)
Capítulo VIII - Dignidade do Homem (pp. 61- 64)
Capítulo IX - Factores da Dignidade Humana (pp. 65-72)- A Família
- Capítulo X - Factores da Dignidade Humana (pp. 73-84)
- O Trabalho
TERCEIRA PARTE
Capítulo XI - Política da Personalidade (p. 87-95)
Rolão Preto rejeita o Fascismo e, de uma forma geral, todos os Estatismos.
Na página 90, assinala o conceito de Sociedade como "Pessoa de pessoas" de Emmanuel Mounier, Révolution personnaliste et communautaire (Paris, 1935).
É uma referência fundamental do pensamento anti-fascista dos anos de 1930. Além do livro de Mounier, e para uma melhor compreensão do contexto em que se define o seu personalismo cristão, reagindo aos totalitarismos fascista e comunista, poderá também ser lido com proveito, entre outros, o texto de Mounier na revista Esprit, de Fevereiro de 1936, onde aborda os princípios de uma educação personalista e, em particular, a sua 5ª secção acerca da "Sociedade Política", onde defende o projecto de uma "democracia personalista" - distante, tanto do fascismo como da "democracia liberal e parlamentar" - e remetendo também para Jacques Maritain, Humanisme integral (Paris, 1936).
TUDO PELO HOMEM (p. 88)
A dispersão individualista do Liberalismo conduz à tirania dos fortes sobre os fracos.
O Poder discricionário, em sistemas de forte estatismo, conduz à tirania de um homem ou de um grupo sobre a nação.
Fórmula revolucionária: Tudo pelo homem.
A nação, o sindicato, a família, são o meio.
O fim está no homem.
SOCIEDADE HUMAMA (p. 88-89)
A base da Sociedade é o homem e não o indivíduo.
...
O homem é, primeiro, a Pessoa: quer dizer, responsável e, portanto, livre.
Família, associação, comunidade nacional, são depois as posições por onde se estabelece a escala dos seus direitos e dos seus deveres para com a Sociedade.
ESTADO (pp. 89-94)
A Sociedade é uma "Pessoa de pessoas" (retomando o referido conceito de Emmanuel Mounier, Révolution personnaliste et communautaire, Paris, 1935 (pdf)
O poder do Estado só é legítimo quando limitado pelos direitos de natureza humana. Assim, a justiça só em verdade começa onde o Estatismo acaba. (p. 90)
...há no Estado, duas condições essenciais, de diverso sentido a realizar: legítima representação da comunidade, garantia dos direitos da Pessoa humana. (p. 91)
Acerca do predomínio do Legislativo e da sua relação com a corrupção e o domínio das oligarquias financeiras:
...do predomínio do Legislativo e da possibilidade da sua intervenção em todas as esferas da acção governativa, nasceu o interesse e a possibilidade das oligarquias financeiras se imiscuirem no jogo da representação nacional, servindo-se dele para fins particulares.
A corrupção notória dos meios parlamentares não tem outra origem, nem outra é também a razão fundamental da desorientação em que esses meios se movem.
Tal corrupção e tal desequilíbrio político levaram os povos a aceitar as ditaduras, mesmo as mais pesadas.
A situação política da Europa oscila, assim, com algumas excepções honrosas, entre estes dois polos: ditadura da desordem e ditadura da polícia.
Nenhuma dessas tiranias, a Revolução aceita e por isso ela se propõe criar um Estado em que o Legislativo surja liberto das oligarquias, em que o Executivo se não confunda com o Legislativo e em que o Poder deixe de ser possível monopólio de qualquer grupo. (p. 93).
REPRESENTAÇÃO NACIONAL (pp. 94-95)
...Capítulo XII - Problemas do Espírito (pp. 97-- A Censura
- A imprensa
- Educação e Ensino
Capítulo XIII - Economia da Revolução (pp. 111-148)
Capítulo XIV - Política Rural (pp. 149-163)
Ruralismo (p. 149-152)
O ESTADO, EIS O INIMIGO (p. 152-157)
A MISÉRIA DA VIDA RURAL (p. 157-163)
Capítulo XV - Problemas de Soberania (pp. 164-179)
Política Externa
Defesa Nacional
O Problema Ultramarino
Capítulo XVI - Unidade e Acção
Citações e Referências
- Dollfus (1892-1934), chanceler austríaco (1932-34) cit. p. 7.
- Felix-Alexandre Le Dantec (1869-1917), cit. p.
- Rabindranath Tagore, cit., p. 46.
- Hermann Keyserling, cit., p. 46
- René Guenon, cit., p. 46.
- René Descartes, cit. p. 46.
- Wilhelm Maximilian Wundt , cit. 46.
- Ernest Renan, cit. p. 46
- Henri Bergson, cit. p. 46.
- Cabral de Moncada, "Idealismo e Realismo", Nação Portuguesa, cit. p. 48
- António Sardinha, Introdução à História e Teoria das Cortes Gerais, do Visconde de Santarém, cit. p. 54 ss.
- 1903 - António Costa Lobo - História da Sociedade no Século XV, cit. p. 57
- José Estaline, cit. p. 75, 137
- Papa Leão XIII, cit. p. 77
- Emmanuel Mounier, Révolution personnaliste et communautaire, cit. p. 90
- Walter Bagehot (1826-1877), cit. p. 92.
- Pina Manique, cit. p. 100.
- Esprit, Julho de 1935, cit. p.115.
- Correia de Campos, Mundo novo que surge, Porto, Imprensa Portuguesa, cit. p. 115, 116, 118, 120, 136.
- Anselmo de Andrade, Portugal Económico, cit. p. 124; Manifesto da Cruzada Nacional D. Nuno Alvares Pereira, Maio de 1921, cit. p. 124.
- Barros Queirós, Conferência no Porto, 23 de Abril de 1921, cit. p. 124.
- Ezequiel de Campos, Lázaro - Subsídios para a política portuguesa, Vila Nova de Famalicão, 1922, cit. p. 124.
- Ramalho Ortigão, Farpas - A Sociedade, cit. p. 124, 185.
- Oliveira Martins, O Regime de Riquezas, Livraria Bertrand, 1883, cit. p. 127, 128.
- Ribeiro Cardoso, Saibam quantos... (Subsídios para o estudo das classes pobres do distrito de Branco). Edição Portela Feijão, Castelo Branco, 1936, cit. p. 123, 136, 161, 162.
- Ángel Pestaña Núñez (1886-, cit. p. 137.
- Henri Poincaré, La Valeur de la Science, cit. p. 144, 147.
- Léon Poinsard, Portugal Ignorado, Porto, 1910, cit. p. 156.
- Mendes Guerra, artigos em A Voz, Fevereiro e Março de 1930, cit. p. 157.
- J. de Melo e Matos, cit. p. 162.
- Mendes Guerra ("escritor nacional-sindicalista"), "Alguns apontamentos e sugestões da vida paroquial na Nova Reforma Administrativa do Estado", A Voz, 4 de Fevereiro e 25 de Março de 1930, cit. p. 163.