1923 - "Homens Livres da Finança & dos Partidos"(*)
A primeira publicação do texto seguinte surgiu no volume Proença, Cortesão Sérgio e o Grupo Seara Nova:
- QUINTAS, José Manuel, "Uma efémera união de 'almas republicanas' " in PINHO, Amon; MESQUITA, António Pedro; PINHO, Romana Valente (Orgs.), Proença, Cortesão, Sérgio e o Grupo Seara Nova, Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2015, pp. 77-104.
[ O projecto constitucional do Estado Novo (1933) teve um antecedente na solução bicameral - Câmara de Partidos e Câmara Corporativa - preconizada pelo grupo da Seara Nova, em Dezembro de 1923 (aqui reproduzido a partir de um manuscrito). A revista Homens Livres - Livres da Finança e dos Partidos tentou congregar Seareiros e Integralistas em torno desse projecto, mas sem sucesso. Os integralistas opunham-se a uma representação por intermédio de partidos políticos (representação ideológica, por sufrágio inorgânico), aceitando apenas uma representação por delegação directa dos municípios (democracia orgânica). Só mais tarde, na vigência do regime de Partido Único do Estado Novo, foi possível voltar a reunir esforços de seareiros e integralistas na luta contra a Salazarquia.]
José Manuel Quintas
Em 1978, num livro intitulado O Pelicano e a Seara, João Medina apresentou e reproduziu o texto integral dos dois únicos números da revista Homens Livres – Livres da Finança & dos Partidos, publicados em Dezembro de 1923.[1]
No referido texto de apresentação, Medina começa por dizer que “a constituição, em 1923, do grupo dos Homens Livres reunindo monárquicos do Integralismo Lusitano e republicanos da Seara Nova constitui uma das maiores surpresas dos meandros ideológicos e políticos da I República”.[2] Em abono desta alegada surpresa, seareiros e integralistas são ali apresentados como “dois adversários políticos figadais”, “em tudo opostos”, isto apesar de se reconhecer, logo adiante, no mesmo parágrafo, que, entre seareiros e integralistas, havia “um denominador comum”: “a idêntica recusa do statu quo institucional, o repúdio pelo demo-liberalismo, a recusa de um regime de balbúrdia", “plutocracia” e "ineficácia governativa”. Após outros considerandos, Medina conclui ter sido a iminência do retorno de Afonso Costa ao Governo, em 1923, a unir as duas forças ideológicas antagónicas. Perante tal eventualidade, a iniciativa dos “Homens Livres”, segundo Medina, perde “o seu ar de paradoxo e, inserida no contexto das lutas internas do tempo, torna-se até lógica”[3]. Desfeita a paradoxal surpresa, e baseando-se num “depoimento escrito” cedido por Castelo Branco Chaves, Medina narra depois “a curta da vida revista e do grupo Homens Livres, intercalando um ou outro depoimento de outros protagonistas do caso” – sobretudo o de Aquilino Ribeiro, pelo lado seareiro, e o de Hipólito Raposo, pelo lado integralista.
Ao aceitar o convite para participar neste Colóquio (*), coloquei-me uma pergunta primacial: trinta e um ano depois da publicação de O Pelicano e a Seara, haveria algo a acrescentar às palavras introdutórias de João Medina?
Após uma breve revisita às publicações e aos documentos depositados nos espólios dos integralistas, concluí que havia na verdade algumas informações a emendar e a ajustar e outras a adicionar. As emendas e os ajustes serão mencionados no decurso da minha exposição e, para benefício de futuras investigações, junto no final dois documentos ao processo:
- Uma carta de J. Fernandes Júnior, administrador do jornal A Monarquia, para Pequito Rebelo, de 4 de Dezembro de 1923[4];
- Uma cópia de um manuscrito, em papel com timbre do advogado Afonso Lucas, sem data, contendo o que poderá ter sido o programa que António Sérgio discutiu com os integralistas lusitanos em Dezembro de 1923.[5]
1. A vida efémera do grupo “Homens Livres”
A constituição dos “Homens Livres” foi uma iniciativa do grupo da Seara Nova (1921) inserido no âmbito de um processo aberto, em Março de 1923, com a criação de uma “União Cívica” para intervir activamente na política à margem dos partidos políticos.
Após a eleição pelo Parlamento, em 6 de Agosto, de Manuel Teixeira Gomes para a presidência da República, cresceu no seio do grupo seareiro uma forte apreensão perante o que se temia pudesse vir a ser o regresso de Afonso Costa à área da governação. No número 23 da revista Seara Nova, correspondente a Outubro-Novembro desse ano, Raul Proença publicou com efeito um artigo onde refere os “defeitos graves” e os “malefícios” que para Portugal resultaram da política de Afonso Costa. Terá sido pois nesse ambiente, em que ainda se temia o regresso do “fatal Afonso Costa”, que entre os seareiros terá surgido a ideia de congregar esforços com o grupo do Integralismo Lusitano.
Tendo por base o testemunho de Castelo Branco Chaves[6], recolhido por João Medina, António Sérgio terá pedido um dia a sua colaboração num rodapé do jornal A Pátria, dirigido por Nuno Simões. Chaves terá aceite o convite, mas, dias depois, era-lhe revelado um outro plano resolvido por António Sérgio, Afonso Lopes Vieira, Raul Proença, Jaime Cortesão e Reinaldo dos Santos, em reuniões entretanto realizadas na Biblioteca Nacional. A ideia seria agora a de se lançar uma revista independente.
João Medina, citando o testemunho de Alfredo Pimenta, identifica do seguinte modo a filiação política de Castelo Branco Chaves: no Integralismo Lusitano até à criação da Acção Realista (1924-27), passando depois para a Seara Nova.[7]
Em Janeiro de 1919, Castelo Branco Chaves esteve com o movimento monárquico de Monsanto, tendo sido mesmo redactor do jornal A Monarquia. Mas, em Dezembro de 1923, ao publicar-se a revista Homens Livres, estaria ainda Chaves no campo do Integralismo Lusitano, como Medina depreende a partir das palavras de Alfredo Pimenta? [8]
Julgo que não. Em finais de 1923, se Chaves ainda estivesse no campo do Integralismo Lusitano, porque razão fora convidado por António Sérgio, antes ainda de ter surgido a ideia de lançar a revista Homens Livres, para participar no jornal Pátria de Nuno Simões?
João Medina apresenta o surgimento da Acção Realista como o resultado de uma cisão no seio do Integralismo Lusitano. O equívoco de João Medina a respeito da filiação de Castelo Branco Chaves, em Dezembro de 1923, pode talvez explicar-se por essa imprecisão que exprime a respeito da relação entre o grupo da Acção Realista e o grupo do Integralismo Lusitano.
A Acção Realista, constituída em Janeiro de 1924, não constituiu uma cisão no seio do Integralismo Lusitano, sendo antes uma organização que sucede à Acção Tradicionalista Portuguesa, formada em 1921. Para se compreender a atitude do Integralismo Lusitano face à iniciativa dos Homens Livres, importa esclarecer as exactas circunstâncias que rodearam a formação da Acção Tradicionalista Portuguesa.
O Integralismo Lusitano surgiu como movimento de ideias tradicionalistas entre 1913 e 1914. Na sequência da entrada de Portugal na Grande Guerra, em Abril de 1916, os integralistas anunciam a sua transformação em organização política, afirmando obediência a D. Manuel II e confiança na aliança luso-britânica. Com a chegada ao poder de Sidónio Pais, os integralistas colaboram activamente na situação presidencialista que se esboçou. O propósito sidonista de acolher uma representação socioprofissional no Senado tinha para eles grande significado político: pôr fim ao monopólio da representação por intermédio de partidos ideológicos (regime parlamentar), permitindo a representação dos municípios, dos sindicatos operários, dos grémios profissionais e patronais, etc., era dar um primeiro passo no sentido do restabelecimento da democracia orgânica da antiga Monarquia portuguesa.
Após o assassínio de Sidónio Pais e o rápido retorno ao regime político-constitucional da “República Velha”, os integralistas pressionam os restantes monárquicos no sentido da acção revolucionária e, obtendo o acordo do Lugar-Tenente de D. Manuel II, Aires de Ornelas, lançam-se para a primeira linha do movimento político-militar que vem a proclamar a Monarquia do Norte (Porto) e do Monsanto (Lisboa).
Em Janeiro e Fevereiro de 1919, precipita-se o desaire político-militar dos monárquicos e, em Julho, a Junta Central do Integralismo Lusitano (JCIL) envia a Londres uma delegação propondo a D. Manuel II uma reorganização dos organismos monárquicos que tivesse como objectivo vir a actuar com sucesso pela via revolucionária. Na perspectiva dos integralistas, ficara encerrado, durante sidonismo, o capítulo da colaboração legal dos monárquicos com a República. [9]
O projecto de organização revolucionária não obteve porém acolhimento junto de D. Manuel II e, em 19 de Outubro de 1919, os integralistas anunciaram o afastamento da sua obediência, para vir a reconhecer, em 2 de Setembro de 1920, D. Duarte Nuno de Bragança, como legítimo herdeiro do trono português.
Ao abraçar a causa legitimista (ou miguelista), o Integralismo Lusitano abriu imediatamente espaço para a criação de uma organização monárquica que de algum modo copiasse ou aparentasse copiar o seu ideário tradicionalista no campo dos seguidores de D. Manuel II. E não tardou muito para que esse espaço fosse ocupado: em 25 de Julho de 1921, era tornado público o lançamento da Acção Tradicionalista Portuguesa, com uma junta directiva constituída por Mateus da Graça de Oliveira Monteiro, Alberto Ramires dos Reis e Alfredo Pimenta, contando, entre os seus colaboradores, Alfredo de Freitas Branco, Eurico Satúrio Pires, Francisco Vieira de Almeida, João da Rocha Páris e Luís Vieira de Castro. Cerca de cinco meses depois, Alfredo Pimenta explicou os propósitos da Acção Tradicionalista Portuguesa, num órgão com o mesmo nome (Lisboa, nº 1, 10 de Dezembro de 1921; Lisboa, nº 2, 30 de Dezembro de 1921).
Como referi, João Medina apresenta a Acção Realista como uma cisão no seio do Integralismo Lusitano. Seria esta nova organização uma cisão no seio do Integralismo Lusitano?
Para que a Acção Realista representasse uma cisão no seio do Integralismo Lusitano seria necessário que os seus dirigentes tivessem sido, ou ao menos alguns deles, dirigentes do Integralismo Lusitano. Não foi esse o caso. A Junta Central do Integralismo Lusitano manteve-se unida. A Acção Tradicionalista Portuguesa captou, porém, algumas personalidades até aí identificadas como apoiantes ou aderentes ao Integralismo Lusitano, como Luís Chaves e Caetano Beirão. Nenhum deles pertencera à Junta Central do Integralismo Lusitano, mas sem dúvida que, de forma mais ou menos consistente, alguma coisa deviam ao ideário tradicionalista que os seus órgãos de imprensa vinham semeando desde 1913-1914. Colher os frutos da sementeira de ideias lançada pelo Integralismo Lusitano, foi aliás o claro propósito do designado "Núcleo Integralista D. Manuel II”, então lançado por Luís Chaves.
Apesar da união e firmeza dos dirigentes do Integralismo Lusitano em torno da sua nova postura dinástica, alguma confusão se instalou na hoste dos seus aderentes e simpatizantes quando, em 17 de Abril de 1922, foi assinado o acordo dinástico designado por “Pacto de Paris”, pelo qual D. Aldegundes de Bragança, tutora de D. Duarte Nuno, aceitou a legitimidade dinástica de D. Manuel II, enquanto Aires de Ornelas, em representação de D. Manuel II, deduziu por seu lado a aceitação de D. Duarte Nuno como herdeiro do trono, para o caso do rei deposto falecer sem filhos.
No plano da “questão dinástica, o Pacto de Paris vinha esvaziar de conteúdo a recente mudança do Integralismo Lusitano para o campo legitimista. Não escondendo algum júbilo, no dia 5 de Maio, a Acção Tradicionalista Portuguesa, de Alfredo Pimenta, aceita aquele Pacto e anuncia a sua dissolução enquanto organismo político. No dia seguinte, porém, a Junta Central do Integralismo Lusitano anuncia que não reconhece o Pacto.
As hostes que Alfredo Pimenta reunira em torno da Acção Tradicionalista Portuguesa, só vêm a recobrar do desaire sofrido em 16 de Janeiro de 1924, ao anunciar-se a criação da Acção Realista (1924-27)[10]. No mês anterior ficara desfeita a experiência dos Homens Livres. Isto é, estava já morto o projecto da revista Homens Livres quando Castelo Branco Chaves passa a alinhar na Acção Realista de Alfredo Pimenta.
Face aos dados disponíveis, inclino-me a considerar que, entre Novembro e Dezembro de 1923, Castelo Branco Chaves estaria em zona cinzenta ou indefinida. A sua saída do Integralismo Lusitano, comunicada por carta a Pequito Rebelo, só virá a ocorrer publicamente em Julho de 1925, sendo publicada a sua carta de despedida em a Acção Realista. Se foi a “questão dinástica” a afastá-lo do Integralismo Lusitano, existiam razões para o seu afastamento desde 1920. Porém, ao ler-se com atenção o único texto que ele publica na revista Homens Livres, o que se pode depreender é que ele estaria já então conquistado, senão pelo ideário da Seara Nova, ao menos por um novo mestre: António Sérgio. Com efeito, ao ler-se sob o título “Bibliografia”, a sua recensão ao Bosquejo da História de Portugal, de A. Sérgio, nesse ano publicado em Lisboa pela Biblioteca Nacional e que serviu de prólogo ao Guia de Portugal de Raul Proença, ali surge denunciada uma clara menor consideração pelo labor historiográfico que vinha sendo desenvolvido por António Sardinha, dirigente do Integralismo Lusitano. Ao “abordar a primeira época, que abrange os alvores nacionalidade e vai até à revolução de 1383-85”, Chaves diz que A. Sérgio colocou “com notável bom senso o tão debatido e sempre vago problema da raça, não se levando além da prudente opinião de Herculano”. Ora, tendo António Sardinha publicado, em 1915, a obra O Valor da Raça - Introdução a uma Campanha Nacional, onde se vai, além de Herculano, defender que o segredo da formação do reino de Portugal resultara da aliança que se estabelecera entre o Rei e os Concelhos ou Municípios, Chaves estava a denunciar uma nova preferência que o leva aliás a concluir pedindo que A. Sérgio “nos dê um grande estudo interpretativo da História de Portugal como só ele o seria capaz de fazer”.[11]
Através de uma carta de J. Fernandes Júnior, administrador do jornal A Monarquia, para José Pequito Rebelo (o documento ficou depositado no seu Espólio), com data de 4 de Dezembro de 1923, quando estava já a venda o 1º número da revista Homens Livres, sabemos que Castelo Branco Chaves pretendia instalar numa sala daquele jornal a administração da revista, prometendo concorrer no pagamento da renda da casa.[12] Em íntima ligação com António Sérgio, Chaves terá sido, pois, sem dúvida, um importante elemento de ligação entre os grupos seareiro e integralista. Inclino-me porém a pensar, tendo por base o testemunho de Aquilino Ribeiro, também citado por João Medina, que a mais importante das ligações entre integralistas e seareiros, terá sido estabelecida por intermédio de António Sérgio, pelo lado seareiro, e Afonso Lopes Vieira, pelo lado integralista. Se bem que não fazendo parte da Junta Central do Integralismo Lusitano (JCIL), terá sido por intermédio de Afonso Lopes Vieira que se estabeleceu a ideia de uma revista agregando os dois grupos, como se diz aliás no testemunho de Castelo Branco Chaves, citado por João Medina.
Em Novembro e Dezembro de 1923, a JCIL incluía Hipólito Raposo, António Sardinha, Luís de Almeida Braga, Alberto Monsaraz, Pequito Rebelo, e dois recentemente cooptados, em Maio de 1922, Afonso Lucas e Francisco Rolão Preto. Como reagiram estes integralistas ao projecto da revista?
Segundo João Medina, António Sardinha tê-lo-á aceite com entusiasmo. Não vejo motivo para duvidar. Amigo íntimo de Afonso Lopes Viera, Sardinha é aliás o único membro da JCIL a ver um artigo seu publicado na revista.
Tal como Medina, desconheço as reacções de Almeida Braga, Alberto Monsaraz, Afonso Lucas e Rolão Preto. Na interpretação de João Medina, terá sido José Pequito Rebelo quem criou as maiores dificuldades ao projecto. Nas palavras de Medina, Pequito Rebelo, “intratável integralista, verdadeiro mineral de dogmatismo, recusou-se a colaborar”. Quando João Medina publicou estas palavras, Pequito Rebelo era ainda vivo. No testemunho de Teresa Martins de Carvalho, sua sobrinha, Pequito Rebelo, ao ler aquelas palavras “ria-se muito. Já tinha ultrapassado os noventa anos e, portanto, era difícil ofendê-lo. Tirava daí apenas algo de divertido e curioso. – Sabes – disse ele para a sua sobrinha – já não pertenço à História. Pertenço à Geografia!”.[13] Mas, ter-se-ia mesmo Pequito Rebelo recusado a colaborar com a iniciativa dos Homens Livres?
Como referi, pela carta de Fernandes Júnior para Pequito Rebelo, sabemos que entre a publicação do 1º e do 2º número da revista, Chaves quis instalar a administração da revista na sede do jornal A Monarquia. Desconheço o teor da resposta de Pequito Rebelo. No seu Espólio, não encontrei vestígio de uma projectada colaboração, mas não deixa de ser importante assinalar que o seu nome figura sempre na lista dos colaboradores da revista. O que não acontece com Hipólito Raposo, também membro da JCIL, cujo nome figura apenas entre os colaboradores do primeiro número.
Entre o 1º e o 2º número da revista, sabemos que aumentou o número de colaboradores e que se juntaram ao grupo “militares de prestígio”, como Francisco Aragão e Ribeiro de Carvalho.[14] E, pelo testemunho recolhido por João Medina, sabemos também que António Sérgio ter-se-á reunido com Hipólito Raposo, Pequito Rebelo, Afonso Lucas e Afonso Lopes Vieira, entre outros, na sede do jornal A Monarquia para discutir “a intenção politica superior do grupo”. Nos espólios dos integralistas, não encontrei qualquer documento relatando o que se passou nessa reunião, sendo de admitir que “não se chegou...a qualquer acordo”.[15]No Espólio de Pequito Rebelo, existe uma cópia manuscrita, em papel com timbre do advogado Afonso Lucas, contendo o que poderá ter sido o programa que António Sérgio discutiu com os integralistas (Documento nº 2).
Entre a publicação do 1º e 2º número da revista Homens Livres, António Sérgio deu uma entrevista ao Diário de Lisboa, dizendo o seguinte:
“Façam abstracção, por exemplo da questão do rei e de algumas poucas ideias-sentimentos e verá que quase todas as teses concretas, de organização social, dos integralistas, se harmonizam perfeitamente com as do grupo Seara Nova.
- Uns e outros, pois...
Uns e outros são anti-conservadores; uns e outros são radicais; uns e outros regionalistas; uns e outros defendem a criação de uma assembleia representativa das classes e categorias sociais e intelectuais (com a diferença de que os primeiros só desejam esse e os segundos a combinam com um parlamento político); uns e outros atacam a plutocracia da sociedade portuguesa; uns e outros querem uma educação primária trabalhista e regional, etc.”[16]
O ponto nº 5 do programa da Seara Nova, adiante transcrito (Documento 2) diz com efeito o seguinte:
“A Seara Nova combate o parlamentarismo na forma como o temos tido; e, defendendo a existência de uma assembleia política, eleita por sufrágio não profissional, preconiza a criação de uma assembleia representativa das categorias económicas e intelectuais, ao lado da assembleia politica; em caso de conflito entre as duas assembleias deseja o recurso para o presidente da república, e, em ultima instancia para o referendum.”
Segundo Medina, terá havido ajuste de seareiros e integralistas no que respeitava ao recurso a uma ditadura de salvação nacional, de duração limitada, mas não foi possível estabelecer acordo quanto à nova ordem político-constitucional. Esta era uma diferença importante, que António Sérgio não escondia, mas que afinal minimizava na entrevista ao Diário de Lisboa: do lado seareiro, com efeito, defendia-se um sistema bicameral (câmara corporativa e câmara de partidos políticos), enquanto, do lado integralista, se defendia apenas, segundo as palavras de A. Sérgio, uma “assembleia representativa das classes e categorias sociais e intelectuais”.
Poderá ter sido este, na verdade, um decisivo pomo da discórdia. Sabemos que a colaboração dos integralistas com a situação sidonista fora escorada em pilar semelhante. E sabemos também, pelo programa do general Gomes da Costa, de Junho de 1926, praticamente elaborado pelos integralistas, que estes defendiam uma futura Constituição estabelecendo uma Câmara Representativa por delegação directa dos municípios, excluindo-se a representação através de partidos ideológicos.[17]
Na referida entrevista ao Diário de Lisboa, António Sérgio diz que o segundo número da revista incluirá colaboração de Hipólito Raposo. Tal não veio a acontecer e o seu nome veio mesmo a ser retirado da lista dos colaboradores. Assim, e face aos dados disponíveis, é bem possível que a maior intransigência para com a iniciativa dos Homens Livres não tenha partido de Pequito Rebelo, antes de Hipólito Raposo, secretário da Junta Central do Integralismo Lusitano, a mais importante personalidade dirigente do Integralismo Lusitano.
Nas suas Memórias, Hipólito Raposo explica que não chegou a aderir aos Homens Livres por lhe ter sido recusada a publicação de um artigo intitulado “Nos liberi sumus” (Nós somos livres), em que combatia a personalidade política e moral do presidente da República, Manuel Teixeira Gomes. Raposo acrescenta que o grupo também depressa de desfez: por alturas do Natal, dois seareiros “aceitaram o convite para fazer parte de um ministério de políticos desacreditados, daqueles que o grupo inicialmente se destinara a combater...”.[18]
Pela periodicidade estabelecida, o terceiro número da revista deveria ter saído na semana do Natal. Sem a participação do secretário da JCIL, Hipólito Raposo, seria muito difícil manter juntos por muito tempo seareiros e integralistas, mas terá sido a formação do governo Álvaro de Castro a deitar por terra o projecto. Dois seareiros pertencentes ao grupo dos Homens Livres aceitaram o convite para integrar o Governo: em 18 de Dezembro, António Sérgio é empossado como Ministro da Instrução Pública enquanto o major Ribeiro de Carvalho toma posse como Ministro da Guerra; em 24 de Dezembro, Mário de Azevedo Gomes toma posse como Ministro da Agricultura.
Tanto a revista dos Homens Livres como a participação do seareiros no Governo tiveram vida efémera. Em 26 de Fevereiro de 1924, já Ribeiro de Carvalho se demitia do Governo, secundado, dois dias depois, por António Sérgio. O governo de Álvaro de Castro acabará por cair em Julho desse ano.
2. O conteúdo da Revista Homens Livres
O 1º Número – 1 de Dezembro de 1923
No primeiro número da revista, os seareiros assinam seis prosas e um poema: “Vivos e Mortos” e “O Torpel dos Escravos” (poema), por António Sérgio; “Lamentabilis Illi... O Concerto do S. Luís ante os direitos da consciência e a dignidade nacional”, por Raul Proença; “O Palácio Mundial em perigo”, por Jaime Cortesão; “A propósito dos Jogos Olímpicos”, por Simões Raposo; “Em torno do problema da raça”, por Aquilino Ribeiro e “Portugal hostil aos portugueses de mérito” por Reynaldo dos Santos.
Pelo lado integralista, são publicadas apenas duas prosas: “Terra Nossa – Árvores”, por Afonso Lopes Vieira e, por Augusto da Costa, “A crise portuguesa e a reacção dos Homens Livres”.
O artigo de entrada, assinado por António Sérgio, sob o título “Vivos e Mortos”, identifica, de forma breve, “a grande linha divisória” que, naqueles dias, não era entre as direitas e as esquerdas, mas entre a política nova e a política velha.[19] Irmanados numa política nova, seareiros e integralistas, ali se apresentavam juntos em defesa de “uma Ideia Nacional, uma finalidade portuguesa, anterior e superior às finalidades partidárias”.[20]
No poema “O Tropel dos Escravos”, dedicado à “livre Mocidade Académica de Lisboa”, o toada é de denuncia da Finança e dos Partidos que dominam a República: “A turba passa, como um rio, / Orgíaca, infernal, entrechocada, aos gritos, / E no meio eu, convulso, ergo os braços aflitos/ Sobre o grão desvario.” A turba, porém, “é uma escada/ Submissa ao gesto brando e à palavra enflorada/ Que em mentira explodiu”... “Por sobre a podridão prospera o verme vivo, / Nos cofres do ricaço aninha o plumitivo, / Do oiro a pena sai...”
O artigo de Raul Proença refere-se à posição pública de protesto levantada por Raul Brandão, José de Figueiredo, Reinaldo dos Santos, Marck Athias, Jaime Cortesão, António Sérgio, Câmara Reis e Afonso Lopes Vieira, a respeito da exoneração do maestro Francisco de Lacerda e substituição pelo maestro Lassale.
Jaime Cortesão escreve sobre “O Palácio Mundial em perigo”, enquanto Simões Raposo, em “A propósito dos Jogos Olímpicos”, inclui várias reflexões de índole científico-cultural. Reynaldo dos Santos escreve acerca da “hostilidade portuguesa aos portugueses de mérito”.
Os textos de António Sérgio, Raul Proença, Jaime Cortesão, eram susceptíveis de ajudar a forjar alguma unidade, ao menos de acção, entre integralistas e seareiros. Do lado seareiro, porém, Aquilino Ribeiro disserta sobre o “problema da raça”, explicitando conceitos adversos ao ideário dos integralistas. Ali considera Aquilino que a “raça (portuguesa) desce a vertente rápida do seu aniquilamento”, acrescentando: “A raça, na sua maioria, é constituída por impaludados e luxuriosos, - impaludismo que a migração secular trouxe ao sangue português, e luxúria que, mercê do clima, educação sexual, cruzamento com outras raças inferiores, se infiltrou também no sangue da grei.”[21]
É possível que nestas palavras de Aquilino Ribeiro estivesse um eco das teses do “nacionalismo étnico” de Teófilo Braga, ou mesmo de Oliveira Martins, por exemplo, a quem repugnava a ideia de que Portugal pudesse ser uma “nação mestiça”.[22] Sendo certo que a apreciação racista de Aquilino era moeda corrente no ambiente colonialista da 1ª República (foi então que se começou a levantar o problema da assimilação jurídica das populações indígenas dos territórios de África[23]), mas não deixava de levantar ali um potencial pomo de discórdia com os integralistas, para quem Portugal permanecia e devia permanecer uma Nação plurirracial e pluricontinental.
Nesse primeiro número, como referido, a colaboração integralista resumia-se a dois textos, um assinado por Afonso Lopes Vieira, e o outro, por Augusto da Costa, então redactor no jornal A Monarquia, órgão do Integralismo Lusitano.
Afonso Lopes Vieira, sob o título “Terra Nossa”, em toada “ecologista” – diríamos hoje - publicou um breve texto em “prol de árvores cuja beleza, ainda que estejam caducas, vale infinitamente mais que rendimento dos futuros esteres de madeira com que os serviços florestais nos gratificam”.
O texto assinado por Augusto da Costa, porém, além de ser o mais extenso desse primeiro número da revista, é aquele em que se coloca o problema da definição de uma missão para a revista Homens Livres, nos seguintes termos: “A nossa crise é uma crise de elites, ou uma crise da Nação, organicamente considerada?”Ao que logo respondia: “a crise portuguesa é hoje uma crise de inteligência e de carácter, uma crise intelectual e moral, uma crise de valores individuais mais do que uma crise de valores colectivos.” [24]
Ao descer à componente político-social da crise, dizia Augusto da Costa: “A ditadura dos políticos – e dos políticos desorganizados dentro dos partidos ainda mais desorganizados – deu, daria fatalmente, no predomínio das oligarquias. Quem manda em Portugal? Os partidos? Não: entre os partidos, apenas um manda e dispõe do país: o mais forte numericamente e revolucionariamente. Os outros partidos são simples satélites do primeiro, apenas comparsas da comedia constitucional; só a benevolência do mais forte lhes permitirá o exercício temporário do governo. À face dos princípios, à face da letra constitucional corrente, é a maioria quem deve mandar. A maioria, porém, é constituída pelos não-votantes. Nessas circunstâncias, a minoria votante partilha-se numas tantas fracções, e a maior de todas elas é quem toma conta do governo. É isso a Soberania do Povo? Talvez, para aquela ínfima parcela de povo filiada no partido que detém o governo. Mas, para o resto da Nação, essa soberania de facto é pura e simplesmente a soberania dos partidos, se não dum partido só. A Nação está ausente do governo”.[25]
(...)
“A aliança da Finança com a Politica é cada vez mais apertada: Se os Homens Livres de Portugal o consentirem, se os que restam vivos no meio dessa catástrofe moral e material a isso se não opuserem, será essa aliança diabólica quem estrangulará definitivamente, como uma coleira de aço, a Nação atrofiada já nas suas energias vitais.
A Plutocracia dispõe dos políticos e dispõe também da imprensa.”
Era assim que se fazia jus ao subtítulo da revista Homens Livres – Livres da Finança & dos Partidos, mas, qual o caminho a seguir para se vencer a crise portuguesa?
Antes de mais reagir. Reagir, sim, mas sem uma preocupação imediatamente centrada nas maiorias - “As verdadeiras maiorias activas e dinâmicas, são sempre as minorias. O resto é poeira do caminho.”[26]
Para o integralista Augusto da Costa, na senda de Trindade Coelho, a que alude, coexistia em Portugal uma massa de bronze com uma elite de lama. Importava antes de mais trabalhar com e para os “homens livres”:
“A preocupação dos homens livres, de todos os homens livres que connosco pretendam trabalhar, deve ser exclusivamente a de reorganizarem a Nação verticalmente e não horizontalmente. Quer dizer: a nossa propaganda deve ser feita no sentido de reformar primeiramente as elites, os “homens-bons” e os “homens livres”, dando finalidade e coerência aos seus esforços, e por aí, depois, caminharmos com passos mais seguros para a conquista das massas.”[27]
Neste primeiro número da revista, em apoio a esta linha de ideias de Augusto da Costa, são transcritas palavras de Antero de Quental acerca da missão do escritor:
“O escritor quer o espírito livre de jugos, o pensamento livre de preconceitos e respeitos inúteis, o coração livre de vaidades, incorruptível e intemerato. Só assim serão grandes e fecundas as suas obras: só assim merecerá o lugar de censor entre os homens, porque o terá alcançado, não pelo favor das turbas inconstantes e injustas, ou pelo patronato degradante dos grandes e ilustres, mas elevando-se naturalmente sobre todos pela ciência, pelo paciente estudo de si e dos outros, pela limpeza interior duma alma que só vê e busca o bem, o belo, o verdadeiro.”[28]
Na mesma linha se situava o excerto de Oliveira Martins sobre o Ideal Nacional:
“Desgraçadas as nações que um dia deixaram de ter um pensamento, uma ambição, um ideal, que seja para o seu corpo colectivo o que é para o corpo humano esta energia sintética que nos anima, incitando-nos a trabalhar como condenados quando poderíamos viver como lazaronis.”[29]
Estranhamente, no que pode ter sido um contributo seareiro, é transcrito um excerto de Ortega y Gasset sob o título “Palavras sobre Espanha que se aplicam a Portugal”, onde se pode ler: “Os velhos políticos, digamo-lo lealmente, eram só a flor da velha política. A raiz e a causa de todo o regime estavam e estão nos governados, e não nos governantes”.[30]
Começava a adivinhar-se difícil esta aliança entre integralistas e seareiros. De um lado, as citações de Antero de Quental e de Oliveira Martins vinham em reforço da tese da crise de elites diagnosticada por Augusto da Costa; do outro lado, transcrevia-se Ortega y Gasset, para se dizer que a raiz da crise estava igualmente nos governados, nessa massa que afinal não seria de bronze, mas antes responsável pelo lamaçal em a que as elites se prostravam.
Como foi referido, entre o 1º e o 2º número da revista, António Sérgio deu uma entrevista ao Diário de Lisboa, sublinhando os pontos comuns. Pelo lado integralista, havia mesmo a promessa de colaboração de Hipólito Raposo com um texto a publicar no próximo número. Depois desta entrevista terá então ocorrido a reunião na sede do jornal A Monarquia entre António Sérgio e os integralistas.
O 2º Número – 12 de Dezembro de 1923
O segundo número da revista Homens Livres voltou a ser mais seareiro do que integralista: seis textos eram assinados por seareiros contra dois por integralistas.
O artigo de abertura vinha assinado pelo seareiro Bettencourt Rodrigues, reproduzindo as últimas páginas do seu livro, então no prelo, Prováveis alianças e agrupamentos de nações. Uma Confederação Luso-Brasileira. O cerne da proposta de Bettencourt Rodrigues apontava para uma nova formação política centrada no Atlântico mas, no quadro político europeu da época, ali se sugeria o alinhamento de Portugal com a Itália de Mussolini e a Espanha de Rivera numa União Latina.[31]
Celestino da Costa trata do problema da investigação científica em Portugal (Costa A. C., 1978), enquanto Ezequiel de Campos escreve sobre “A Questão Agrária”.[32]
Segundo o seareiro Ezequiel de Campos, a situação agrária portuguesa caracterizava-se num duplo e grave desequilíbrio económico e demográfico: o “desequilíbrio das profissões” e o “desarranjo demográfico”. A solução estava em estancar a correntes migratórias para a França e para o Brasil e povoar o sul do território continental, em especial o deserto alentejano. Na visão de Ezequiel de Campos, depois da “traulitânia” - aludindo à derrota dos monárquicos no Norte e em Monsanto (Lisboa), em 1919 - o regime republicano passara a viver em “comunismo burocrático e mavórcio” ou, como dirá mais adiante “em revolucionário comunismo de pedintes em autofagia”.[33]
António Sérgio assina um texto intitulado “Decadência Física e Apatia Moral”, em que faz uma apologia dos desportos e do exercício físico, municiado em longas citações de autores que os integralistas muito apreciavam e divulgavam: Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Fialho de Almeida. António Sérgio defendia naturalmente os seus pontos de vista mas, por assim dizer, acariciando os integralistas.
Ainda no campo seareiro, Quirino de Jesus revela alguns dos meandros do caso das "400.000 Libras Esterlinas”, porventura “o sintoma mais grave, neste últimos anos, da desmoralização que invadiu os poderes do Estado e os altos corpos que auxiliam ou corrigem a sua governação”. A sua conclusão justificava a reacção dos Homens Livres: a Finança e os partidos políticos viviam em vergonhoso conúbio: “todos os partidos e grupos da Câmara estavam influenciados em larga escala pelas pretensões dos interessados”.[34]
Nesse segundo número da revista, os dois textos assinados por integralistas vêm assinados por Augusto da Costa e António Sardinha.
Augusto da Costa apresenta algumas “Reflexões sobre Congressos Económicos” promovidos pelas Associações comerciais e industriais de todo o país[35], voltando, no cerne da sua mensagem, a tocar no problema da representação política: “querer que um Parlamento político, exclusivamente constituído por representantes dos partidos políticos, e só como tal valendo os seus componentes individuais, seja capaz de representar e de se identificar com os interesses económicos da Nação, que ele totalmente desconhece, é querer fazer passar o absurdo por um raciocínio lógico.”[36]
Mas é neste segundo número que um membro da Junta Central do Integralismo Lusitano, António Sardinha, publica o artigo intitulado “Almas Republicanas”.
António Sardinha, referindo-se ao texto de abertura da revista, no seu 1º número – “Vivos e Mortos” – começa por dizer o seguinte: “Chamou António Sérgio aos integralistas, ou, pelo menos aos melhores dos integralistas (o que para o caso não é indiferente!) “almas republicanas”. Não repelirei, por minha parte, a designação, desde que lhe precisemos o sentido.”
“Defensores, contra a centralização abusiva do Estado moderno – ou seja ele de estrutura electiva, ou simplesmente monárquico-liberal – daquele perdido localismo municipal, corporativo e provincialista, em que nasciam e se robusteciam as virtudes cívicas dos antigos cidadãos, o adjectivo “republicano” pode caber-nos, na verdade, logo que o restituamos ao sentido apontado.
Exprime até magnificamente o nosso protesto politico perante o que são hoje as “republicas”, como sistemas de governo – máquinas de burocracia congestiva, em que as oligarquias, tanto partidaristas como plutocráticas, asfixiam as livres iniciativas não só dos indivíduos, como da colectividade.”
Se a representação da República fosse feita através dos municípios e não através de partidos ideológicos, então António Sardinha era republicano. Do seu ponto de vista, República e Monarquia não eram conceitos em si mesmo contraditórias, e por isso acrescentava que a “democracia” ou a “república”, no sentido municipalista que apontara, era melhor servida pela instituição monárquica no topo do Estado, enquanto “agente eficaz de unidade” nacional. “Nós, integralistas, almas republicanas, defendemos a Monarquia como fecho e remate da nação organizada”. Para Sardinha, as Repúblicas geridas por partidos correspondiam ao “regime aristocrático (ou oligárquico) por excelência”.
“Exactamente porque os integralistas se têm como “almas republicanas” é que a instituição monárquica não é para eles um detalhe decorativo ou episódio de museu.”
A rematar, António Sardinha referindo-se ao projecto Homens Livres – Livres da Finança e dos Partidos, diz que não havia motivo para desistir. Do seu ponto de vista, havia coincidência em muita solução. Mais: a revista tinha vindo ao encontro das aspirações dos integralistas: “Chamaram por nós num brado de heróica mocidade. A esse brado respondemos, porque respondemos sempre a tudo o que seja por Portugal e a que não falte o selo dignificador da inteligência.”
3. Após a experiência dos Homens Livres
Do lado dos defensores do regime da 1ª República, Carlos Ferrão classificou a experiência dos Homens Livres como uma “colaboração espúria”. Situando-se na mesma linha de ideias, João Medina conclui interrogando se os seareiros, aliando-se aos integralistas, não terão cometido um “erro de estratégia”. Ter-se-iam tornando-se, dali em diante, em “Cassandras trágicas diante do naufrágio iminente da República”.
Ao avaliar o campo adversário, Medina diz que os integralistas lusitanos, após a experiência dos Homens Livres, passaram à conspiração activa, politica e militar, contra o regime. Julgo tratar-se de um erro de paralaxe. O derrube da República era, para os integralistas, um objectivo estratégico, de há muito perseguido e aplicado em moldes conspirativos; assim tinham actuado logo após o assassínio do presidente Sidónio Pais, concorrendo com risco de vida para a proclamação da Monarquia no Norte e em Monsanto, e assim continuaram a actuar, de forma activa, antes e depois de 1923.
Na perspectiva dos mais destacados integralistas e seareiros, resulta claro que o subtítulo da revista Homens Livres tinha grande acuidade. Havia com efeito dois inimigos comuns a combater: a Plutocracia e o Partidarismo.
Esta aproximação entre seareiros e integralistas na revista Homens Livres foi muito efémera, mas não se ficou por ali. Depois de derrubada a 1ª República, seareiros e integralistas voltaram a encontrar-se, em diversas ocasiões, na oposição ao que Hipólito Raposo designou por “Estatocracia” (1926-1932), “Salazarquia” (1933-1939) e “Ilusitânia” (1940-1952). António Sardinha falecera em 1925. Hipólito Raposo virá a falecer em 1953. Os mais destacados integralistas que lhes sobreviveram, com destaque para Luís de Almeida Braga e Francisco Rolão Preto, continuaram na senda dos seus companheiros, espreitando oportunidades propícias à junção de esforços com os seareiros. Foi desse esforço de unidade que vem a resultar o lançamento da candidatura presidencial do General Humberto Delgado, em 1958.
No teor de algumas das intervenções que escutei durante este evento, encontrei um certo sentido de homenagem aos homens da Seara Nova. São poucos os documentos que hoje aqui junto ao processo historiográfico dos Homens Livres, mas espero possam ainda assim contribuir para fazer avançar o inquérito em busca da verdade. É desta forma que lhes quero aqui prestar também a minha homenagem.
UM PROGRAMA DA SEARA NOVA (Dezembro de 1923)
1. A Seara Nova afirma um Ideal Nacional e o desejo da persistência da Pátria Portuguesa, autónoma; e preconiza a existência de um estado jurídico entre as nações, salvaguarda das pátrias militarmente fracas perante as mais fortes: que elas regulem as suas mútuas relações pelos ditames da consciência moral e do espírito jurídico.
2. A Seara Nova reconhece a liberdade da Igreja Católica, sem protecção do Estado, mas sem pressão ou hostilidade da parte deste: separação verdadeira e leal do Estado e das Igrejas.
3. A Seara Nova defende a estabilidade e normalidade da constituição da família para a qual admite uma base exclusivamente jurídica.
4. A Seara Nova combate o predomínio da plutocracia na sociedade portuguesa e a constituição oligárquica e parasitária d’ela, bem como o espírito conservador, aliado dessa constituição e desse predomínio.
5. A Seara Nova combate o parlamentarismo na forma como o temos tido; e, defendendo a existência de uma assembleia politica, eleita por sufrágio não profissional, preconiza a criação de uma assembleia representativa das categorias económicas e intelectuais, ao lado da assembleia politica; em caso de conflito entre as duas assembleias deseja o recurso para o presidente da república, e, em ultima instancia para o referendum.
6. A Seara Nova propõe a reforma da lei eleitoral para a assembleia politica, nos moldes da lei eleitoral argentina.
7. A Seara Nova não defende a luta de classes, mas a justa organização das classes pelo corporativismo, e a procura constante de um salário justo.
8. A Seara Nova sustenta, no problema financeiro, a compressão das despesas improdutivas, mas o aumento das despesas produtivas (sobretudo no fomento agrícola e na instrução pública reformada) e a manutenção das dotações orçamentais nos serviços onde se revela um espírito criador e progressivo para bem da economia ou da cultura intelectual da comunidade.
9. A Seara Nova preconiza a reforma da educação nacional; a orientação trabalhista das escolas primárias (sem que passem a ser técnicas) desenvolvendo-se os trabalhos manuais como centro principal de interesse; o desenvolvimento das humanidades modernas na instrução secundária; a criação de escolas modelo, de um museu Pedagógico, de uma residência de Estudante, de uma Junta de Promoção de Estudos.
10. A Seara Nova preconiza a reforma agrária, nas linhas seguintes: obrigação de cultivo segundo as possibilidades dos terrenos, determinadas pelos técnicos; legislação de concentração parcelaria; casal de família; fomento da pequena e da média propriedade ao pé da grande, nas regiões onde esta predomina; mobilização da propriedade rústica.
11. A Seara Nova preconiza a execução de um plano de numerosos pequenos trabalhos de hidráulica agrícola, estudado sob a direcção de uma autoridade técnica mundial no assunto.
12. A Seara Nova preconiza o aproveitamento hidroeléctrico dos nossos rios por empresas portuguesas, com caducidade de todas as concessões actuais em que se não tenham cumprido as clausulas relativas ao prazo marcado para começo das obras, ou em que se não haja trabalhado com a intensidade correspondente à que tecnicamente devia haver para serem executadas no período respectivo, assim como daquelas em que se tenham pedido modificações e prorrogações e as obras não estejam em plena actividade, revertendo ao Estado as concessões caducas, para salvaguarda dos interesses nacionais; classificação das quedas de água e seu agrupamento, para concessão oportuna em máxima vantagem do trabalho português; intervenção efectiva do governo para a realização imediata dos aproveitamentos hidroeléctricos fundamentais e da rede fundamental de transportes eléctricos.
Referências
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[1] João Medina, O Pelicano e a Seara - Integralistas e Seareiros juntos na Revista Homens Livres. Lisboa: Edições António Ramos, 1978, pp. 35-131.
[2] João Medina, Op. cit. , p. 11.
[3] João Medina, Op. cit., p. 15.
[4] Arquivo de Teresa Martins de Carvalho - Espólio de José Pequito Rebelo. J. Fernandes Junior - Correspondência para José Pequito Rebelo. Lisboa, 4 de Dezembro de 1923.
[5] Arquivo de Teresa Martins de Carvalho - Espólio de José Pequito Rebelo. “Seara Nova” (Programa manuscrito em sete páginas de papel timbrado do advogado Affonso Lucas). Lisboa, sem data (Dezembro de 1923?).
[6] João Medina, Op. cit., p. 15.
[7] Testemunho de Alfredo Pimenta, em 1944: “Chamaram por mim, várias vezes, garotos e falhados. De uma vez até, no meio da refrega brava, não faltou quem fosse meter na mão do meu adversário, as expressões injuriosas que (António) Sardinha tivera para comigo. O lacaio abjecto (Castelo Branco Chaves) fora do Integralismo, passara para a Acção Realista e acabara de fundear na barraca da Seara Nova...”; citado em João Medina, Op. cit., p. 26, nota 5.
[8] João Medina, Op. cit., p. 26.
[9] A Questão Dinástica – Documentos para a História mandados coligir e publicar pela Junta Central do Integralismo Lusitano, Lisboa, Empresa Nacional de Industrias Graficas, Limitada, 1921.
[10] A Comissão Executiva da Acção Realista era constituída por Alfredo Pimenta, António Cabral, Caetano Beirão, José Rodrigues de Sucena (2º Conde de Sucena), Ernesto Gonçalves, Francisco Xavier Quintela, José Pedro Folque, D. Rui Zarco da Câmara e Visconde do Torrão.
[11] Castelo Branco Chaves, “Bibliografia. António Sérgio: Bosquejo da História de Portugal - Publicação da Biblioteca Nacional, Lisboa, 1923” In João Medina, Op. cit., pp. 121-125.
[12] Arquivo de Teresa Martins de Carvalho / Espólio de José Pequito Rebelo. Pasta J. Fernandes Junior - Correspondência para José Pequito Rebelo. Lisboa, 4 de Dezembro de 1923.
[13] Teresa Martins de Carvalho, Apresentação dos "Filhos de Ramires", 3 de Novembro de 2004, Unica Semper Avis, acedido em 27 de Outubro de 2009: http://www.angelfire.com/pq/unica/il_tmc_2004_filhos_de_ramires.htm
[14] João Medina, Op. cit., p. 20.
[15] João Medina, Op. cit., p. 20.
[16] “Homens Livres ou a nova falange política – António Sérgio fala das ideias reformadoras comuns a todos os campos.”, Diário de Lisboa, Dezembro de 1923.
[17] Hipólito Raposo, Folhas do Meu Cadastro – Volume II (1926-1952), Lisboa, Comissão do Centenário de Hipólito Raposo, 1986, pp. 14-19.
[18] Raposo, J. H., Folhas do Meu Cadastro. Lisboa: Edições Gama, 1945, pp. 234-235.
[19] Sérgio, A. Vivos e Mortos. In João Medina, Op. cit., pp. 39-41.
[20] Sérgio, A., Vivos e Mortos. In João Medina, Op. cit., p. 41.
[21] Aquilino Ribeiro, Em torno do problema da raça. In João Medina, Op. cit., pp. 72-75, cit. p. 74.
[22] J. P. de Oliveira Martins, O Brasil e as Colónias Portuguesas. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1920, pp. 149-153.
[23] Leis nº 277 (Lei Orgânica da Administração Civil das Províncias Ultramarinas) e nº 278 (Lei Orgânica da Administração Financeira das Províncias Ultramarinas) de 15 de Agosto de 1914.
[24] Augusto da Costa, A Crise Portuguesa e a Reacção dos Homens Livres. In João Medina, Op. cit., pp. 56-63, cit. p. 56.
[25] Augusto da Costa, Idem. In João Medina, Op. cit., pp. 57, 58-59.
[26] Augusto da Costa, Idem. In João Medina, Op. cit., pp. 56-63, cit. p. 62.
[27] Augusto da Costa, Idem. In João Medina, Op. cit., cit. p. 62.
[28] Antero de Quental, Palavras de Antero de Quental, In J. Medina, Op. cit., p. 55.
[29] Oliveira Martins, Ideal Nacional, In João Medina, Op. cit., p. 64.
[30] Ortega y Gasset, Palavras sobre Espanha que se aplicam a Portugal. In João Medina, Op. cit., pp. 68-69.
[31] Bettencourt Rodrigues, À Diplomacia Portuguesa. In João Medina, Op. cit., pp. 85-89.
[32] A. Celestino Costa, O Problema da Investigação Científica em Portugal. In João Medina, Op. cit., pp. 89-95.
[33] Ezequiel de Campos, A Questão Agrária. In João Medina, Op. cit., pp. 95-98; cit. p. 96, 98.
[34] Quirino de Jesus, As 400 000 Libras Estrelinas. In João Medina, Op. cit., 1978, pp. 110-115; cit. pp. 114-115.
[35] Augusto da Costa, Reflexões sobre Congressos Económicos. In João Medina, Op. cit., 1978, pp. 117-121.
[36] Augusto da Costa, Idem, In João Medina, Op. cit., pp. 117-121, cit. p. 120.
Em 1978, num livro intitulado O Pelicano e a Seara, João Medina apresentou e reproduziu o texto integral dos dois únicos números da revista Homens Livres – Livres da Finança & dos Partidos, publicados em Dezembro de 1923.[1]
No referido texto de apresentação, Medina começa por dizer que “a constituição, em 1923, do grupo dos Homens Livres reunindo monárquicos do Integralismo Lusitano e republicanos da Seara Nova constitui uma das maiores surpresas dos meandros ideológicos e políticos da I República”.[2] Em abono desta alegada surpresa, seareiros e integralistas são ali apresentados como “dois adversários políticos figadais”, “em tudo opostos”, isto apesar de se reconhecer, logo adiante, no mesmo parágrafo, que, entre seareiros e integralistas, havia “um denominador comum”: “a idêntica recusa do statu quo institucional, o repúdio pelo demo-liberalismo, a recusa de um regime de balbúrdia", “plutocracia” e "ineficácia governativa”. Após outros considerandos, Medina conclui ter sido a iminência do retorno de Afonso Costa ao Governo, em 1923, a unir as duas forças ideológicas antagónicas. Perante tal eventualidade, a iniciativa dos “Homens Livres”, segundo Medina, perde “o seu ar de paradoxo e, inserida no contexto das lutas internas do tempo, torna-se até lógica”[3]. Desfeita a paradoxal surpresa, e baseando-se num “depoimento escrito” cedido por Castelo Branco Chaves, Medina narra depois “a curta da vida revista e do grupo Homens Livres, intercalando um ou outro depoimento de outros protagonistas do caso” – sobretudo o de Aquilino Ribeiro, pelo lado seareiro, e o de Hipólito Raposo, pelo lado integralista.
Ao aceitar o convite para participar neste Colóquio (*), coloquei-me uma pergunta primacial: trinta e um ano depois da publicação de O Pelicano e a Seara, haveria algo a acrescentar às palavras introdutórias de João Medina?
Após uma breve revisita às publicações e aos documentos depositados nos espólios dos integralistas, concluí que havia na verdade algumas informações a emendar e a ajustar e outras a adicionar. As emendas e os ajustes serão mencionados no decurso da minha exposição e, para benefício de futuras investigações, junto no final dois documentos ao processo:
- Uma carta de J. Fernandes Júnior, administrador do jornal A Monarquia, para Pequito Rebelo, de 4 de Dezembro de 1923[4];
- Uma cópia de um manuscrito, em papel com timbre do advogado Afonso Lucas, sem data, contendo o que poderá ter sido o programa que António Sérgio discutiu com os integralistas lusitanos em Dezembro de 1923.[5]
1. A vida efémera do grupo “Homens Livres”
A constituição dos “Homens Livres” foi uma iniciativa do grupo da Seara Nova (1921) inserido no âmbito de um processo aberto, em Março de 1923, com a criação de uma “União Cívica” para intervir activamente na política à margem dos partidos políticos.
Após a eleição pelo Parlamento, em 6 de Agosto, de Manuel Teixeira Gomes para a presidência da República, cresceu no seio do grupo seareiro uma forte apreensão perante o que se temia pudesse vir a ser o regresso de Afonso Costa à área da governação. No número 23 da revista Seara Nova, correspondente a Outubro-Novembro desse ano, Raul Proença publicou com efeito um artigo onde refere os “defeitos graves” e os “malefícios” que para Portugal resultaram da política de Afonso Costa. Terá sido pois nesse ambiente, em que ainda se temia o regresso do “fatal Afonso Costa”, que entre os seareiros terá surgido a ideia de congregar esforços com o grupo do Integralismo Lusitano.
Tendo por base o testemunho de Castelo Branco Chaves[6], recolhido por João Medina, António Sérgio terá pedido um dia a sua colaboração num rodapé do jornal A Pátria, dirigido por Nuno Simões. Chaves terá aceite o convite, mas, dias depois, era-lhe revelado um outro plano resolvido por António Sérgio, Afonso Lopes Vieira, Raul Proença, Jaime Cortesão e Reinaldo dos Santos, em reuniões entretanto realizadas na Biblioteca Nacional. A ideia seria agora a de se lançar uma revista independente.
João Medina, citando o testemunho de Alfredo Pimenta, identifica do seguinte modo a filiação política de Castelo Branco Chaves: no Integralismo Lusitano até à criação da Acção Realista (1924-27), passando depois para a Seara Nova.[7]
Em Janeiro de 1919, Castelo Branco Chaves esteve com o movimento monárquico de Monsanto, tendo sido mesmo redactor do jornal A Monarquia. Mas, em Dezembro de 1923, ao publicar-se a revista Homens Livres, estaria ainda Chaves no campo do Integralismo Lusitano, como Medina depreende a partir das palavras de Alfredo Pimenta? [8]
Julgo que não. Em finais de 1923, se Chaves ainda estivesse no campo do Integralismo Lusitano, porque razão fora convidado por António Sérgio, antes ainda de ter surgido a ideia de lançar a revista Homens Livres, para participar no jornal Pátria de Nuno Simões?
João Medina apresenta o surgimento da Acção Realista como o resultado de uma cisão no seio do Integralismo Lusitano. O equívoco de João Medina a respeito da filiação de Castelo Branco Chaves, em Dezembro de 1923, pode talvez explicar-se por essa imprecisão que exprime a respeito da relação entre o grupo da Acção Realista e o grupo do Integralismo Lusitano.
A Acção Realista, constituída em Janeiro de 1924, não constituiu uma cisão no seio do Integralismo Lusitano, sendo antes uma organização que sucede à Acção Tradicionalista Portuguesa, formada em 1921. Para se compreender a atitude do Integralismo Lusitano face à iniciativa dos Homens Livres, importa esclarecer as exactas circunstâncias que rodearam a formação da Acção Tradicionalista Portuguesa.
O Integralismo Lusitano surgiu como movimento de ideias tradicionalistas entre 1913 e 1914. Na sequência da entrada de Portugal na Grande Guerra, em Abril de 1916, os integralistas anunciam a sua transformação em organização política, afirmando obediência a D. Manuel II e confiança na aliança luso-britânica. Com a chegada ao poder de Sidónio Pais, os integralistas colaboram activamente na situação presidencialista que se esboçou. O propósito sidonista de acolher uma representação socioprofissional no Senado tinha para eles grande significado político: pôr fim ao monopólio da representação por intermédio de partidos ideológicos (regime parlamentar), permitindo a representação dos municípios, dos sindicatos operários, dos grémios profissionais e patronais, etc., era dar um primeiro passo no sentido do restabelecimento da democracia orgânica da antiga Monarquia portuguesa.
Após o assassínio de Sidónio Pais e o rápido retorno ao regime político-constitucional da “República Velha”, os integralistas pressionam os restantes monárquicos no sentido da acção revolucionária e, obtendo o acordo do Lugar-Tenente de D. Manuel II, Aires de Ornelas, lançam-se para a primeira linha do movimento político-militar que vem a proclamar a Monarquia do Norte (Porto) e do Monsanto (Lisboa).
Em Janeiro e Fevereiro de 1919, precipita-se o desaire político-militar dos monárquicos e, em Julho, a Junta Central do Integralismo Lusitano (JCIL) envia a Londres uma delegação propondo a D. Manuel II uma reorganização dos organismos monárquicos que tivesse como objectivo vir a actuar com sucesso pela via revolucionária. Na perspectiva dos integralistas, ficara encerrado, durante sidonismo, o capítulo da colaboração legal dos monárquicos com a República. [9]
O projecto de organização revolucionária não obteve porém acolhimento junto de D. Manuel II e, em 19 de Outubro de 1919, os integralistas anunciaram o afastamento da sua obediência, para vir a reconhecer, em 2 de Setembro de 1920, D. Duarte Nuno de Bragança, como legítimo herdeiro do trono português.
Ao abraçar a causa legitimista (ou miguelista), o Integralismo Lusitano abriu imediatamente espaço para a criação de uma organização monárquica que de algum modo copiasse ou aparentasse copiar o seu ideário tradicionalista no campo dos seguidores de D. Manuel II. E não tardou muito para que esse espaço fosse ocupado: em 25 de Julho de 1921, era tornado público o lançamento da Acção Tradicionalista Portuguesa, com uma junta directiva constituída por Mateus da Graça de Oliveira Monteiro, Alberto Ramires dos Reis e Alfredo Pimenta, contando, entre os seus colaboradores, Alfredo de Freitas Branco, Eurico Satúrio Pires, Francisco Vieira de Almeida, João da Rocha Páris e Luís Vieira de Castro. Cerca de cinco meses depois, Alfredo Pimenta explicou os propósitos da Acção Tradicionalista Portuguesa, num órgão com o mesmo nome (Lisboa, nº 1, 10 de Dezembro de 1921; Lisboa, nº 2, 30 de Dezembro de 1921).
Como referi, João Medina apresenta a Acção Realista como uma cisão no seio do Integralismo Lusitano. Seria esta nova organização uma cisão no seio do Integralismo Lusitano?
Para que a Acção Realista representasse uma cisão no seio do Integralismo Lusitano seria necessário que os seus dirigentes tivessem sido, ou ao menos alguns deles, dirigentes do Integralismo Lusitano. Não foi esse o caso. A Junta Central do Integralismo Lusitano manteve-se unida. A Acção Tradicionalista Portuguesa captou, porém, algumas personalidades até aí identificadas como apoiantes ou aderentes ao Integralismo Lusitano, como Luís Chaves e Caetano Beirão. Nenhum deles pertencera à Junta Central do Integralismo Lusitano, mas sem dúvida que, de forma mais ou menos consistente, alguma coisa deviam ao ideário tradicionalista que os seus órgãos de imprensa vinham semeando desde 1913-1914. Colher os frutos da sementeira de ideias lançada pelo Integralismo Lusitano, foi aliás o claro propósito do designado "Núcleo Integralista D. Manuel II”, então lançado por Luís Chaves.
Apesar da união e firmeza dos dirigentes do Integralismo Lusitano em torno da sua nova postura dinástica, alguma confusão se instalou na hoste dos seus aderentes e simpatizantes quando, em 17 de Abril de 1922, foi assinado o acordo dinástico designado por “Pacto de Paris”, pelo qual D. Aldegundes de Bragança, tutora de D. Duarte Nuno, aceitou a legitimidade dinástica de D. Manuel II, enquanto Aires de Ornelas, em representação de D. Manuel II, deduziu por seu lado a aceitação de D. Duarte Nuno como herdeiro do trono, para o caso do rei deposto falecer sem filhos.
No plano da “questão dinástica, o Pacto de Paris vinha esvaziar de conteúdo a recente mudança do Integralismo Lusitano para o campo legitimista. Não escondendo algum júbilo, no dia 5 de Maio, a Acção Tradicionalista Portuguesa, de Alfredo Pimenta, aceita aquele Pacto e anuncia a sua dissolução enquanto organismo político. No dia seguinte, porém, a Junta Central do Integralismo Lusitano anuncia que não reconhece o Pacto.
As hostes que Alfredo Pimenta reunira em torno da Acção Tradicionalista Portuguesa, só vêm a recobrar do desaire sofrido em 16 de Janeiro de 1924, ao anunciar-se a criação da Acção Realista (1924-27)[10]. No mês anterior ficara desfeita a experiência dos Homens Livres. Isto é, estava já morto o projecto da revista Homens Livres quando Castelo Branco Chaves passa a alinhar na Acção Realista de Alfredo Pimenta.
Face aos dados disponíveis, inclino-me a considerar que, entre Novembro e Dezembro de 1923, Castelo Branco Chaves estaria em zona cinzenta ou indefinida. A sua saída do Integralismo Lusitano, comunicada por carta a Pequito Rebelo, só virá a ocorrer publicamente em Julho de 1925, sendo publicada a sua carta de despedida em a Acção Realista. Se foi a “questão dinástica” a afastá-lo do Integralismo Lusitano, existiam razões para o seu afastamento desde 1920. Porém, ao ler-se com atenção o único texto que ele publica na revista Homens Livres, o que se pode depreender é que ele estaria já então conquistado, senão pelo ideário da Seara Nova, ao menos por um novo mestre: António Sérgio. Com efeito, ao ler-se sob o título “Bibliografia”, a sua recensão ao Bosquejo da História de Portugal, de A. Sérgio, nesse ano publicado em Lisboa pela Biblioteca Nacional e que serviu de prólogo ao Guia de Portugal de Raul Proença, ali surge denunciada uma clara menor consideração pelo labor historiográfico que vinha sendo desenvolvido por António Sardinha, dirigente do Integralismo Lusitano. Ao “abordar a primeira época, que abrange os alvores nacionalidade e vai até à revolução de 1383-85”, Chaves diz que A. Sérgio colocou “com notável bom senso o tão debatido e sempre vago problema da raça, não se levando além da prudente opinião de Herculano”. Ora, tendo António Sardinha publicado, em 1915, a obra O Valor da Raça - Introdução a uma Campanha Nacional, onde se vai, além de Herculano, defender que o segredo da formação do reino de Portugal resultara da aliança que se estabelecera entre o Rei e os Concelhos ou Municípios, Chaves estava a denunciar uma nova preferência que o leva aliás a concluir pedindo que A. Sérgio “nos dê um grande estudo interpretativo da História de Portugal como só ele o seria capaz de fazer”.[11]
Através de uma carta de J. Fernandes Júnior, administrador do jornal A Monarquia, para José Pequito Rebelo (o documento ficou depositado no seu Espólio), com data de 4 de Dezembro de 1923, quando estava já a venda o 1º número da revista Homens Livres, sabemos que Castelo Branco Chaves pretendia instalar numa sala daquele jornal a administração da revista, prometendo concorrer no pagamento da renda da casa.[12] Em íntima ligação com António Sérgio, Chaves terá sido, pois, sem dúvida, um importante elemento de ligação entre os grupos seareiro e integralista. Inclino-me porém a pensar, tendo por base o testemunho de Aquilino Ribeiro, também citado por João Medina, que a mais importante das ligações entre integralistas e seareiros, terá sido estabelecida por intermédio de António Sérgio, pelo lado seareiro, e Afonso Lopes Vieira, pelo lado integralista. Se bem que não fazendo parte da Junta Central do Integralismo Lusitano (JCIL), terá sido por intermédio de Afonso Lopes Vieira que se estabeleceu a ideia de uma revista agregando os dois grupos, como se diz aliás no testemunho de Castelo Branco Chaves, citado por João Medina.
Em Novembro e Dezembro de 1923, a JCIL incluía Hipólito Raposo, António Sardinha, Luís de Almeida Braga, Alberto Monsaraz, Pequito Rebelo, e dois recentemente cooptados, em Maio de 1922, Afonso Lucas e Francisco Rolão Preto. Como reagiram estes integralistas ao projecto da revista?
Segundo João Medina, António Sardinha tê-lo-á aceite com entusiasmo. Não vejo motivo para duvidar. Amigo íntimo de Afonso Lopes Viera, Sardinha é aliás o único membro da JCIL a ver um artigo seu publicado na revista.
Tal como Medina, desconheço as reacções de Almeida Braga, Alberto Monsaraz, Afonso Lucas e Rolão Preto. Na interpretação de João Medina, terá sido José Pequito Rebelo quem criou as maiores dificuldades ao projecto. Nas palavras de Medina, Pequito Rebelo, “intratável integralista, verdadeiro mineral de dogmatismo, recusou-se a colaborar”. Quando João Medina publicou estas palavras, Pequito Rebelo era ainda vivo. No testemunho de Teresa Martins de Carvalho, sua sobrinha, Pequito Rebelo, ao ler aquelas palavras “ria-se muito. Já tinha ultrapassado os noventa anos e, portanto, era difícil ofendê-lo. Tirava daí apenas algo de divertido e curioso. – Sabes – disse ele para a sua sobrinha – já não pertenço à História. Pertenço à Geografia!”.[13] Mas, ter-se-ia mesmo Pequito Rebelo recusado a colaborar com a iniciativa dos Homens Livres?
Como referi, pela carta de Fernandes Júnior para Pequito Rebelo, sabemos que entre a publicação do 1º e do 2º número da revista, Chaves quis instalar a administração da revista na sede do jornal A Monarquia. Desconheço o teor da resposta de Pequito Rebelo. No seu Espólio, não encontrei vestígio de uma projectada colaboração, mas não deixa de ser importante assinalar que o seu nome figura sempre na lista dos colaboradores da revista. O que não acontece com Hipólito Raposo, também membro da JCIL, cujo nome figura apenas entre os colaboradores do primeiro número.
Entre o 1º e o 2º número da revista, sabemos que aumentou o número de colaboradores e que se juntaram ao grupo “militares de prestígio”, como Francisco Aragão e Ribeiro de Carvalho.[14] E, pelo testemunho recolhido por João Medina, sabemos também que António Sérgio ter-se-á reunido com Hipólito Raposo, Pequito Rebelo, Afonso Lucas e Afonso Lopes Vieira, entre outros, na sede do jornal A Monarquia para discutir “a intenção politica superior do grupo”. Nos espólios dos integralistas, não encontrei qualquer documento relatando o que se passou nessa reunião, sendo de admitir que “não se chegou...a qualquer acordo”.[15]No Espólio de Pequito Rebelo, existe uma cópia manuscrita, em papel com timbre do advogado Afonso Lucas, contendo o que poderá ter sido o programa que António Sérgio discutiu com os integralistas (Documento nº 2).
Entre a publicação do 1º e 2º número da revista Homens Livres, António Sérgio deu uma entrevista ao Diário de Lisboa, dizendo o seguinte:
“Façam abstracção, por exemplo da questão do rei e de algumas poucas ideias-sentimentos e verá que quase todas as teses concretas, de organização social, dos integralistas, se harmonizam perfeitamente com as do grupo Seara Nova.
- Uns e outros, pois...
Uns e outros são anti-conservadores; uns e outros são radicais; uns e outros regionalistas; uns e outros defendem a criação de uma assembleia representativa das classes e categorias sociais e intelectuais (com a diferença de que os primeiros só desejam esse e os segundos a combinam com um parlamento político); uns e outros atacam a plutocracia da sociedade portuguesa; uns e outros querem uma educação primária trabalhista e regional, etc.”[16]
O ponto nº 5 do programa da Seara Nova, adiante transcrito (Documento 2) diz com efeito o seguinte:
“A Seara Nova combate o parlamentarismo na forma como o temos tido; e, defendendo a existência de uma assembleia política, eleita por sufrágio não profissional, preconiza a criação de uma assembleia representativa das categorias económicas e intelectuais, ao lado da assembleia politica; em caso de conflito entre as duas assembleias deseja o recurso para o presidente da república, e, em ultima instancia para o referendum.”
Segundo Medina, terá havido ajuste de seareiros e integralistas no que respeitava ao recurso a uma ditadura de salvação nacional, de duração limitada, mas não foi possível estabelecer acordo quanto à nova ordem político-constitucional. Esta era uma diferença importante, que António Sérgio não escondia, mas que afinal minimizava na entrevista ao Diário de Lisboa: do lado seareiro, com efeito, defendia-se um sistema bicameral (câmara corporativa e câmara de partidos políticos), enquanto, do lado integralista, se defendia apenas, segundo as palavras de A. Sérgio, uma “assembleia representativa das classes e categorias sociais e intelectuais”.
Poderá ter sido este, na verdade, um decisivo pomo da discórdia. Sabemos que a colaboração dos integralistas com a situação sidonista fora escorada em pilar semelhante. E sabemos também, pelo programa do general Gomes da Costa, de Junho de 1926, praticamente elaborado pelos integralistas, que estes defendiam uma futura Constituição estabelecendo uma Câmara Representativa por delegação directa dos municípios, excluindo-se a representação através de partidos ideológicos.[17]
Na referida entrevista ao Diário de Lisboa, António Sérgio diz que o segundo número da revista incluirá colaboração de Hipólito Raposo. Tal não veio a acontecer e o seu nome veio mesmo a ser retirado da lista dos colaboradores. Assim, e face aos dados disponíveis, é bem possível que a maior intransigência para com a iniciativa dos Homens Livres não tenha partido de Pequito Rebelo, antes de Hipólito Raposo, secretário da Junta Central do Integralismo Lusitano, a mais importante personalidade dirigente do Integralismo Lusitano.
Nas suas Memórias, Hipólito Raposo explica que não chegou a aderir aos Homens Livres por lhe ter sido recusada a publicação de um artigo intitulado “Nos liberi sumus” (Nós somos livres), em que combatia a personalidade política e moral do presidente da República, Manuel Teixeira Gomes. Raposo acrescenta que o grupo também depressa de desfez: por alturas do Natal, dois seareiros “aceitaram o convite para fazer parte de um ministério de políticos desacreditados, daqueles que o grupo inicialmente se destinara a combater...”.[18]
Pela periodicidade estabelecida, o terceiro número da revista deveria ter saído na semana do Natal. Sem a participação do secretário da JCIL, Hipólito Raposo, seria muito difícil manter juntos por muito tempo seareiros e integralistas, mas terá sido a formação do governo Álvaro de Castro a deitar por terra o projecto. Dois seareiros pertencentes ao grupo dos Homens Livres aceitaram o convite para integrar o Governo: em 18 de Dezembro, António Sérgio é empossado como Ministro da Instrução Pública enquanto o major Ribeiro de Carvalho toma posse como Ministro da Guerra; em 24 de Dezembro, Mário de Azevedo Gomes toma posse como Ministro da Agricultura.
Tanto a revista dos Homens Livres como a participação do seareiros no Governo tiveram vida efémera. Em 26 de Fevereiro de 1924, já Ribeiro de Carvalho se demitia do Governo, secundado, dois dias depois, por António Sérgio. O governo de Álvaro de Castro acabará por cair em Julho desse ano.
2. O conteúdo da Revista Homens Livres
O 1º Número – 1 de Dezembro de 1923
No primeiro número da revista, os seareiros assinam seis prosas e um poema: “Vivos e Mortos” e “O Torpel dos Escravos” (poema), por António Sérgio; “Lamentabilis Illi... O Concerto do S. Luís ante os direitos da consciência e a dignidade nacional”, por Raul Proença; “O Palácio Mundial em perigo”, por Jaime Cortesão; “A propósito dos Jogos Olímpicos”, por Simões Raposo; “Em torno do problema da raça”, por Aquilino Ribeiro e “Portugal hostil aos portugueses de mérito” por Reynaldo dos Santos.
Pelo lado integralista, são publicadas apenas duas prosas: “Terra Nossa – Árvores”, por Afonso Lopes Vieira e, por Augusto da Costa, “A crise portuguesa e a reacção dos Homens Livres”.
O artigo de entrada, assinado por António Sérgio, sob o título “Vivos e Mortos”, identifica, de forma breve, “a grande linha divisória” que, naqueles dias, não era entre as direitas e as esquerdas, mas entre a política nova e a política velha.[19] Irmanados numa política nova, seareiros e integralistas, ali se apresentavam juntos em defesa de “uma Ideia Nacional, uma finalidade portuguesa, anterior e superior às finalidades partidárias”.[20]
No poema “O Tropel dos Escravos”, dedicado à “livre Mocidade Académica de Lisboa”, o toada é de denuncia da Finança e dos Partidos que dominam a República: “A turba passa, como um rio, / Orgíaca, infernal, entrechocada, aos gritos, / E no meio eu, convulso, ergo os braços aflitos/ Sobre o grão desvario.” A turba, porém, “é uma escada/ Submissa ao gesto brando e à palavra enflorada/ Que em mentira explodiu”... “Por sobre a podridão prospera o verme vivo, / Nos cofres do ricaço aninha o plumitivo, / Do oiro a pena sai...”
O artigo de Raul Proença refere-se à posição pública de protesto levantada por Raul Brandão, José de Figueiredo, Reinaldo dos Santos, Marck Athias, Jaime Cortesão, António Sérgio, Câmara Reis e Afonso Lopes Vieira, a respeito da exoneração do maestro Francisco de Lacerda e substituição pelo maestro Lassale.
Jaime Cortesão escreve sobre “O Palácio Mundial em perigo”, enquanto Simões Raposo, em “A propósito dos Jogos Olímpicos”, inclui várias reflexões de índole científico-cultural. Reynaldo dos Santos escreve acerca da “hostilidade portuguesa aos portugueses de mérito”.
Os textos de António Sérgio, Raul Proença, Jaime Cortesão, eram susceptíveis de ajudar a forjar alguma unidade, ao menos de acção, entre integralistas e seareiros. Do lado seareiro, porém, Aquilino Ribeiro disserta sobre o “problema da raça”, explicitando conceitos adversos ao ideário dos integralistas. Ali considera Aquilino que a “raça (portuguesa) desce a vertente rápida do seu aniquilamento”, acrescentando: “A raça, na sua maioria, é constituída por impaludados e luxuriosos, - impaludismo que a migração secular trouxe ao sangue português, e luxúria que, mercê do clima, educação sexual, cruzamento com outras raças inferiores, se infiltrou também no sangue da grei.”[21]
É possível que nestas palavras de Aquilino Ribeiro estivesse um eco das teses do “nacionalismo étnico” de Teófilo Braga, ou mesmo de Oliveira Martins, por exemplo, a quem repugnava a ideia de que Portugal pudesse ser uma “nação mestiça”.[22] Sendo certo que a apreciação racista de Aquilino era moeda corrente no ambiente colonialista da 1ª República (foi então que se começou a levantar o problema da assimilação jurídica das populações indígenas dos territórios de África[23]), mas não deixava de levantar ali um potencial pomo de discórdia com os integralistas, para quem Portugal permanecia e devia permanecer uma Nação plurirracial e pluricontinental.
Nesse primeiro número, como referido, a colaboração integralista resumia-se a dois textos, um assinado por Afonso Lopes Vieira, e o outro, por Augusto da Costa, então redactor no jornal A Monarquia, órgão do Integralismo Lusitano.
Afonso Lopes Vieira, sob o título “Terra Nossa”, em toada “ecologista” – diríamos hoje - publicou um breve texto em “prol de árvores cuja beleza, ainda que estejam caducas, vale infinitamente mais que rendimento dos futuros esteres de madeira com que os serviços florestais nos gratificam”.
O texto assinado por Augusto da Costa, porém, além de ser o mais extenso desse primeiro número da revista, é aquele em que se coloca o problema da definição de uma missão para a revista Homens Livres, nos seguintes termos: “A nossa crise é uma crise de elites, ou uma crise da Nação, organicamente considerada?”Ao que logo respondia: “a crise portuguesa é hoje uma crise de inteligência e de carácter, uma crise intelectual e moral, uma crise de valores individuais mais do que uma crise de valores colectivos.” [24]
Ao descer à componente político-social da crise, dizia Augusto da Costa: “A ditadura dos políticos – e dos políticos desorganizados dentro dos partidos ainda mais desorganizados – deu, daria fatalmente, no predomínio das oligarquias. Quem manda em Portugal? Os partidos? Não: entre os partidos, apenas um manda e dispõe do país: o mais forte numericamente e revolucionariamente. Os outros partidos são simples satélites do primeiro, apenas comparsas da comedia constitucional; só a benevolência do mais forte lhes permitirá o exercício temporário do governo. À face dos princípios, à face da letra constitucional corrente, é a maioria quem deve mandar. A maioria, porém, é constituída pelos não-votantes. Nessas circunstâncias, a minoria votante partilha-se numas tantas fracções, e a maior de todas elas é quem toma conta do governo. É isso a Soberania do Povo? Talvez, para aquela ínfima parcela de povo filiada no partido que detém o governo. Mas, para o resto da Nação, essa soberania de facto é pura e simplesmente a soberania dos partidos, se não dum partido só. A Nação está ausente do governo”.[25]
(...)
“A aliança da Finança com a Politica é cada vez mais apertada: Se os Homens Livres de Portugal o consentirem, se os que restam vivos no meio dessa catástrofe moral e material a isso se não opuserem, será essa aliança diabólica quem estrangulará definitivamente, como uma coleira de aço, a Nação atrofiada já nas suas energias vitais.
A Plutocracia dispõe dos políticos e dispõe também da imprensa.”
Era assim que se fazia jus ao subtítulo da revista Homens Livres – Livres da Finança & dos Partidos, mas, qual o caminho a seguir para se vencer a crise portuguesa?
Antes de mais reagir. Reagir, sim, mas sem uma preocupação imediatamente centrada nas maiorias - “As verdadeiras maiorias activas e dinâmicas, são sempre as minorias. O resto é poeira do caminho.”[26]
Para o integralista Augusto da Costa, na senda de Trindade Coelho, a que alude, coexistia em Portugal uma massa de bronze com uma elite de lama. Importava antes de mais trabalhar com e para os “homens livres”:
“A preocupação dos homens livres, de todos os homens livres que connosco pretendam trabalhar, deve ser exclusivamente a de reorganizarem a Nação verticalmente e não horizontalmente. Quer dizer: a nossa propaganda deve ser feita no sentido de reformar primeiramente as elites, os “homens-bons” e os “homens livres”, dando finalidade e coerência aos seus esforços, e por aí, depois, caminharmos com passos mais seguros para a conquista das massas.”[27]
Neste primeiro número da revista, em apoio a esta linha de ideias de Augusto da Costa, são transcritas palavras de Antero de Quental acerca da missão do escritor:
“O escritor quer o espírito livre de jugos, o pensamento livre de preconceitos e respeitos inúteis, o coração livre de vaidades, incorruptível e intemerato. Só assim serão grandes e fecundas as suas obras: só assim merecerá o lugar de censor entre os homens, porque o terá alcançado, não pelo favor das turbas inconstantes e injustas, ou pelo patronato degradante dos grandes e ilustres, mas elevando-se naturalmente sobre todos pela ciência, pelo paciente estudo de si e dos outros, pela limpeza interior duma alma que só vê e busca o bem, o belo, o verdadeiro.”[28]
Na mesma linha se situava o excerto de Oliveira Martins sobre o Ideal Nacional:
“Desgraçadas as nações que um dia deixaram de ter um pensamento, uma ambição, um ideal, que seja para o seu corpo colectivo o que é para o corpo humano esta energia sintética que nos anima, incitando-nos a trabalhar como condenados quando poderíamos viver como lazaronis.”[29]
Estranhamente, no que pode ter sido um contributo seareiro, é transcrito um excerto de Ortega y Gasset sob o título “Palavras sobre Espanha que se aplicam a Portugal”, onde se pode ler: “Os velhos políticos, digamo-lo lealmente, eram só a flor da velha política. A raiz e a causa de todo o regime estavam e estão nos governados, e não nos governantes”.[30]
Começava a adivinhar-se difícil esta aliança entre integralistas e seareiros. De um lado, as citações de Antero de Quental e de Oliveira Martins vinham em reforço da tese da crise de elites diagnosticada por Augusto da Costa; do outro lado, transcrevia-se Ortega y Gasset, para se dizer que a raiz da crise estava igualmente nos governados, nessa massa que afinal não seria de bronze, mas antes responsável pelo lamaçal em a que as elites se prostravam.
Como foi referido, entre o 1º e o 2º número da revista, António Sérgio deu uma entrevista ao Diário de Lisboa, sublinhando os pontos comuns. Pelo lado integralista, havia mesmo a promessa de colaboração de Hipólito Raposo com um texto a publicar no próximo número. Depois desta entrevista terá então ocorrido a reunião na sede do jornal A Monarquia entre António Sérgio e os integralistas.
O 2º Número – 12 de Dezembro de 1923
O segundo número da revista Homens Livres voltou a ser mais seareiro do que integralista: seis textos eram assinados por seareiros contra dois por integralistas.
O artigo de abertura vinha assinado pelo seareiro Bettencourt Rodrigues, reproduzindo as últimas páginas do seu livro, então no prelo, Prováveis alianças e agrupamentos de nações. Uma Confederação Luso-Brasileira. O cerne da proposta de Bettencourt Rodrigues apontava para uma nova formação política centrada no Atlântico mas, no quadro político europeu da época, ali se sugeria o alinhamento de Portugal com a Itália de Mussolini e a Espanha de Rivera numa União Latina.[31]
Celestino da Costa trata do problema da investigação científica em Portugal (Costa A. C., 1978), enquanto Ezequiel de Campos escreve sobre “A Questão Agrária”.[32]
Segundo o seareiro Ezequiel de Campos, a situação agrária portuguesa caracterizava-se num duplo e grave desequilíbrio económico e demográfico: o “desequilíbrio das profissões” e o “desarranjo demográfico”. A solução estava em estancar a correntes migratórias para a França e para o Brasil e povoar o sul do território continental, em especial o deserto alentejano. Na visão de Ezequiel de Campos, depois da “traulitânia” - aludindo à derrota dos monárquicos no Norte e em Monsanto (Lisboa), em 1919 - o regime republicano passara a viver em “comunismo burocrático e mavórcio” ou, como dirá mais adiante “em revolucionário comunismo de pedintes em autofagia”.[33]
António Sérgio assina um texto intitulado “Decadência Física e Apatia Moral”, em que faz uma apologia dos desportos e do exercício físico, municiado em longas citações de autores que os integralistas muito apreciavam e divulgavam: Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Fialho de Almeida. António Sérgio defendia naturalmente os seus pontos de vista mas, por assim dizer, acariciando os integralistas.
Ainda no campo seareiro, Quirino de Jesus revela alguns dos meandros do caso das "400.000 Libras Esterlinas”, porventura “o sintoma mais grave, neste últimos anos, da desmoralização que invadiu os poderes do Estado e os altos corpos que auxiliam ou corrigem a sua governação”. A sua conclusão justificava a reacção dos Homens Livres: a Finança e os partidos políticos viviam em vergonhoso conúbio: “todos os partidos e grupos da Câmara estavam influenciados em larga escala pelas pretensões dos interessados”.[34]
Nesse segundo número da revista, os dois textos assinados por integralistas vêm assinados por Augusto da Costa e António Sardinha.
Augusto da Costa apresenta algumas “Reflexões sobre Congressos Económicos” promovidos pelas Associações comerciais e industriais de todo o país[35], voltando, no cerne da sua mensagem, a tocar no problema da representação política: “querer que um Parlamento político, exclusivamente constituído por representantes dos partidos políticos, e só como tal valendo os seus componentes individuais, seja capaz de representar e de se identificar com os interesses económicos da Nação, que ele totalmente desconhece, é querer fazer passar o absurdo por um raciocínio lógico.”[36]
Mas é neste segundo número que um membro da Junta Central do Integralismo Lusitano, António Sardinha, publica o artigo intitulado “Almas Republicanas”.
António Sardinha, referindo-se ao texto de abertura da revista, no seu 1º número – “Vivos e Mortos” – começa por dizer o seguinte: “Chamou António Sérgio aos integralistas, ou, pelo menos aos melhores dos integralistas (o que para o caso não é indiferente!) “almas republicanas”. Não repelirei, por minha parte, a designação, desde que lhe precisemos o sentido.”
“Defensores, contra a centralização abusiva do Estado moderno – ou seja ele de estrutura electiva, ou simplesmente monárquico-liberal – daquele perdido localismo municipal, corporativo e provincialista, em que nasciam e se robusteciam as virtudes cívicas dos antigos cidadãos, o adjectivo “republicano” pode caber-nos, na verdade, logo que o restituamos ao sentido apontado.
Exprime até magnificamente o nosso protesto politico perante o que são hoje as “republicas”, como sistemas de governo – máquinas de burocracia congestiva, em que as oligarquias, tanto partidaristas como plutocráticas, asfixiam as livres iniciativas não só dos indivíduos, como da colectividade.”
Se a representação da República fosse feita através dos municípios e não através de partidos ideológicos, então António Sardinha era republicano. Do seu ponto de vista, República e Monarquia não eram conceitos em si mesmo contraditórias, e por isso acrescentava que a “democracia” ou a “república”, no sentido municipalista que apontara, era melhor servida pela instituição monárquica no topo do Estado, enquanto “agente eficaz de unidade” nacional. “Nós, integralistas, almas republicanas, defendemos a Monarquia como fecho e remate da nação organizada”. Para Sardinha, as Repúblicas geridas por partidos correspondiam ao “regime aristocrático (ou oligárquico) por excelência”.
“Exactamente porque os integralistas se têm como “almas republicanas” é que a instituição monárquica não é para eles um detalhe decorativo ou episódio de museu.”
A rematar, António Sardinha referindo-se ao projecto Homens Livres – Livres da Finança e dos Partidos, diz que não havia motivo para desistir. Do seu ponto de vista, havia coincidência em muita solução. Mais: a revista tinha vindo ao encontro das aspirações dos integralistas: “Chamaram por nós num brado de heróica mocidade. A esse brado respondemos, porque respondemos sempre a tudo o que seja por Portugal e a que não falte o selo dignificador da inteligência.”
3. Após a experiência dos Homens Livres
Do lado dos defensores do regime da 1ª República, Carlos Ferrão classificou a experiência dos Homens Livres como uma “colaboração espúria”. Situando-se na mesma linha de ideias, João Medina conclui interrogando se os seareiros, aliando-se aos integralistas, não terão cometido um “erro de estratégia”. Ter-se-iam tornando-se, dali em diante, em “Cassandras trágicas diante do naufrágio iminente da República”.
Ao avaliar o campo adversário, Medina diz que os integralistas lusitanos, após a experiência dos Homens Livres, passaram à conspiração activa, politica e militar, contra o regime. Julgo tratar-se de um erro de paralaxe. O derrube da República era, para os integralistas, um objectivo estratégico, de há muito perseguido e aplicado em moldes conspirativos; assim tinham actuado logo após o assassínio do presidente Sidónio Pais, concorrendo com risco de vida para a proclamação da Monarquia no Norte e em Monsanto, e assim continuaram a actuar, de forma activa, antes e depois de 1923.
Na perspectiva dos mais destacados integralistas e seareiros, resulta claro que o subtítulo da revista Homens Livres tinha grande acuidade. Havia com efeito dois inimigos comuns a combater: a Plutocracia e o Partidarismo.
Esta aproximação entre seareiros e integralistas na revista Homens Livres foi muito efémera, mas não se ficou por ali. Depois de derrubada a 1ª República, seareiros e integralistas voltaram a encontrar-se, em diversas ocasiões, na oposição ao que Hipólito Raposo designou por “Estatocracia” (1926-1932), “Salazarquia” (1933-1939) e “Ilusitânia” (1940-1952). António Sardinha falecera em 1925. Hipólito Raposo virá a falecer em 1953. Os mais destacados integralistas que lhes sobreviveram, com destaque para Luís de Almeida Braga e Francisco Rolão Preto, continuaram na senda dos seus companheiros, espreitando oportunidades propícias à junção de esforços com os seareiros. Foi desse esforço de unidade que vem a resultar o lançamento da candidatura presidencial do General Humberto Delgado, em 1958.
No teor de algumas das intervenções que escutei durante este evento, encontrei um certo sentido de homenagem aos homens da Seara Nova. São poucos os documentos que hoje aqui junto ao processo historiográfico dos Homens Livres, mas espero possam ainda assim contribuir para fazer avançar o inquérito em busca da verdade. É desta forma que lhes quero aqui prestar também a minha homenagem.
UM PROGRAMA DA SEARA NOVA (Dezembro de 1923)
1. A Seara Nova afirma um Ideal Nacional e o desejo da persistência da Pátria Portuguesa, autónoma; e preconiza a existência de um estado jurídico entre as nações, salvaguarda das pátrias militarmente fracas perante as mais fortes: que elas regulem as suas mútuas relações pelos ditames da consciência moral e do espírito jurídico.
2. A Seara Nova reconhece a liberdade da Igreja Católica, sem protecção do Estado, mas sem pressão ou hostilidade da parte deste: separação verdadeira e leal do Estado e das Igrejas.
3. A Seara Nova defende a estabilidade e normalidade da constituição da família para a qual admite uma base exclusivamente jurídica.
4. A Seara Nova combate o predomínio da plutocracia na sociedade portuguesa e a constituição oligárquica e parasitária d’ela, bem como o espírito conservador, aliado dessa constituição e desse predomínio.
5. A Seara Nova combate o parlamentarismo na forma como o temos tido; e, defendendo a existência de uma assembleia politica, eleita por sufrágio não profissional, preconiza a criação de uma assembleia representativa das categorias económicas e intelectuais, ao lado da assembleia politica; em caso de conflito entre as duas assembleias deseja o recurso para o presidente da república, e, em ultima instancia para o referendum.
6. A Seara Nova propõe a reforma da lei eleitoral para a assembleia politica, nos moldes da lei eleitoral argentina.
7. A Seara Nova não defende a luta de classes, mas a justa organização das classes pelo corporativismo, e a procura constante de um salário justo.
8. A Seara Nova sustenta, no problema financeiro, a compressão das despesas improdutivas, mas o aumento das despesas produtivas (sobretudo no fomento agrícola e na instrução pública reformada) e a manutenção das dotações orçamentais nos serviços onde se revela um espírito criador e progressivo para bem da economia ou da cultura intelectual da comunidade.
9. A Seara Nova preconiza a reforma da educação nacional; a orientação trabalhista das escolas primárias (sem que passem a ser técnicas) desenvolvendo-se os trabalhos manuais como centro principal de interesse; o desenvolvimento das humanidades modernas na instrução secundária; a criação de escolas modelo, de um museu Pedagógico, de uma residência de Estudante, de uma Junta de Promoção de Estudos.
10. A Seara Nova preconiza a reforma agrária, nas linhas seguintes: obrigação de cultivo segundo as possibilidades dos terrenos, determinadas pelos técnicos; legislação de concentração parcelaria; casal de família; fomento da pequena e da média propriedade ao pé da grande, nas regiões onde esta predomina; mobilização da propriedade rústica.
11. A Seara Nova preconiza a execução de um plano de numerosos pequenos trabalhos de hidráulica agrícola, estudado sob a direcção de uma autoridade técnica mundial no assunto.
12. A Seara Nova preconiza o aproveitamento hidroeléctrico dos nossos rios por empresas portuguesas, com caducidade de todas as concessões actuais em que se não tenham cumprido as clausulas relativas ao prazo marcado para começo das obras, ou em que se não haja trabalhado com a intensidade correspondente à que tecnicamente devia haver para serem executadas no período respectivo, assim como daquelas em que se tenham pedido modificações e prorrogações e as obras não estejam em plena actividade, revertendo ao Estado as concessões caducas, para salvaguarda dos interesses nacionais; classificação das quedas de água e seu agrupamento, para concessão oportuna em máxima vantagem do trabalho português; intervenção efectiva do governo para a realização imediata dos aproveitamentos hidroeléctricos fundamentais e da rede fundamental de transportes eléctricos.
Referências
A Questão Dinástica – Documentos para a História mandados coligir e publicar pela Junta Central do Integralismo Lusitano, Lisboa, Empresa Nacional de Industrias Graficas, Limitada, 1921.
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[1] João Medina, O Pelicano e a Seara - Integralistas e Seareiros juntos na Revista Homens Livres. Lisboa: Edições António Ramos, 1978, pp. 35-131.
[2] João Medina, Op. cit. , p. 11.
[3] João Medina, Op. cit., p. 15.
[4] Arquivo de Teresa Martins de Carvalho - Espólio de José Pequito Rebelo. J. Fernandes Junior - Correspondência para José Pequito Rebelo. Lisboa, 4 de Dezembro de 1923.
[5] Arquivo de Teresa Martins de Carvalho - Espólio de José Pequito Rebelo. “Seara Nova” (Programa manuscrito em sete páginas de papel timbrado do advogado Affonso Lucas). Lisboa, sem data (Dezembro de 1923?).
[6] João Medina, Op. cit., p. 15.
[7] Testemunho de Alfredo Pimenta, em 1944: “Chamaram por mim, várias vezes, garotos e falhados. De uma vez até, no meio da refrega brava, não faltou quem fosse meter na mão do meu adversário, as expressões injuriosas que (António) Sardinha tivera para comigo. O lacaio abjecto (Castelo Branco Chaves) fora do Integralismo, passara para a Acção Realista e acabara de fundear na barraca da Seara Nova...”; citado em João Medina, Op. cit., p. 26, nota 5.
[8] João Medina, Op. cit., p. 26.
[9] A Questão Dinástica – Documentos para a História mandados coligir e publicar pela Junta Central do Integralismo Lusitano, Lisboa, Empresa Nacional de Industrias Graficas, Limitada, 1921.
[10] A Comissão Executiva da Acção Realista era constituída por Alfredo Pimenta, António Cabral, Caetano Beirão, José Rodrigues de Sucena (2º Conde de Sucena), Ernesto Gonçalves, Francisco Xavier Quintela, José Pedro Folque, D. Rui Zarco da Câmara e Visconde do Torrão.
[11] Castelo Branco Chaves, “Bibliografia. António Sérgio: Bosquejo da História de Portugal - Publicação da Biblioteca Nacional, Lisboa, 1923” In João Medina, Op. cit., pp. 121-125.
[12] Arquivo de Teresa Martins de Carvalho / Espólio de José Pequito Rebelo. Pasta J. Fernandes Junior - Correspondência para José Pequito Rebelo. Lisboa, 4 de Dezembro de 1923.
[13] Teresa Martins de Carvalho, Apresentação dos "Filhos de Ramires", 3 de Novembro de 2004, Unica Semper Avis, acedido em 27 de Outubro de 2009: http://www.angelfire.com/pq/unica/il_tmc_2004_filhos_de_ramires.htm
[14] João Medina, Op. cit., p. 20.
[15] João Medina, Op. cit., p. 20.
[16] “Homens Livres ou a nova falange política – António Sérgio fala das ideias reformadoras comuns a todos os campos.”, Diário de Lisboa, Dezembro de 1923.
[17] Hipólito Raposo, Folhas do Meu Cadastro – Volume II (1926-1952), Lisboa, Comissão do Centenário de Hipólito Raposo, 1986, pp. 14-19.
[18] Raposo, J. H., Folhas do Meu Cadastro. Lisboa: Edições Gama, 1945, pp. 234-235.
[19] Sérgio, A. Vivos e Mortos. In João Medina, Op. cit., pp. 39-41.
[20] Sérgio, A., Vivos e Mortos. In João Medina, Op. cit., p. 41.
[21] Aquilino Ribeiro, Em torno do problema da raça. In João Medina, Op. cit., pp. 72-75, cit. p. 74.
[22] J. P. de Oliveira Martins, O Brasil e as Colónias Portuguesas. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1920, pp. 149-153.
[23] Leis nº 277 (Lei Orgânica da Administração Civil das Províncias Ultramarinas) e nº 278 (Lei Orgânica da Administração Financeira das Províncias Ultramarinas) de 15 de Agosto de 1914.
[24] Augusto da Costa, A Crise Portuguesa e a Reacção dos Homens Livres. In João Medina, Op. cit., pp. 56-63, cit. p. 56.
[25] Augusto da Costa, Idem. In João Medina, Op. cit., pp. 57, 58-59.
[26] Augusto da Costa, Idem. In João Medina, Op. cit., pp. 56-63, cit. p. 62.
[27] Augusto da Costa, Idem. In João Medina, Op. cit., cit. p. 62.
[28] Antero de Quental, Palavras de Antero de Quental, In J. Medina, Op. cit., p. 55.
[29] Oliveira Martins, Ideal Nacional, In João Medina, Op. cit., p. 64.
[30] Ortega y Gasset, Palavras sobre Espanha que se aplicam a Portugal. In João Medina, Op. cit., pp. 68-69.
[31] Bettencourt Rodrigues, À Diplomacia Portuguesa. In João Medina, Op. cit., pp. 85-89.
[32] A. Celestino Costa, O Problema da Investigação Científica em Portugal. In João Medina, Op. cit., pp. 89-95.
[33] Ezequiel de Campos, A Questão Agrária. In João Medina, Op. cit., pp. 95-98; cit. p. 96, 98.
[34] Quirino de Jesus, As 400 000 Libras Estrelinas. In João Medina, Op. cit., 1978, pp. 110-115; cit. pp. 114-115.
[35] Augusto da Costa, Reflexões sobre Congressos Económicos. In João Medina, Op. cit., 1978, pp. 117-121.
[36] Augusto da Costa, Idem, In João Medina, Op. cit., pp. 117-121, cit. p. 120.
(*) Colóquio sobre Proença, Cortesão, Sérgio e o Grupo Seara Nova organizado por Amon Pinho, António Pedro Mesquita e Romana Valente Pinho na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 2009. O texto que aqui se publica, com correções de pormenor, surgiu no volume publicado em 2015:
QUINTAS, José Manuel, "Uma efémera união de almas republicanas", in PINHO, Amon; MESQUITA, António; PINHO, Romana (Org.), Proença, Cortesão, Sérgio e o Grupo Seara Nova, Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2015, pp. 77-104)
QUINTAS, José Manuel, "Uma efémera união de almas republicanas", in PINHO, Amon; MESQUITA, António; PINHO, Romana (Org.), Proença, Cortesão, Sérgio e o Grupo Seara Nova, Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2015, pp. 77-104)
José Manuel Quintas Homens Livres da Finança e dos Partidos 1923.pdf |
1923_homenslivres_n01_01dez.pdf |
1923_homenslivres_n02_12dez.pdf |