1914 - O Nascimento do Integralismo Lusitano.
José Manuel Quintas
O Integralismo Lusitano estabeleceu-se em torno de uma consciência da individualidade espiritual e cultural dos portugueses, numa reflexão teórica sobre a Tradição e a História Pátrias. Retomando a ideia de um reaportuguesamento de Portugal da geração de 70 pós-ultimato britânico, na sua derradeira fase de "Vencidos da Vida", os integralistas lançaram-se em 1914 como um movimento político de ideias, em defesa da Instituição Real na chefia do Estado e de uma representação da República por intermédio dos Municípios.
Em Outubro de 1910, os monárquicos portugueses encontravam-se divididos entre tradicionalistas e modernistas, seguindo lado a lado a antiga questão dinástica entre "legitimistas", partidários da descendência do rei proscrito D. Miguel I e os "constitucionais" ou "liberais", partidários do ramo reinante descendente de D. Maria II. Implantada a República, os partidos do rotativismo do final da Monarquia foram dissolvidos e muito do seu pessoal político aderiu sem complexos aos novos partidos do regime. Os monárquicos “constitucionais” que se mantiveram na Causa Monárquica, foram poucos e na sua maioria oriundos do que restava do Centro Regenerador Liberal (fundado em 1901 por João Franco), ou formados sob a influência dos sobreviventes do grupo dos "Vencidos da Vida", inspirados pela obra e exemplo de Ramalho Ortigão, que tomou o caminho do exílio. Mas eis que, em 1914, se vem acrescentar a renovação político-cultural e geracional do “Integralismo Lusitano”, em torno de personalidades como Hipólito Raposo (1885-1953), Luís de Almeida Braga (1886-1970), António Sardinha (1887-1925), Alberto Monsaraz (1889-1959), Pequito Rebelo (1893-1983), Rolão Preto (1894-1977) – os declarados “Filhos de Ramires”, em alusão a Gonçalo Mendes Ramires, personagem queirosiana da Ilustre Casa de Ramires (QUINTAS, 2004).
A expressão "Integralismo Lusitano" foi cunhada por Almeida Braga na revista Alma Portuguesa, publicada na Bélgica por um grupo de estudantes exilados na sequência das incursões monárquicas da Galiza, comandadas por Paiva Couceiro. Em Setembro de 1913, no segundo número daquela revista, podia ler-se sob aquele título: “Retomemos por cima do Romantismo e do Classicismo a velha e sempre nova tradição da Idade Média, tempo de fé e de entusiasmos onde vive integralmente a alma eterna de Portugal em todos os seus impulsos e movimentos...”
Pela correspondência trocada com António Sardinha, sabemos que Almeida Braga reagia ao Saudosismo gnóstico de Teixeira de Pascoaes (no ano anterior publicara O Espírito Lusitano ou o Saudosismo) e ao movimento da Nova Renascença, entretanto criado pelo grupo de republicanos portuenses da revista A Águia, para quem as leis antirreligiosas de Afonso Costa abriam novas possibilidades de regeneração para Portugal. Interpretando o regime republicano como uma nova etapa no processo de decadência, Almeida Braga defendia que a regeneração só seria possível por via da restauração de um quadro institucional e espiritual vinculado à origem da nação portuguesa.
Eram as primícias de afirmação política de jovens estudantes no exílio, enquadrados por homens como Paiva Couceiro, Aires de Ornelas, Ascenso de Siqueira Freire (S. Martinho), António Álvares Pereira de Melo (Cadaval), Alberto Pinheiro Torres. António de Macedo Papança (conde de Monsaraz) e seu filho Alberto, incentivavam desde Paris. Estavam de mãos dadas os sobejos monárquicos que a República não “adesivou”: o manuelismo mais tradicionalista, o legitimismo miguelista e o que sobrava do nacionalismo católico.
A formulação do Integralismo recebeu a imediata adesão dos mais próximos condiscípulos de Almeida Braga na Universidade de Coimbra. Na primeira linha, Hipólito Raposo, António Sardinha e Alberto Monsaraz que, em Setembro de 1913, ao reunirem na Quinta das Olaias (Figueira da Foz), resolvem lançar a revista Nação Portuguesa para lhe dar expressão como movimento de ideias políticas.
Enquanto estudantes em Coimbra, tinham vivido a greve académica de 1907, o regicídio e a subida ao trono de D. Manuel II, numa Academia onde as doutrinas demoliberais alimentavam ainda as ambições políticas. A formação intelectual daqueles jovens, porém, mais do que aos ambientes académicos ou políticos, deviam-na à frequência de uma tertúlia literária que se reunia em casa do conde de Monsaraz.
Entre 1865 e 1870, a esperança de uma regeneração portuguesa nascera estrangeirada. Pelo testemunho de Eça de Queiroz, sabemos como a mocidade das Academias recebeu ávida esse mundo novo que, através dos caminhos de ferro, a Europa lhe arremessava aos pacotes. Nas décadas seguintes, a par da expansão de um espírito positivista e cientista, cresceu também a descrença na regeneração. A literatura e a historiografia desses anos aí ficará para o testemunhar; nos romances de Eça - O Crime do Padre Amaro (1876), O Primo Basílio (1878), A Relíquia (1887) e Os Maias (1888); nos folhetins das Farpas; nas páginas de História de Oliveira Martins - História de Portugal (1879) e Portugal Contemporâneo (1881).
A cedência ao Ultimato britânico (1890), porém, anunciou uma importante mudança: a ofensiva contra a psicologia, a sociologia e a cultura portuguesa vai ceder o lugar ao fervor patriótico: Antero de Quental, fará a sua contrição na Liga Patriótica do Norte, apelando para a “restauração das forças nacionais” (QUENTAL, 1896); Ramalho Ortigão suspendeu as Farpas para preparar a publicação de O Culto da Arte em Portugal (1896); Eça de Queiroz, também liberto das Farpas, foi escrever o romance A Cidade e as Serras (1895), e a Ilustre Casa de Ramires (concluída em 1900, pouco antes de morrer); Oliveira Martins publicou Os Lusíadas e a Renascença em Portugal (1891), Portugal em África (1891), bem como o seu políptico sobre a exemplar dinastia de Avis, com Os Filhos de D. João I (1891) e Vida de Nun'Álvares (1892).
A Europa deixava de ser referência e exemplo a seguir, passando a buscar-se internamente as condições de um ressurgimento. Feita a contrição pelo erro de diagnóstico cometido, os sobreviventes da geração de 70 vão passar a designar-se por “Vencidos da Vida” e a pugnar por um reaportuguesamento de Portugal. No início do novo século, nos círculos literários de Coimbra, será dentro desse espírito que os jovens do Integralismo Lusitano farão a redescoberta da tradição. O próprio conde de Monsaraz, poeta Parnasiano, viria a receber, em contacto com a juventude da geração do seu filho, uma segunda formatura de que resultou, em 1908, a estética regionalista da sua Musa Alentejana (QUINTAS, 1997, 8-14).
Os primeiros anos da República revelaram a continuidade do pessoal político dos tempos da Monarquia, provocando a reação e o protesto dos que não viam nela o prometido fim da “negregada política”, como Fialho de Almeida em Saibam Quantos... (1912) ou de Ramalho Ortigão nas Últimas Farpas (1914). O republicanismo do “31 de Janeiro”, e mesmo o do “5 de Outubro”, também depressa se revelariam em contradição com o poder instalado, anunciando a eminente colisão entre as aspirações regeneradoras e um certo pragmatismo industrial, comercial e financeiro. A consolidação do projeto integralista da Alma Portuguesa, transformando-o em movimento político de ideias, foi muito marcado pela conversão do republicano António Sardinha ao catolicismo e ao ideário monárquico. As aspirações que levaram António Sardinha ao republicanismo, o levariam ao ideário monárquico pouco depois de implantada a República. Como dizia por carta ao amigo Almeida Braga, aquela “República trágico-cómica vacinara-o a tempo pela lição da experiência, livrando a sua existência de um desvio fatal” (BRAGA, 1943, 410-413). A conversão de Sardinha ao ideário monárquico, acordou esperanças de afirmação política em Hipólito Raposo e retirou Alberto Monsaraz do seu abatimento no exílio (QUINTAS, 2004, 118-126).
Exteriores a esse grupo, em diferentes modos, encontravam-se Rolão Preto, Pequito Rebelo e João do Amaral. Rolão Preto integrou o grupo do exílio liderado por Almeida Braga. Porém, mais jovem que os seus companheiros, ficará pela Bélgica e, depois pela França, prosseguindo os estudos, não acompanhando de perto o lançamento do movimento em Portugal. Num círculo exterior, inicialmente sem grande convicção monárquica, encontrava-se Pequito Rebelo. Fará a sua agregação ao grupo por intermédio de Sardinha. João do Amaral, colaborador do jornal republicano O Intransigente, será agregado por intervenção de Raposo e de Sardinha.
Enquanto movimento político de ideias, o Integralismo Lusitano acabou por ser lançado através de dois projetos editoriais financiados por Alberto Monsaraz: Aqui d’El-Rei!..., panfletos de afirmação doutrinária e propagandística; e a Nação Portuguesa – revista de filosofia política, o órgão teórico principal, propiciador do debate de ideias e da captação de novas adesões.
Em Fevereiro de 1914, ao publicar em Lisboa o folheto Aqui d’El-Rei!, João do Amaral despediu-se do republicanismo, em carta aberta dirigida a Machado Santos, fundador da República. E logo ali surgiu uma síntese do diagnóstico e da solução política integralista: “A história do constitucionalismo monárquico e republicano resume-se nisto: a Nação posta a saque pelos bandos políticos”. (...) “O que é, pois, necessário fazer?
(...) dar à sociedade portuguesa a sua constituição orgânica, as suas formas históricas, consagradas pela tradição e conservadas pelo costume. (...) na ordem política daremos aos corpos eleitos, — municípios, assembleias provinciais e assembleia nacional, a representação dos interesses ou direitos em contraposição com a atual representação dospartidos. (...) E o Estado ficará sendo, apenas, um mecanismo jurídico, unificador, posto ao serviço da Sociedade (...)” (AMARAL, 1914, 9-11)
Entre Fevereiro e Abril de 1914, João do Amaral foi comentando a atualidade política e, fazendo-se eco dos propósitos integralistas, entrevistou Hipólito Raposo e Pequito Rebelo. Em Abril, sob a direção de Alberto Monsaraz, surgia por fim em Coimbra a Nação Portuguesa - Revista de filosofia política. No seu primeiro editorial - uma "Carta Aberta" dirigida a Moreira de Almeida, diretor de O Dia – Alberto Monsaraz identifica-se como "um português tão desiludido do 4 como do 5 de Outubro", explicando-se, na “Anunciação”, que a tradição política portuguesa tinha sido quebrada pelo regime da Carta Constitucional, na década de 1830, sendo a República uma sua “continuação agravada, nos princípios e nos factos”. Um índice de soluções políticas surge sob o título “O que nós queremos - MONARQUIA ORGÂNICA, TRADICIONALISTA, ANTIPARLAMENTAR - PROGRAMA INTEGRALISTA (8 de Abril de 1914)”, onde, em síntese, se defende o poder pessoal do rei como Chefe de Estado (tendência concentradora, com intenção nacional) e a República em autoadministração (tendência descentralizadora), pelo exercício das liberdades nos seus vários domínios de atividade: Família, Paroquia, Município, Província, Economia (Empresas e Corporações, etc.), Ensino, Arte, Religião. A fechar as páginas da revista, sob a rubrica “publicações aconselhadas”, apresentou-se um extenso rol de autores e obras para um programa de estudos a realizar. Hipólito Raposo, em entrevista a Aqui d’El-Rei!..., salientara já os ensinamentos que recebera ao ler os pensadores legitimistas do século XIX, com destaque para Ribeiro Saraiva, Visconde Santarém, D. Francisco Alexandre Lobo. No topo da lista, surgiam agora os cronistas medievais, até ao reinado de D. João II, e estudiosos das instituições municipais como Alexandre Herculano e Gama Barros, sem esquecer o republicano federalista Henriques Nogueira. Pela correspondência trocada, sabemos que perceberam a utilidade proselitista dos chamados “clássicos da Contrarrevolução”, franceses na sua maioria. Entre outros, ali surgem referências a obras de Ernest Renan, Hippolyte Taine, Gustave Le Bon, George Valois, Charles Maurras, George Sorel. O extenso rol bibliográfico é reproduzido nos números seguintes da revista.
Entre os jovens integralistas havia afinidades culturais e estéticas, mesmo um certo sentido de pertença a uma elite intelectual vocacionada a uma intervenção ativa nos destinos do país, mas havia também assinaláveis diferenças ideológicas de partida: era notório o republicanismo federalista de António Sardinha, o tradicionalismo de Hipólito Raposo e Alberto Monsaraz, o fervoroso catolicismo de Almeida Braga e Pequito Rebelo. O tradicionalismo de Hipólito Raposo teve origem nos historiadores e pensadores legitimistas de inícios do século XIX. Tanto em entrevista a João do Amaral, em Aqui d’El-Rei!, como em O Sentido do Humanismo, os tempos medievais são os mais apelativos: “na ordem económico social, o municipalismo; no domínio do espírito, a emoção lírica; na esfera política, o sentimento de independência (...) em face de Castela” (RAPOSO, 1914, 42).
Luís de Almeida Braga partiu do neotomismo do renascimento católico de início do século XX. A sua passagem por Espanha propiciou-lhe um contacto próximo com a renovação carlista, recebendo depois na Bélgica o influxo do sindicalismo católico, aí em franco progresso. De França acusou a influência de Honoré de Balzac e Frédéric le Play, por exemplo, mas reagiu negativamente, como Raposo, ao pensamento da Action française. O seu catolicismo, preveniu-o contra o agnosticismo de Maurras.
António Sardinha foi do republicanismo até ao ideário monárquico através do tomismo da escolástica seiscentista, base do tradicionalismo hispânico e do legitimismo miguelista. Ao divorciar-se da República, vai evoluir por intermédio dos estudos histórico-antropológicos, seguindo os trilhos abertos por Teófilo Braga. Ao revelar-se-lhe a Monarquia como a forma política portuguesa, descobria os legitimistas e redescobria os pensadores da escolástica seiscentista de que, recorde-se, Teófilo Braga partira na sua História das Ideias Republicanas em Portugal (1880), vendo neles os precursores das doutrinas modernas da soberania popular (SARDINHA, 1915; BRAGA, 1880, 12-20).
Alberto Monsaraz terá recebido o tradicionalismo político no ambiente familiar, talvez alargado nos círculos parisienses do exílio aos contrarrevolucionários franceses. De assinalar a viragem de uma atitude de desencanto e prostração de exilado, para a exaltação de uma nova esperança, em perfeita sintonia com Ramalho Ortigão, que saudará o esforço dos jovens integralistas através da Carta de um Velho a um Novo (1914).
Pequito Rebelo abandonou o conservadorismo e a indiferença por intermédio dos clássicos da Contrarrevolução francesa. Ao relacionar-se com Raposo e Sardinha, vem, porém, a dar-se conta do pensamento político da escolástica seiscentista e das particularidades institucionais do reino de Portugal. Após os primeiros contactos epistolares com Sardinha, ao confrontar-se com o “integralismo histórico” dos seus pares, logo se manifesta com o “cérebro como cera”.
Por fim, o republicano João do Amaral. Foi o último a ingressar no grupo, revelando-se um excelente panfletário, com uma notável capacidade de captação e expressão de ideias. Mais prático e menos profundo, converteu-se no estudo e pela mediação de Raposo e Sardinha. Terá lido o Enquête, emprestado por Raposo, mas mostra-se interessado em saber mais acerca da monarquia tradicional portuguesa. Outras personalidades, inscritas como colaboradores na Nação Portuguesa, como Alfredo Pimenta ou Mariotte (Padre Amadeu de Vasconcelos), não tiveram papel na preparação do movimento. Alfredo Pimenta, ainda republicano, respondeu ao inquérito de Amaral em Aqui d’El-Rei! e colaborou com alguns textos na Nação Portuguesa, mas sem mostrar grande afinidade de pontos de vista. O maurrasiano Mariotte foi convidado, mas não chegou a colaborar, entrando depois em aberto conflito de ideias.
Em 1914, os integralistas apresentaram um índice de soluções políticas tradicionalistas, mas afirmando obediência ao rei D. Manuel II. Surgiam em dissonância com os “constitucionais”, mas também com os legitimistas. Dos primeiros, separava-os a doutrina e o projeto político; não lhes bastava a restauração do trono, querendo também a restauração da república em moldes municipalistas. Dos segundos, embora aceitassem os fundamentos históricos da posição legitimista, consideravam que D. Manuel II seria o rei que melhor podia servir o interesse nacional naquela hora difícil.
Ao lançarem-se no domínio público os integralistas não visavam ainda uma intervenção na direção da conquista do poder. O seu inquérito estava longe de realizado, a sua doutrina longe de compreendida, não existia ainda um amplo escol. Antes de mais, havia que lembrar aos próprios monárquicos o que fora a antiga Monarquia portuguesa.
Os números seguintes da Nação Portuguesa dão sinal de novas adesões e colaborações, tanto de monárquicos como de republicanos. Se os monárquicos "constitucionais" inicialmente os temeram, pelo brilhantismo e combatividade intelectual que demonstravam, também cedo perceberam a sua utilidade proselitista. Em Julho de 1914, ao eclodir a guerra na Europa, o movimento monárquico estava já a entrar em nítido ascenso. Amnistiado Paiva Couceiro, o caudilho da Galiza retornou a Lisboa em meados de 1915, alimentando ainda mais a esperança nas hostes monárquicas. Com o general Pimenta de Castro ao leme da governação, parecia garantida a não intervenção de Portugal na guerra, mas eis que a imprensa republicana começou a difundir a ideia de que os monárquicos desejavam a intervenção de Espanha em Portugal. Os integralistas convocam então um ciclo de conferências acerca da Questão Ibérica, onde reagem contra a acusação, mas não sem denunciar as aspirações imperialistas de Espanha. No quadro da guerra europeia, a fragilidade da República portuguesa estava a alimentar os apetites imperiais do monarca espanhol, Afonso XIII, e a Grã-Bretanha podia vir a permitir-lhe liberdade de ação na Península. Num ponto, alertavam os integralistas, estavam de acordo os republicanos iberistas portugueses e os unionistas monárquicos espanhóis: uma restauração da Dinastia de Bragança seria sempre um escolho a evitar. O golpe de estado de Afonso Costa afastou o espectro da neutralidade portuguesa, mas provocou um violento desfecho das conferências integralistas sobre a Questão Ibérica – as instalações da Liga Naval foram assaltadas e destruídas, sem que Almeida Braga tivesse apresentado “A Lição dos Factos”. Em 1916, com a entrada de Portugal na Guerra, os integralistas decidem tornar público o seu primeiro manifesto político, obedecendo às instruções do rei D. Manuel II para o cerrar de fileiras em torno da Pátria em guerra (QUINTAS, 2004, 225-230). É constituída uma Junta Central, que depressa transformará o Integralismo Lusitano em movimento político organizado - Primum vivere deinde philosophare era o princípio que passavam a adotar.
Bibliografia
Alma Portuguesa, Gand, nº 1, Maio de 1913; nº 2, Setembro de 1913.
AMARAL, João do, Aqui d’El-Rei!..., nº 1 a 5, Fevereiro a Abril de 1914.
BRAGA, Luís de Almeida, Sob o Pendão Real, Lisboa, Edições Gama, 1942.
BRAGA, Theophilo, História das Ideias Republicanas em Portugal, Lisboa, Livraria Bittencourt, 1880.
Integralismo Lusitano - A Questão Ibérica, Lisboa, Tipografia do Anuário Comercial, 1916.
Nação Portuguesa - revista de Filosofia Política, Coimbra, 1ª série, 1914-1916.
ORTIGÃO, Ramalho, Carta de um Velho a um Novo (1914). Precedida de um estudo de
Alberto Monsaraz sobre a política de Ramalho e seguida da resposta de João do Amaral, Lisboa, 1947.
QUENTAL, Antero, Liga Patriótica do Norte, Barcelos, Tipografia da Aurora do Cavado, 1896.
QUINTAS, José Manuel, O Integralismo Lusitano e a herança dos “Vencidos da Vida”, Sintra, Academia da Força Aérea, 1997.
QUINTAS, José Manuel, Filhos de Ramires - As Origens do Integralismo Lusitano, Lisboa, Editorial Nova Ática, 2004.
RAPOSO, Hipólito, O Sentido do Humanismo, Coimbra, França Amado, 1914.
RAPOSO, Hipólito, Folhas do Meu Cadastro – Volume I (1911-1925), Lisboa, Edições Gama, 1945.
SARDINHA, António, O Valor da Raça – Introdução a uma Campanha Nacional, Lisboa, 1915.
José Manuel Quintas
Colares, Sintra, 5 de Outubro de 2023
O Integralismo Lusitano estabeleceu-se em torno de uma consciência da individualidade espiritual e cultural dos portugueses, numa reflexão teórica sobre a Tradição e a História Pátrias. Retomando a ideia de um reaportuguesamento de Portugal da geração de 70 pós-ultimato britânico, na sua derradeira fase de "Vencidos da Vida", os integralistas lançaram-se em 1914 como um movimento político de ideias, em defesa da Instituição Real na chefia do Estado e de uma representação da República por intermédio dos Municípios.
Em Outubro de 1910, os monárquicos portugueses encontravam-se divididos entre tradicionalistas e modernistas, seguindo lado a lado a antiga questão dinástica entre "legitimistas", partidários da descendência do rei proscrito D. Miguel I e os "constitucionais" ou "liberais", partidários do ramo reinante descendente de D. Maria II. Implantada a República, os partidos do rotativismo do final da Monarquia foram dissolvidos e muito do seu pessoal político aderiu sem complexos aos novos partidos do regime. Os monárquicos “constitucionais” que se mantiveram na Causa Monárquica, foram poucos e na sua maioria oriundos do que restava do Centro Regenerador Liberal (fundado em 1901 por João Franco), ou formados sob a influência dos sobreviventes do grupo dos "Vencidos da Vida", inspirados pela obra e exemplo de Ramalho Ortigão, que tomou o caminho do exílio. Mas eis que, em 1914, se vem acrescentar a renovação político-cultural e geracional do “Integralismo Lusitano”, em torno de personalidades como Hipólito Raposo (1885-1953), Luís de Almeida Braga (1886-1970), António Sardinha (1887-1925), Alberto Monsaraz (1889-1959), Pequito Rebelo (1893-1983), Rolão Preto (1894-1977) – os declarados “Filhos de Ramires”, em alusão a Gonçalo Mendes Ramires, personagem queirosiana da Ilustre Casa de Ramires (QUINTAS, 2004).
A expressão "Integralismo Lusitano" foi cunhada por Almeida Braga na revista Alma Portuguesa, publicada na Bélgica por um grupo de estudantes exilados na sequência das incursões monárquicas da Galiza, comandadas por Paiva Couceiro. Em Setembro de 1913, no segundo número daquela revista, podia ler-se sob aquele título: “Retomemos por cima do Romantismo e do Classicismo a velha e sempre nova tradição da Idade Média, tempo de fé e de entusiasmos onde vive integralmente a alma eterna de Portugal em todos os seus impulsos e movimentos...”
Pela correspondência trocada com António Sardinha, sabemos que Almeida Braga reagia ao Saudosismo gnóstico de Teixeira de Pascoaes (no ano anterior publicara O Espírito Lusitano ou o Saudosismo) e ao movimento da Nova Renascença, entretanto criado pelo grupo de republicanos portuenses da revista A Águia, para quem as leis antirreligiosas de Afonso Costa abriam novas possibilidades de regeneração para Portugal. Interpretando o regime republicano como uma nova etapa no processo de decadência, Almeida Braga defendia que a regeneração só seria possível por via da restauração de um quadro institucional e espiritual vinculado à origem da nação portuguesa.
Eram as primícias de afirmação política de jovens estudantes no exílio, enquadrados por homens como Paiva Couceiro, Aires de Ornelas, Ascenso de Siqueira Freire (S. Martinho), António Álvares Pereira de Melo (Cadaval), Alberto Pinheiro Torres. António de Macedo Papança (conde de Monsaraz) e seu filho Alberto, incentivavam desde Paris. Estavam de mãos dadas os sobejos monárquicos que a República não “adesivou”: o manuelismo mais tradicionalista, o legitimismo miguelista e o que sobrava do nacionalismo católico.
A formulação do Integralismo recebeu a imediata adesão dos mais próximos condiscípulos de Almeida Braga na Universidade de Coimbra. Na primeira linha, Hipólito Raposo, António Sardinha e Alberto Monsaraz que, em Setembro de 1913, ao reunirem na Quinta das Olaias (Figueira da Foz), resolvem lançar a revista Nação Portuguesa para lhe dar expressão como movimento de ideias políticas.
Enquanto estudantes em Coimbra, tinham vivido a greve académica de 1907, o regicídio e a subida ao trono de D. Manuel II, numa Academia onde as doutrinas demoliberais alimentavam ainda as ambições políticas. A formação intelectual daqueles jovens, porém, mais do que aos ambientes académicos ou políticos, deviam-na à frequência de uma tertúlia literária que se reunia em casa do conde de Monsaraz.
Entre 1865 e 1870, a esperança de uma regeneração portuguesa nascera estrangeirada. Pelo testemunho de Eça de Queiroz, sabemos como a mocidade das Academias recebeu ávida esse mundo novo que, através dos caminhos de ferro, a Europa lhe arremessava aos pacotes. Nas décadas seguintes, a par da expansão de um espírito positivista e cientista, cresceu também a descrença na regeneração. A literatura e a historiografia desses anos aí ficará para o testemunhar; nos romances de Eça - O Crime do Padre Amaro (1876), O Primo Basílio (1878), A Relíquia (1887) e Os Maias (1888); nos folhetins das Farpas; nas páginas de História de Oliveira Martins - História de Portugal (1879) e Portugal Contemporâneo (1881).
A cedência ao Ultimato britânico (1890), porém, anunciou uma importante mudança: a ofensiva contra a psicologia, a sociologia e a cultura portuguesa vai ceder o lugar ao fervor patriótico: Antero de Quental, fará a sua contrição na Liga Patriótica do Norte, apelando para a “restauração das forças nacionais” (QUENTAL, 1896); Ramalho Ortigão suspendeu as Farpas para preparar a publicação de O Culto da Arte em Portugal (1896); Eça de Queiroz, também liberto das Farpas, foi escrever o romance A Cidade e as Serras (1895), e a Ilustre Casa de Ramires (concluída em 1900, pouco antes de morrer); Oliveira Martins publicou Os Lusíadas e a Renascença em Portugal (1891), Portugal em África (1891), bem como o seu políptico sobre a exemplar dinastia de Avis, com Os Filhos de D. João I (1891) e Vida de Nun'Álvares (1892).
A Europa deixava de ser referência e exemplo a seguir, passando a buscar-se internamente as condições de um ressurgimento. Feita a contrição pelo erro de diagnóstico cometido, os sobreviventes da geração de 70 vão passar a designar-se por “Vencidos da Vida” e a pugnar por um reaportuguesamento de Portugal. No início do novo século, nos círculos literários de Coimbra, será dentro desse espírito que os jovens do Integralismo Lusitano farão a redescoberta da tradição. O próprio conde de Monsaraz, poeta Parnasiano, viria a receber, em contacto com a juventude da geração do seu filho, uma segunda formatura de que resultou, em 1908, a estética regionalista da sua Musa Alentejana (QUINTAS, 1997, 8-14).
Os primeiros anos da República revelaram a continuidade do pessoal político dos tempos da Monarquia, provocando a reação e o protesto dos que não viam nela o prometido fim da “negregada política”, como Fialho de Almeida em Saibam Quantos... (1912) ou de Ramalho Ortigão nas Últimas Farpas (1914). O republicanismo do “31 de Janeiro”, e mesmo o do “5 de Outubro”, também depressa se revelariam em contradição com o poder instalado, anunciando a eminente colisão entre as aspirações regeneradoras e um certo pragmatismo industrial, comercial e financeiro. A consolidação do projeto integralista da Alma Portuguesa, transformando-o em movimento político de ideias, foi muito marcado pela conversão do republicano António Sardinha ao catolicismo e ao ideário monárquico. As aspirações que levaram António Sardinha ao republicanismo, o levariam ao ideário monárquico pouco depois de implantada a República. Como dizia por carta ao amigo Almeida Braga, aquela “República trágico-cómica vacinara-o a tempo pela lição da experiência, livrando a sua existência de um desvio fatal” (BRAGA, 1943, 410-413). A conversão de Sardinha ao ideário monárquico, acordou esperanças de afirmação política em Hipólito Raposo e retirou Alberto Monsaraz do seu abatimento no exílio (QUINTAS, 2004, 118-126).
Exteriores a esse grupo, em diferentes modos, encontravam-se Rolão Preto, Pequito Rebelo e João do Amaral. Rolão Preto integrou o grupo do exílio liderado por Almeida Braga. Porém, mais jovem que os seus companheiros, ficará pela Bélgica e, depois pela França, prosseguindo os estudos, não acompanhando de perto o lançamento do movimento em Portugal. Num círculo exterior, inicialmente sem grande convicção monárquica, encontrava-se Pequito Rebelo. Fará a sua agregação ao grupo por intermédio de Sardinha. João do Amaral, colaborador do jornal republicano O Intransigente, será agregado por intervenção de Raposo e de Sardinha.
Enquanto movimento político de ideias, o Integralismo Lusitano acabou por ser lançado através de dois projetos editoriais financiados por Alberto Monsaraz: Aqui d’El-Rei!..., panfletos de afirmação doutrinária e propagandística; e a Nação Portuguesa – revista de filosofia política, o órgão teórico principal, propiciador do debate de ideias e da captação de novas adesões.
Em Fevereiro de 1914, ao publicar em Lisboa o folheto Aqui d’El-Rei!, João do Amaral despediu-se do republicanismo, em carta aberta dirigida a Machado Santos, fundador da República. E logo ali surgiu uma síntese do diagnóstico e da solução política integralista: “A história do constitucionalismo monárquico e republicano resume-se nisto: a Nação posta a saque pelos bandos políticos”. (...) “O que é, pois, necessário fazer?
(...) dar à sociedade portuguesa a sua constituição orgânica, as suas formas históricas, consagradas pela tradição e conservadas pelo costume. (...) na ordem política daremos aos corpos eleitos, — municípios, assembleias provinciais e assembleia nacional, a representação dos interesses ou direitos em contraposição com a atual representação dospartidos. (...) E o Estado ficará sendo, apenas, um mecanismo jurídico, unificador, posto ao serviço da Sociedade (...)” (AMARAL, 1914, 9-11)
Entre Fevereiro e Abril de 1914, João do Amaral foi comentando a atualidade política e, fazendo-se eco dos propósitos integralistas, entrevistou Hipólito Raposo e Pequito Rebelo. Em Abril, sob a direção de Alberto Monsaraz, surgia por fim em Coimbra a Nação Portuguesa - Revista de filosofia política. No seu primeiro editorial - uma "Carta Aberta" dirigida a Moreira de Almeida, diretor de O Dia – Alberto Monsaraz identifica-se como "um português tão desiludido do 4 como do 5 de Outubro", explicando-se, na “Anunciação”, que a tradição política portuguesa tinha sido quebrada pelo regime da Carta Constitucional, na década de 1830, sendo a República uma sua “continuação agravada, nos princípios e nos factos”. Um índice de soluções políticas surge sob o título “O que nós queremos - MONARQUIA ORGÂNICA, TRADICIONALISTA, ANTIPARLAMENTAR - PROGRAMA INTEGRALISTA (8 de Abril de 1914)”, onde, em síntese, se defende o poder pessoal do rei como Chefe de Estado (tendência concentradora, com intenção nacional) e a República em autoadministração (tendência descentralizadora), pelo exercício das liberdades nos seus vários domínios de atividade: Família, Paroquia, Município, Província, Economia (Empresas e Corporações, etc.), Ensino, Arte, Religião. A fechar as páginas da revista, sob a rubrica “publicações aconselhadas”, apresentou-se um extenso rol de autores e obras para um programa de estudos a realizar. Hipólito Raposo, em entrevista a Aqui d’El-Rei!..., salientara já os ensinamentos que recebera ao ler os pensadores legitimistas do século XIX, com destaque para Ribeiro Saraiva, Visconde Santarém, D. Francisco Alexandre Lobo. No topo da lista, surgiam agora os cronistas medievais, até ao reinado de D. João II, e estudiosos das instituições municipais como Alexandre Herculano e Gama Barros, sem esquecer o republicano federalista Henriques Nogueira. Pela correspondência trocada, sabemos que perceberam a utilidade proselitista dos chamados “clássicos da Contrarrevolução”, franceses na sua maioria. Entre outros, ali surgem referências a obras de Ernest Renan, Hippolyte Taine, Gustave Le Bon, George Valois, Charles Maurras, George Sorel. O extenso rol bibliográfico é reproduzido nos números seguintes da revista.
Entre os jovens integralistas havia afinidades culturais e estéticas, mesmo um certo sentido de pertença a uma elite intelectual vocacionada a uma intervenção ativa nos destinos do país, mas havia também assinaláveis diferenças ideológicas de partida: era notório o republicanismo federalista de António Sardinha, o tradicionalismo de Hipólito Raposo e Alberto Monsaraz, o fervoroso catolicismo de Almeida Braga e Pequito Rebelo. O tradicionalismo de Hipólito Raposo teve origem nos historiadores e pensadores legitimistas de inícios do século XIX. Tanto em entrevista a João do Amaral, em Aqui d’El-Rei!, como em O Sentido do Humanismo, os tempos medievais são os mais apelativos: “na ordem económico social, o municipalismo; no domínio do espírito, a emoção lírica; na esfera política, o sentimento de independência (...) em face de Castela” (RAPOSO, 1914, 42).
Luís de Almeida Braga partiu do neotomismo do renascimento católico de início do século XX. A sua passagem por Espanha propiciou-lhe um contacto próximo com a renovação carlista, recebendo depois na Bélgica o influxo do sindicalismo católico, aí em franco progresso. De França acusou a influência de Honoré de Balzac e Frédéric le Play, por exemplo, mas reagiu negativamente, como Raposo, ao pensamento da Action française. O seu catolicismo, preveniu-o contra o agnosticismo de Maurras.
António Sardinha foi do republicanismo até ao ideário monárquico através do tomismo da escolástica seiscentista, base do tradicionalismo hispânico e do legitimismo miguelista. Ao divorciar-se da República, vai evoluir por intermédio dos estudos histórico-antropológicos, seguindo os trilhos abertos por Teófilo Braga. Ao revelar-se-lhe a Monarquia como a forma política portuguesa, descobria os legitimistas e redescobria os pensadores da escolástica seiscentista de que, recorde-se, Teófilo Braga partira na sua História das Ideias Republicanas em Portugal (1880), vendo neles os precursores das doutrinas modernas da soberania popular (SARDINHA, 1915; BRAGA, 1880, 12-20).
Alberto Monsaraz terá recebido o tradicionalismo político no ambiente familiar, talvez alargado nos círculos parisienses do exílio aos contrarrevolucionários franceses. De assinalar a viragem de uma atitude de desencanto e prostração de exilado, para a exaltação de uma nova esperança, em perfeita sintonia com Ramalho Ortigão, que saudará o esforço dos jovens integralistas através da Carta de um Velho a um Novo (1914).
Pequito Rebelo abandonou o conservadorismo e a indiferença por intermédio dos clássicos da Contrarrevolução francesa. Ao relacionar-se com Raposo e Sardinha, vem, porém, a dar-se conta do pensamento político da escolástica seiscentista e das particularidades institucionais do reino de Portugal. Após os primeiros contactos epistolares com Sardinha, ao confrontar-se com o “integralismo histórico” dos seus pares, logo se manifesta com o “cérebro como cera”.
Por fim, o republicano João do Amaral. Foi o último a ingressar no grupo, revelando-se um excelente panfletário, com uma notável capacidade de captação e expressão de ideias. Mais prático e menos profundo, converteu-se no estudo e pela mediação de Raposo e Sardinha. Terá lido o Enquête, emprestado por Raposo, mas mostra-se interessado em saber mais acerca da monarquia tradicional portuguesa. Outras personalidades, inscritas como colaboradores na Nação Portuguesa, como Alfredo Pimenta ou Mariotte (Padre Amadeu de Vasconcelos), não tiveram papel na preparação do movimento. Alfredo Pimenta, ainda republicano, respondeu ao inquérito de Amaral em Aqui d’El-Rei! e colaborou com alguns textos na Nação Portuguesa, mas sem mostrar grande afinidade de pontos de vista. O maurrasiano Mariotte foi convidado, mas não chegou a colaborar, entrando depois em aberto conflito de ideias.
Em 1914, os integralistas apresentaram um índice de soluções políticas tradicionalistas, mas afirmando obediência ao rei D. Manuel II. Surgiam em dissonância com os “constitucionais”, mas também com os legitimistas. Dos primeiros, separava-os a doutrina e o projeto político; não lhes bastava a restauração do trono, querendo também a restauração da república em moldes municipalistas. Dos segundos, embora aceitassem os fundamentos históricos da posição legitimista, consideravam que D. Manuel II seria o rei que melhor podia servir o interesse nacional naquela hora difícil.
Ao lançarem-se no domínio público os integralistas não visavam ainda uma intervenção na direção da conquista do poder. O seu inquérito estava longe de realizado, a sua doutrina longe de compreendida, não existia ainda um amplo escol. Antes de mais, havia que lembrar aos próprios monárquicos o que fora a antiga Monarquia portuguesa.
Os números seguintes da Nação Portuguesa dão sinal de novas adesões e colaborações, tanto de monárquicos como de republicanos. Se os monárquicos "constitucionais" inicialmente os temeram, pelo brilhantismo e combatividade intelectual que demonstravam, também cedo perceberam a sua utilidade proselitista. Em Julho de 1914, ao eclodir a guerra na Europa, o movimento monárquico estava já a entrar em nítido ascenso. Amnistiado Paiva Couceiro, o caudilho da Galiza retornou a Lisboa em meados de 1915, alimentando ainda mais a esperança nas hostes monárquicas. Com o general Pimenta de Castro ao leme da governação, parecia garantida a não intervenção de Portugal na guerra, mas eis que a imprensa republicana começou a difundir a ideia de que os monárquicos desejavam a intervenção de Espanha em Portugal. Os integralistas convocam então um ciclo de conferências acerca da Questão Ibérica, onde reagem contra a acusação, mas não sem denunciar as aspirações imperialistas de Espanha. No quadro da guerra europeia, a fragilidade da República portuguesa estava a alimentar os apetites imperiais do monarca espanhol, Afonso XIII, e a Grã-Bretanha podia vir a permitir-lhe liberdade de ação na Península. Num ponto, alertavam os integralistas, estavam de acordo os republicanos iberistas portugueses e os unionistas monárquicos espanhóis: uma restauração da Dinastia de Bragança seria sempre um escolho a evitar. O golpe de estado de Afonso Costa afastou o espectro da neutralidade portuguesa, mas provocou um violento desfecho das conferências integralistas sobre a Questão Ibérica – as instalações da Liga Naval foram assaltadas e destruídas, sem que Almeida Braga tivesse apresentado “A Lição dos Factos”. Em 1916, com a entrada de Portugal na Guerra, os integralistas decidem tornar público o seu primeiro manifesto político, obedecendo às instruções do rei D. Manuel II para o cerrar de fileiras em torno da Pátria em guerra (QUINTAS, 2004, 225-230). É constituída uma Junta Central, que depressa transformará o Integralismo Lusitano em movimento político organizado - Primum vivere deinde philosophare era o princípio que passavam a adotar.
Bibliografia
Alma Portuguesa, Gand, nº 1, Maio de 1913; nº 2, Setembro de 1913.
AMARAL, João do, Aqui d’El-Rei!..., nº 1 a 5, Fevereiro a Abril de 1914.
BRAGA, Luís de Almeida, Sob o Pendão Real, Lisboa, Edições Gama, 1942.
BRAGA, Theophilo, História das Ideias Republicanas em Portugal, Lisboa, Livraria Bittencourt, 1880.
Integralismo Lusitano - A Questão Ibérica, Lisboa, Tipografia do Anuário Comercial, 1916.
Nação Portuguesa - revista de Filosofia Política, Coimbra, 1ª série, 1914-1916.
ORTIGÃO, Ramalho, Carta de um Velho a um Novo (1914). Precedida de um estudo de
Alberto Monsaraz sobre a política de Ramalho e seguida da resposta de João do Amaral, Lisboa, 1947.
QUENTAL, Antero, Liga Patriótica do Norte, Barcelos, Tipografia da Aurora do Cavado, 1896.
QUINTAS, José Manuel, O Integralismo Lusitano e a herança dos “Vencidos da Vida”, Sintra, Academia da Força Aérea, 1997.
QUINTAS, José Manuel, Filhos de Ramires - As Origens do Integralismo Lusitano, Lisboa, Editorial Nova Ática, 2004.
RAPOSO, Hipólito, O Sentido do Humanismo, Coimbra, França Amado, 1914.
RAPOSO, Hipólito, Folhas do Meu Cadastro – Volume I (1911-1925), Lisboa, Edições Gama, 1945.
SARDINHA, António, O Valor da Raça – Introdução a uma Campanha Nacional, Lisboa, 1915.
José Manuel Quintas
Colares, Sintra, 5 de Outubro de 2023