A literatura capciosa acerca do Integralismo
Os integralistas lusitanos, sempre muito activos no combate político de ideias, foram naturalmente vítimas de ardilosas falsificações e caricaturas. É esse o ar que a classe política respira há muito tempo em Portugal. As ideias políticas dos integralistas, porém, sendo tão fortemente anti-oligárquicas, estavam vocacionadas a receber uma igualmente forte reacção dos visados. Um articulista de um vespertino dos anos de 1920, ao preparar a "opinião pública" para o encerramento, pela polícia, do diário A Monarquia, escreveu que os integralistas eram "os mais irreconciliáveis, os mais preciosos, os mais rancorosos inimigos da República" ["Os Integralistas", A Capital - diário republicano da noite, 4 de Janeiro de 1921, p. 1]. Nos sucessivos regimes que combateram, os integralistas foram na verdade sempre um perigoso adversário cujo ideário se falsificava, caricaturava ou, em último recurso, se proibia.
As modalidades falsificadoras e caricaturais de combate ao integralismo transbordaram naturalmente para a historiografia. Aqui se procurará identificar e reunir um corpus dessa literatura capciosa acerca do integralismo e do sucedâneo nacional-sindicalismo. Utilizamos o adjectivo "capcioso", com o significando comum na língua portuguesa: literatura que engana, cavilosa, manhosa, ardilosa.
Nem toda a literatura que erra ou induz ao erro a respeito do integralismo, terá sido elaborada com capciosa intenção. Este corpus será pois limitado aos casos em que a má-fé e o propósito enganoso são evidentes, recorrendo a flagrantes falsificações, truncagens e adulteração das fontes. Importa arrolar e expôr pública e amplamente o conteúdo das mais destacadas "autoridades" cavilosas que, nos meios académicos e editoriais, continuam a ser referenciadas sem objeção, ressalva ou errata. O corpus assim reunido destina-se aos jovens livres de pensamento livre, e a todos os que tenham a aspiração de conhecer a verdadeira história do Integralismo.
[17 de Maio de 2024 - J.M.Q.]
As modalidades falsificadoras e caricaturais de combate ao integralismo transbordaram naturalmente para a historiografia. Aqui se procurará identificar e reunir um corpus dessa literatura capciosa acerca do integralismo e do sucedâneo nacional-sindicalismo. Utilizamos o adjectivo "capcioso", com o significando comum na língua portuguesa: literatura que engana, cavilosa, manhosa, ardilosa.
Nem toda a literatura que erra ou induz ao erro a respeito do integralismo, terá sido elaborada com capciosa intenção. Este corpus será pois limitado aos casos em que a má-fé e o propósito enganoso são evidentes, recorrendo a flagrantes falsificações, truncagens e adulteração das fontes. Importa arrolar e expôr pública e amplamente o conteúdo das mais destacadas "autoridades" cavilosas que, nos meios académicos e editoriais, continuam a ser referenciadas sem objeção, ressalva ou errata. O corpus assim reunido destina-se aos jovens livres de pensamento livre, e a todos os que tenham a aspiração de conhecer a verdadeira história do Integralismo.
[17 de Maio de 2024 - J.M.Q.]
1. "Mentiras e calúnias impressionantes"
1964 - 1965 - Carlos Ferrão, O Integralismo e a República - Autópsia de um Mito, 3 Vols, Lisboa, Inquérito e Editorial O Século.
Bibliografia
1971 - Mário Saraiva - A Verdade e a Mentira - Algumas notas em resposta a «O Integralismo e a República» de Carlos Ferrão, Lisboa: Caderno 1 de Pensamento Político, 1971.
1971 - Mário Saraiva - A Verdade e a Mentira - Algumas notas em resposta a «O Integralismo e a República» de Carlos Ferrão, Lisboa: Caderno 1 de Pensamento Político, 1971.
1971_-_mário_saraiva_-_a_verdade_e_a_mentira_.pdf |
2. "Camisas azuis" ou "camisas verdes"?
1978 - João Medina, Salazar e os Fascistas - Salazarismo e Nacional-Sindicalismo, a história dum conflito, 1932-1935, Livraria Bertrand, 1978.
Em 24 de Janeiro de 1975, a Rádio Televisão Portuguesa (RTP) emitiu um programa com excertos de uma Entrevista com Francisco Rolão Preto (1893-1977), fundador do Integralismo Lusitano (1913-1933) e líder do Movimento Nacional Sindicalista (1932-1935) sob o título "Tudo pelo Homem nada contra o Homem".
Em 27 de Junho desse ano, João Medina deslocou-se à Soalheira e obteve também uma entrevista com Rolão Preto. Essa entrevista terá sido gravada e a sua transcrição ainda terá sido lida e retificada por Rolão Preto que, em Julho, lhe terá acrescentado uma adenda. Essa entrevista só virá a ser publicada após a morte de Rolão Preto, constituindo uma parte substancial do livro Salazar e os Fascistas - Salazarismo e Nacional-Sindicalismo - a história dum conflito 1932/ 1935, Lisboa, Livraria Bertrand, 1978, pp. 155-209. Aqui a publicamos, em separado, sob o título "Não, não e não", sem poder confirmar a sua autenticidade em alguns pormenores, mas por nela se vincar ainda assim uma persistente e coerente recusa de Rolão Preto em ser identificado como fascista ou com o fascismo.
Nesse Verão de 1975 vivia-se em Portugal o chamado Processo Revolucionário em Curso (PREC) após o golpe militar de 25 de Abril de 1974. Vigorava já uma Plataforma de Acordo Constitucional ou "1º Pacto MFA - Partidos" (pacto celebrado entre o Movimento das Forças Armadas - MFA - e alguns partidos políticos - PS, PPD, PCP, CDS, FSP e MDP/CDE), subscrito em 11 de Abril. Nos órgãos de informação da época, refletindo os comunicados difundidos pelos partidos do novo regime em gestação e o Conselho da Revolução (institucionalização do MFA após o 11 de Março - Lei nº 5/75, de 14 de Março) era comum dizer-se e escrever-se que o "25 de Abril" derrubara uma "ditadura fascista" (ou "regime fascista") com 48 anos (1926-1974). Caminhava-se na direcção de um "Socialismo português", mas procurando reabilitar a herança parlamentarista (partidocrática) da 1ª República, pelo que se amalgamavam as ditaduras dos anos de 1920 (Ditadura Militar, 1926-28 e Ditadura Nacional, 1928-33) com a 2ª República ou Estado Novo (1933-74).
Em 1978, quando João Medina publicou este livro vigorava já a Constituição de 1976, consagrando um sistema político semipresidencial, com vincado pendor parlamentarista (partidocrático). No preâmbulo da nova Constituição, escrevia-se que, em 25 de Abril de 1974, "o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista." Mantinha-se ainda o Conselho da Revolução, como órgão militar de tutela da 3ª República, mas caminhava-se na direção de um regime em que se previa o domínio do Estado pelos partidos políticos subscritores do referido Pacto MFA - Partidos, então já na sua segunda versão. O Conselho do Revolução virá a ser extinto na revisão constitucional de 1982.
João Medina, no sub-título do livro, preferiu identificar a referida ditadura ou regime fascista como o "Salazarismo", em referência à personalidade de António de Oliveira Salazar, presidente do Conselho de Ministros entre 1932 e 1968. No corpo do livro, Medina refere-se à "Ditadura salazarista" e, durante a entrevista com Rolão Preto, deixou tombar uma referência ao "fascismo salazarista", mas o título e a capa do livro sugere que Salazar terá triunfado sobre os fascistas. A ideia-chave a transmitir surge bem nítida na contra-capa: "O Fascismo português existiu de facto: eram os camisas azuis de Rolão Preto, movimento que Salazar decidiu eliminar." Para que essa ideia tivesse credibilidade, Rolão Preto teria de surgir ali como "o fascista português". A entrevista resultou num fiasco: Rolão Preto recusou, como vinha recusando desde Janeiro de 1933, identificar o nacional-sindicalismo com os fascismos: "o fascismo, o hitlerismo, são totalitários, divinizadores do Estado cesarista, nós outros pretendemos encontrar na tradição cristianíssima do Povo Português a fórmula que permita harmonizar a soberania indiscutível do Interesse Nacional com a nossa dignidade de homens livres, de vivos seres espirituais."
Apesar das respostas negativas de Rolão Preto durante a entrevista, Medina não desarmou, optando por diluir o seu conteúdo num longo rol de apontamentos e notas de rodapé, algumas das quais visando rebaixar e desacreditar Rolão Preto, por alegados erros ou imprecisões de memória. Desviando-se da doutrina e do programa do Nacional-Sindicalismo, Medina colocou a tónica na coreografia miliciana dos camisas azuis, tida como suficiente para provar que estes seriam "os fascistas portugueses".
Em 27 de Junho desse ano, João Medina deslocou-se à Soalheira e obteve também uma entrevista com Rolão Preto. Essa entrevista terá sido gravada e a sua transcrição ainda terá sido lida e retificada por Rolão Preto que, em Julho, lhe terá acrescentado uma adenda. Essa entrevista só virá a ser publicada após a morte de Rolão Preto, constituindo uma parte substancial do livro Salazar e os Fascistas - Salazarismo e Nacional-Sindicalismo - a história dum conflito 1932/ 1935, Lisboa, Livraria Bertrand, 1978, pp. 155-209. Aqui a publicamos, em separado, sob o título "Não, não e não", sem poder confirmar a sua autenticidade em alguns pormenores, mas por nela se vincar ainda assim uma persistente e coerente recusa de Rolão Preto em ser identificado como fascista ou com o fascismo.
Nesse Verão de 1975 vivia-se em Portugal o chamado Processo Revolucionário em Curso (PREC) após o golpe militar de 25 de Abril de 1974. Vigorava já uma Plataforma de Acordo Constitucional ou "1º Pacto MFA - Partidos" (pacto celebrado entre o Movimento das Forças Armadas - MFA - e alguns partidos políticos - PS, PPD, PCP, CDS, FSP e MDP/CDE), subscrito em 11 de Abril. Nos órgãos de informação da época, refletindo os comunicados difundidos pelos partidos do novo regime em gestação e o Conselho da Revolução (institucionalização do MFA após o 11 de Março - Lei nº 5/75, de 14 de Março) era comum dizer-se e escrever-se que o "25 de Abril" derrubara uma "ditadura fascista" (ou "regime fascista") com 48 anos (1926-1974). Caminhava-se na direcção de um "Socialismo português", mas procurando reabilitar a herança parlamentarista (partidocrática) da 1ª República, pelo que se amalgamavam as ditaduras dos anos de 1920 (Ditadura Militar, 1926-28 e Ditadura Nacional, 1928-33) com a 2ª República ou Estado Novo (1933-74).
Em 1978, quando João Medina publicou este livro vigorava já a Constituição de 1976, consagrando um sistema político semipresidencial, com vincado pendor parlamentarista (partidocrático). No preâmbulo da nova Constituição, escrevia-se que, em 25 de Abril de 1974, "o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista." Mantinha-se ainda o Conselho da Revolução, como órgão militar de tutela da 3ª República, mas caminhava-se na direção de um regime em que se previa o domínio do Estado pelos partidos políticos subscritores do referido Pacto MFA - Partidos, então já na sua segunda versão. O Conselho do Revolução virá a ser extinto na revisão constitucional de 1982.
João Medina, no sub-título do livro, preferiu identificar a referida ditadura ou regime fascista como o "Salazarismo", em referência à personalidade de António de Oliveira Salazar, presidente do Conselho de Ministros entre 1932 e 1968. No corpo do livro, Medina refere-se à "Ditadura salazarista" e, durante a entrevista com Rolão Preto, deixou tombar uma referência ao "fascismo salazarista", mas o título e a capa do livro sugere que Salazar terá triunfado sobre os fascistas. A ideia-chave a transmitir surge bem nítida na contra-capa: "O Fascismo português existiu de facto: eram os camisas azuis de Rolão Preto, movimento que Salazar decidiu eliminar." Para que essa ideia tivesse credibilidade, Rolão Preto teria de surgir ali como "o fascista português". A entrevista resultou num fiasco: Rolão Preto recusou, como vinha recusando desde Janeiro de 1933, identificar o nacional-sindicalismo com os fascismos: "o fascismo, o hitlerismo, são totalitários, divinizadores do Estado cesarista, nós outros pretendemos encontrar na tradição cristianíssima do Povo Português a fórmula que permita harmonizar a soberania indiscutível do Interesse Nacional com a nossa dignidade de homens livres, de vivos seres espirituais."
Apesar das respostas negativas de Rolão Preto durante a entrevista, Medina não desarmou, optando por diluir o seu conteúdo num longo rol de apontamentos e notas de rodapé, algumas das quais visando rebaixar e desacreditar Rolão Preto, por alegados erros ou imprecisões de memória. Desviando-se da doutrina e do programa do Nacional-Sindicalismo, Medina colocou a tónica na coreografia miliciana dos camisas azuis, tida como suficiente para provar que estes seriam "os fascistas portugueses".
E foi assim que Medina abriu o livro estampando uma fotografia "esclarecedora", na qual se mostra Rolão Preto a entrar no Palácio das Exposições do Parque Eduardo VII, entre alas de camisas azuis perfilados de braço levantado, fazendo a "saudação romana", na noite do banquete que ali lhe foi oferecido, em 18 de Fevereiro de 1933.
- "Não vale uma imagem mais do que mil palavras"?... O habilidoso expediente de reduzir o Fascismo a uma coreografia não foi porém inventado por João Medina. O jornalismo da partidocracia usou-o abundantemente na década de 30. Quem não se identificasse como "comunista" ou "anarquista", e não fosse favorável ao parlamentarismo da partidocracia, era forçosamente fascista, a exautorar na "extrema-direita" do espectro político-ideológico. Em publicações com intenção historiográfica foi , no entanto, Medina um dos primeiros, senão o primeiro, a adoptar esse artifício politicante a respeito dos "camisas azuis" de Rolão Preto. As fotografias e as caricaturas publicadas na imprensa da época eram a prova de que Rolão Preto seria fascista. E foi assim que, logo após a estampa, Medina proclamou de chofre: "A ilusão de Rolão Preto foi a de alguns fascistas "puros": pensar que se podia fazer a Revolução na extrema-direita, julgar que havia um fascismo social." Rolão Preto seria obviamente "fascista", aliás um "fascista puro", a incluir na "extrema-direita".
Ao mesmo tempo que se reduzia o Fascismo a uma coreografia, escondia-se ou deturpava-se o ideário antitotalitário, municipalista e sindicalista, do Integralismo Lusitano e do sucedâneo Movimento Nacional-Sindicalista. Medina foi um marco na historiografia acerca dos "camisas azuis", não muito depois obtendo seguidores que, em livros ou artigos jornalísticos, exibem fotografias ou caricaturas ilustrativas, para logo de seguida despejarem a esmo os epítetos de "fascista", "extrema-direita", "direita radical", "autoritarista", entre outros mimos de conteúdo ou conotação "anti-democrática". Ocultar ou deturpar o ideário nacional-sindicalista de Rolão Preto é o traço distintivo dessa cavilosa "historiografia" ou "jornalismo".
Até ao início dos anos 30, Rolão Preto saudou com esperança as "revoluções nacionalistas" a alastrar pela Europa, incluindo nelas as vitórias eleitorais e as subidas ao poder de Mussolini e de Hitler, bem como a viragem nacionalista do bolchevismo após a morte de Lenine. O Integralismo Lusitano era um movimento de ideias nacionalistas, bem como o sucedâneo Nacional-Sindicalismo, vendo em todas essas vitórias, incluindo a inflexão nacional dos bolcheviques, a expressão de um ambiente propício, favorável, ao desejado "reaportuguesamento de Portugal". Em Janeiro de 1933, porém, Rolão Preto demarcou-se claramente do fascismo e do hitlerismo em entrevista à United Press, vindo depois a rejeitar em profundidade os estatismos totalitários do século XX no seu livro Justiça! (1936). Acresce que Rolão Preto não se incluía sequer nas chamadas "direitas" (ver entrevista à RTP - "Tudo pelo Homem nada contra o Homem", em Janeiro de 1975), mas tudo isso que importa?
Para João Medina, estava decidido que Rolão Preto seria "fascista", aliás um "fascista puro". Na página 15, é citado um índice, retirado de um folheto de propaganda, onde se enumeram "as bases do Estado nacional-sindicalista": "1. A Família; 2. A Tradição; 3. O Município; 4. O Sindicato; 5. A Corporação; e 6. A Nação". Esse índice, ali apresentado sem qualquer elucidação, é o que de mais rigoroso Medina apresenta a respeito da doutrina do Nacional-Sindicalismo. A citação daquele índice, podia ter-lhe propiciado uma breve mas importante reflexão - Afinal, qual a concepção do Estado de Rolão Preto? Consideraria ele, tal como Mussolini, que "o Estado é um absoluto" e que "indivíduos e grupos só são «pensáveis» quando estão no Estado"?
Para servir o seu propósito - apresentar Rolão Preto como fascista - Medina não elucidou nem podia elucidar a sua doutrina do Estado, porque essa doutrina, sendo Sindicalista, está nos antípodas do totalitarismo fascista: enquanto no Fascismo, "tudo está no Estado, e nada humano ou espiritual existe, muito menos tem valor, fora do Estado" ("é, nesse sentido, totalitário", na definição de Benito Mussolini, em 1932), na doutrina de Rolão Preto, tudo o que é humano e tem valor social - a Família, o Município, o Sindicato... - deve manter a sua autonomia, liberdade, fora da alçada do Estado. A primacial tarefa ou função do Estado nacional-sindicalista é a de lhes prestar serviço - à Família, ao Município, ao Sindicato, à Corporação, à Nação.
Ao ocultar a concepção antitotalitária do Estado do Nacional-Sindicalismo, proveniente do Integralismo Lusitano, ocultou-se porque é que Rolão Preto não prescindia das liberdades cívicas, sindicais e políticas ao confrontar-se com o nascente Estado Novo. Sendo elucidada a doutrina Nacional-Sindicalista facilmente se entenderia porque é que Rolão Preto rejeitou o Corporativismo de Estado instalado pela Salazarquia. A Constituição que Salazar mandou referendar adoptou o modelo bicameral proposto pelo grupo da Seara Nova - Câmara de Partidos e Câmara Corporativa - mas consagrou na prática um Regime de Partido Único e um Corporativismo de Estado - o modelo do Partido Único tinha antecedentes no Bolchevismo e no Fascismo; o Corporativismo de Estado tinha antecedente no Fascismo.
(De notar que a Constituição de 1933 acolheu uma Câmara de Partidos, mas era na prática um Regime de Partido Único; apenas a União Nacional tinha existência legal e só durante os períodos eleitorais era permitido às oposições divulgar os seus pontos de vista. Em 1934, nem isso foi possível: o MNS foi proibido na véspera das eleições (Salazar e a proibição do Nacional-Sindicalismo); reforçada a censura na imprensa (o jornal Revolução foi suspenso), sendo a eleição realizada em circulo nacional único, majoritário, acabando a União Nacional por eleger o pleno dos deputados. Após a II Guerra Mundial, foram introduzidos os círculos distritais, mas manteve-se o Partido Único, a repressão das oposições e o sistema majoritário na eleição do pleno dos deputados, o que explica a inexistência das oposições no Parlamento em toda a vigência da Constituição do Estado Novo; ver, do seu companheiro Luís de Almeida Braga, um célebre Libelo contra o "Estado Novo").
O Movimento Nacional-Sindicalista foi proibido por Salazar, mas sofreu infiltrações e cisões desagregadoras, antes e depois da prisão e do exílio de Rolão Preto. Segundo a narrativa de Medina, teria havido uma cisão entre os "fascistas puros", chefiados por Rolão Preto, e os "fascistas filo-salazaristas" que vieram a integrar a União Nacional, o partido único do regime. Na verdade, deu-se toda uma outra história, explicitada, no plano dos fundamentos, no livro Justiça! (1936): junto de Rolão Preto, ficaram os antifascistas, antitotalitários, os que defendiam o sindicalismo livre e as liberdades políticas e que resistiram à sedução das benesses do poder, recusando integrar a Salazarquia (ver Justiça!, Capítulos III, IV e V, pp. 21-42). O livro foi proibido por Salazar.
Em resumo, Medina retomou ali os processos da "velha escola” da distorção dos factos e da caricatura dos adversários políticos, em declarada sintonia, aliás, com o capcioso Carlos Ferrão de O Integralismo e a República (Autópsia dum Mito). Não sendo o livro Salazar e os Fascistas apresentado como "um libelo e uma exautoração", como a "Autópsia" de Ferrão, Medina não esconde a sua aversão ao Integralismo Lusitano e ao seu desenvolvimento no Movimento Nacional-Sindicalista. A aversão e a má-fé de Medina está bem presente ao longo de todo o livro, chegando a atribuir aos integralistas "ódios rábicos" e "outras fobias" (p. 8). Seguindo de perto os processos de Carlos Ferrão, Medina não hesita em descer à mentira quando, por exemplo, atribui a Rolão Preto apoio aos alemães durante a guerra, citando uma passagem do livro Para além da guerra (1942) em que ele teria considerado que o triunfo do bloco anglo-saxónico significaria "a queda inevitável da atual civilização", acrescentando, que "a Alemanha actual, socialista e popular, está muito acima da velha Inglaterra, capitalista e feudal" (João Medina, Salazar e os Fascistas, p. 51). A falsificação é evidente e grotesca. Ao lermos o livro Para além da guerra, sob o título "Esquemas" (pp. 91-100), verificamos que Rolão Preto está a expor os principais pontos de vista e de propaganda dos blocos beligerantes. O que Medina cita como sendo a perspetiva de Rolão Preto é o ponto de vista germânico, ali por ele resumido. Na mesma página citada por Medina, partindo da posição britânica e americana, essa perspectiva é ali também apresentada por Rolão Preto como uma "absurda e falsa conclusão germânica" (Para além da guerra, p. 94).
A respeito da posição de Rolão Preto face aos beligerantes, em entrevista a José Plácido Machado Barbosa (Para além da Revolução... A Revolução - Entrevistas, 1940), num livro que Medina cita várias vezes e de que transcreve aliás um longo excerto (Salazar e os Fascistas, 1978, pp. 231-239; conhecia pois bem esse livro!), pode verificar-se a posição de Rolão Preto, e a perspectiva geopolítica que a determina, face aos blocos de uma iminente guerra europeia (as entrevistas terminam em Maio de 1939):
"Resumiu V. Exª as condições internas da realização do império português. Há também condições externas de grande importância, não é verdade?
- Por certo, fundamentais. Deve-se continuar fiéis, naturalmente, à aliança inglesa. Portugal, nação imperial atlântica, nação oceânica por excelência, não pode fugir à necessidade de se apoiar no mar.
Há oito séculos que essa realidade geográfica condiciona sua política externa."
(p. 53)
(...)
"- A Aliança Inglesa é pois indispensável a Portugal. Estão todavia surgindo na Europa outros valores de grande importância.
A Itália por exemplo.
- Os erros que atiraram a Itália para um plano contrário à política inglesa é possível que venham "todos" a pagá-los tragicamente um dia."
(p. 54)
E, mais adiante:
"- O Doutor Salazar mantendo-se fiel à Aliança Inglesa tem portanto os aplausos de V. Exªa.
- Certamente. Não sou eu quem lhe negue justiça que mereça. De resto espero que ele me fará também justiça de me julgar incapaz de cometer pecado de facciosismo, preocupações de espírito contra, que tudo condena quanto não esteja na linha recta do seu próprio pensamento."
(p. 56)
Os "erros que atiraram a Itália para um plano contrário à política inglesa", ali referidos por Rolão Preto, foram os que conduziram à Segunda Guerra Italo-Etíope (1935-36), com a Itália fascista a invadir a Abissínia. Em Janeiro de 1933, Rolão Preto tinha-se demarcado politicamente dos totalitarismos fascista e hitleriano. Depois de 1935, com o fascismo italiano a entrar em aliança com a Alemanha nazi, a demarcação foi também geopolítica: "a partir da guerra da Abissínia já não tenho nada a ver com o Mussolini!" (Entrevista - "Não, não e não").
* * *
Nos anos 30, os métodos milicianos de organização e propaganda foram utilizados nos mais diversos quadrantes ideológicos - por comunistas, fascistas, "centristas" (como os republicanos alemães ou o britânico Social Credit Party), e mesmo por anarquistas, como a Federación Anarquista Ibérica (FAI) espanhola - podendo por isso ajudar a confundir mais do que a explicar.
Ao proibir o Nacional-Sindicalismo, Salazar acusou-o de "se inspirar em certos modelos estrangeiros”. Em resposta, em Agosto de 1934, lê-se no comunicado da Junta de Acção Nacional-Sindicalista (JAN-S):
"O Movimento N. S. nunca se inspirou, nem tinha que inspirar-se em ideologias de modelos estrangeiros, fundada como foi por nacionalistas portugueses, cuja doutrina é anterior, não só à dos homens do Governo e à sua «União Nacional» — o que seria pouco em verdade — como também à doutrinação fascista e nazista, ou a qualquer outro aspecto de Revolução Nacionalista na Europa."
Em seguida, a JAN-S reconhece que "aceitou a técnica da acção fascista por se ter revelado, na prática, a mais eficaz", mas não sem rejeitar uma vez mais o totalitarismo do Fascismo e colocando em evidencia a "sua posição doutrinária para além do Fascismo, do Hitlerismo e do Comunismo, definindo as características do Nacionalismo Português, tradicionalmente incompatível com a divinização do Estado e cioso das prerrogativas e liberdades essenciais da personalidade humana".
Na entrevista com Medina, Rolão Preto tinha identificado o motivo da sua ruptura com o Estado Novo precisamente na criação do "pseudo-sindicalismo" de Salazar (ver "Não, não e não"; também a entrevista à RTP, "Tudo pelo Homem nada contra o Homem"). João Medina fez-se de desentendido, escondendo, como Salazar quis esconder, as afinidades entre o Estado Novo e o Estado Fascista de Mussolini.
Ao reduzir o Estado Novo de Salazar a um regime meramente pessoal e autoritário, Medina exibiu a coreografia dos "camisas azuis", mas sem dar muito destaque à dos "camisas verdes" da Acção Escolar de Vanguarda (mais tarde Mocidade Portuguesa), bem como às influências fascistas acolhidas ao criar-se o partido único da União Nacional e ao instalar-se um Corporativismo de Estado.
A falsificação das ideias de Rolão Preto, da doutrina e da ação do MNS na luta contra o estabelecimento da Salazarquia, apresentada por Medina no livro Salazar e os Fascistas, acabou por ser, no essencial, a transposição da visão que Salazar pretendia veicular acerca dos "camisas azuis" para o contexto do recém-criado regime partidocrático da 3ª República.
O projecto político do Integralismo Lusitano contemplou, desde o início, uma dupla restauração: restauração da Instituição Real na chefia do Estado e restauração da República por intermédio de uma representação municipal e sindical. Após o 28 de Maio de 1926, os fundadores do Integralismo suspenderam a reivindicação monárquica, mas retomaram-na após a institucionalização do Estado Novo, vindo a estar presente no testamento político que transmitiram às novas gerações - "Portugal Restaurado pela Monarquia" (1950). A Salazarquia, no seguinte Congresso da União Nacional, desfez imediatamente qualquer miragem de uma futura restauração da Instituição Real. Nas décadas seguintes, os jovens herdeiros do Integralismo continuaram a combater o Estado Novo ao lado das chamadas "oposições republicanas".
Após o 25 de Abril de 1974, Rolão Preto acolheu com alívio e alegria as liberdades cívicas e políticas por fim alcançadas, mas irá continuar a pugnar, tal como o seu companheiro Mário Saraiva (1910-1998), por uma Outra Democracia. Após 1976, a oligarquia monopartidarista foi substituída pela oligarquia pluripartidarista dos subscritores do "pacto MFA-Partidos", continuando por isso a ser um regime contrário ao ideário do Integralismo Lusitano: manteve-se o monopólio da representação da República através de partidos ideológicos. Os integralistas, além da reivindicação monárquica, continuaram naturalmente a reivindicar a restauração da República, subtraindo-a ao controlo das oligarquias partidárias - "Queremos o rei e os sovietes!" - foi a fórmula sindicalista então proclamada por Rolão Preto.
A falsificação de João Medina a respeito do ideário do Integralismo Lusitano e do Nacional-Sindicalismo visava colher frutos entre os mais desprevenidos e ignorantes. Tal como Carlos Ferrão, João Medina acreditava que, das mentiras, alguma coisa ficaria. Ao ocultar o ideário personalista e comunitário de Rolão Preto, e ao mentir acerca da sua posição face aos beligerantes na II Grande Guerra, Medina não prestou serviço à verdade histórica, antes aos salazaristas ciosos por esconder a forte influência e o contributo da doutrina do fascismo na instalação do Estado Novo e sua Salazarquia.
[27 de Abril de 2024, J. M. Q.]
- "Não vale uma imagem mais do que mil palavras"?... O habilidoso expediente de reduzir o Fascismo a uma coreografia não foi porém inventado por João Medina. O jornalismo da partidocracia usou-o abundantemente na década de 30. Quem não se identificasse como "comunista" ou "anarquista", e não fosse favorável ao parlamentarismo da partidocracia, era forçosamente fascista, a exautorar na "extrema-direita" do espectro político-ideológico. Em publicações com intenção historiográfica foi , no entanto, Medina um dos primeiros, senão o primeiro, a adoptar esse artifício politicante a respeito dos "camisas azuis" de Rolão Preto. As fotografias e as caricaturas publicadas na imprensa da época eram a prova de que Rolão Preto seria fascista. E foi assim que, logo após a estampa, Medina proclamou de chofre: "A ilusão de Rolão Preto foi a de alguns fascistas "puros": pensar que se podia fazer a Revolução na extrema-direita, julgar que havia um fascismo social." Rolão Preto seria obviamente "fascista", aliás um "fascista puro", a incluir na "extrema-direita".
Ao mesmo tempo que se reduzia o Fascismo a uma coreografia, escondia-se ou deturpava-se o ideário antitotalitário, municipalista e sindicalista, do Integralismo Lusitano e do sucedâneo Movimento Nacional-Sindicalista. Medina foi um marco na historiografia acerca dos "camisas azuis", não muito depois obtendo seguidores que, em livros ou artigos jornalísticos, exibem fotografias ou caricaturas ilustrativas, para logo de seguida despejarem a esmo os epítetos de "fascista", "extrema-direita", "direita radical", "autoritarista", entre outros mimos de conteúdo ou conotação "anti-democrática". Ocultar ou deturpar o ideário nacional-sindicalista de Rolão Preto é o traço distintivo dessa cavilosa "historiografia" ou "jornalismo".
Até ao início dos anos 30, Rolão Preto saudou com esperança as "revoluções nacionalistas" a alastrar pela Europa, incluindo nelas as vitórias eleitorais e as subidas ao poder de Mussolini e de Hitler, bem como a viragem nacionalista do bolchevismo após a morte de Lenine. O Integralismo Lusitano era um movimento de ideias nacionalistas, bem como o sucedâneo Nacional-Sindicalismo, vendo em todas essas vitórias, incluindo a inflexão nacional dos bolcheviques, a expressão de um ambiente propício, favorável, ao desejado "reaportuguesamento de Portugal". Em Janeiro de 1933, porém, Rolão Preto demarcou-se claramente do fascismo e do hitlerismo em entrevista à United Press, vindo depois a rejeitar em profundidade os estatismos totalitários do século XX no seu livro Justiça! (1936). Acresce que Rolão Preto não se incluía sequer nas chamadas "direitas" (ver entrevista à RTP - "Tudo pelo Homem nada contra o Homem", em Janeiro de 1975), mas tudo isso que importa?
Para João Medina, estava decidido que Rolão Preto seria "fascista", aliás um "fascista puro". Na página 15, é citado um índice, retirado de um folheto de propaganda, onde se enumeram "as bases do Estado nacional-sindicalista": "1. A Família; 2. A Tradição; 3. O Município; 4. O Sindicato; 5. A Corporação; e 6. A Nação". Esse índice, ali apresentado sem qualquer elucidação, é o que de mais rigoroso Medina apresenta a respeito da doutrina do Nacional-Sindicalismo. A citação daquele índice, podia ter-lhe propiciado uma breve mas importante reflexão - Afinal, qual a concepção do Estado de Rolão Preto? Consideraria ele, tal como Mussolini, que "o Estado é um absoluto" e que "indivíduos e grupos só são «pensáveis» quando estão no Estado"?
Para servir o seu propósito - apresentar Rolão Preto como fascista - Medina não elucidou nem podia elucidar a sua doutrina do Estado, porque essa doutrina, sendo Sindicalista, está nos antípodas do totalitarismo fascista: enquanto no Fascismo, "tudo está no Estado, e nada humano ou espiritual existe, muito menos tem valor, fora do Estado" ("é, nesse sentido, totalitário", na definição de Benito Mussolini, em 1932), na doutrina de Rolão Preto, tudo o que é humano e tem valor social - a Família, o Município, o Sindicato... - deve manter a sua autonomia, liberdade, fora da alçada do Estado. A primacial tarefa ou função do Estado nacional-sindicalista é a de lhes prestar serviço - à Família, ao Município, ao Sindicato, à Corporação, à Nação.
Ao ocultar a concepção antitotalitária do Estado do Nacional-Sindicalismo, proveniente do Integralismo Lusitano, ocultou-se porque é que Rolão Preto não prescindia das liberdades cívicas, sindicais e políticas ao confrontar-se com o nascente Estado Novo. Sendo elucidada a doutrina Nacional-Sindicalista facilmente se entenderia porque é que Rolão Preto rejeitou o Corporativismo de Estado instalado pela Salazarquia. A Constituição que Salazar mandou referendar adoptou o modelo bicameral proposto pelo grupo da Seara Nova - Câmara de Partidos e Câmara Corporativa - mas consagrou na prática um Regime de Partido Único e um Corporativismo de Estado - o modelo do Partido Único tinha antecedentes no Bolchevismo e no Fascismo; o Corporativismo de Estado tinha antecedente no Fascismo.
(De notar que a Constituição de 1933 acolheu uma Câmara de Partidos, mas era na prática um Regime de Partido Único; apenas a União Nacional tinha existência legal e só durante os períodos eleitorais era permitido às oposições divulgar os seus pontos de vista. Em 1934, nem isso foi possível: o MNS foi proibido na véspera das eleições (Salazar e a proibição do Nacional-Sindicalismo); reforçada a censura na imprensa (o jornal Revolução foi suspenso), sendo a eleição realizada em circulo nacional único, majoritário, acabando a União Nacional por eleger o pleno dos deputados. Após a II Guerra Mundial, foram introduzidos os círculos distritais, mas manteve-se o Partido Único, a repressão das oposições e o sistema majoritário na eleição do pleno dos deputados, o que explica a inexistência das oposições no Parlamento em toda a vigência da Constituição do Estado Novo; ver, do seu companheiro Luís de Almeida Braga, um célebre Libelo contra o "Estado Novo").
O Movimento Nacional-Sindicalista foi proibido por Salazar, mas sofreu infiltrações e cisões desagregadoras, antes e depois da prisão e do exílio de Rolão Preto. Segundo a narrativa de Medina, teria havido uma cisão entre os "fascistas puros", chefiados por Rolão Preto, e os "fascistas filo-salazaristas" que vieram a integrar a União Nacional, o partido único do regime. Na verdade, deu-se toda uma outra história, explicitada, no plano dos fundamentos, no livro Justiça! (1936): junto de Rolão Preto, ficaram os antifascistas, antitotalitários, os que defendiam o sindicalismo livre e as liberdades políticas e que resistiram à sedução das benesses do poder, recusando integrar a Salazarquia (ver Justiça!, Capítulos III, IV e V, pp. 21-42). O livro foi proibido por Salazar.
Em resumo, Medina retomou ali os processos da "velha escola” da distorção dos factos e da caricatura dos adversários políticos, em declarada sintonia, aliás, com o capcioso Carlos Ferrão de O Integralismo e a República (Autópsia dum Mito). Não sendo o livro Salazar e os Fascistas apresentado como "um libelo e uma exautoração", como a "Autópsia" de Ferrão, Medina não esconde a sua aversão ao Integralismo Lusitano e ao seu desenvolvimento no Movimento Nacional-Sindicalista. A aversão e a má-fé de Medina está bem presente ao longo de todo o livro, chegando a atribuir aos integralistas "ódios rábicos" e "outras fobias" (p. 8). Seguindo de perto os processos de Carlos Ferrão, Medina não hesita em descer à mentira quando, por exemplo, atribui a Rolão Preto apoio aos alemães durante a guerra, citando uma passagem do livro Para além da guerra (1942) em que ele teria considerado que o triunfo do bloco anglo-saxónico significaria "a queda inevitável da atual civilização", acrescentando, que "a Alemanha actual, socialista e popular, está muito acima da velha Inglaterra, capitalista e feudal" (João Medina, Salazar e os Fascistas, p. 51). A falsificação é evidente e grotesca. Ao lermos o livro Para além da guerra, sob o título "Esquemas" (pp. 91-100), verificamos que Rolão Preto está a expor os principais pontos de vista e de propaganda dos blocos beligerantes. O que Medina cita como sendo a perspetiva de Rolão Preto é o ponto de vista germânico, ali por ele resumido. Na mesma página citada por Medina, partindo da posição britânica e americana, essa perspectiva é ali também apresentada por Rolão Preto como uma "absurda e falsa conclusão germânica" (Para além da guerra, p. 94).
A respeito da posição de Rolão Preto face aos beligerantes, em entrevista a José Plácido Machado Barbosa (Para além da Revolução... A Revolução - Entrevistas, 1940), num livro que Medina cita várias vezes e de que transcreve aliás um longo excerto (Salazar e os Fascistas, 1978, pp. 231-239; conhecia pois bem esse livro!), pode verificar-se a posição de Rolão Preto, e a perspectiva geopolítica que a determina, face aos blocos de uma iminente guerra europeia (as entrevistas terminam em Maio de 1939):
"Resumiu V. Exª as condições internas da realização do império português. Há também condições externas de grande importância, não é verdade?
- Por certo, fundamentais. Deve-se continuar fiéis, naturalmente, à aliança inglesa. Portugal, nação imperial atlântica, nação oceânica por excelência, não pode fugir à necessidade de se apoiar no mar.
Há oito séculos que essa realidade geográfica condiciona sua política externa."
(p. 53)
(...)
"- A Aliança Inglesa é pois indispensável a Portugal. Estão todavia surgindo na Europa outros valores de grande importância.
A Itália por exemplo.
- Os erros que atiraram a Itália para um plano contrário à política inglesa é possível que venham "todos" a pagá-los tragicamente um dia."
(p. 54)
E, mais adiante:
"- O Doutor Salazar mantendo-se fiel à Aliança Inglesa tem portanto os aplausos de V. Exªa.
- Certamente. Não sou eu quem lhe negue justiça que mereça. De resto espero que ele me fará também justiça de me julgar incapaz de cometer pecado de facciosismo, preocupações de espírito contra, que tudo condena quanto não esteja na linha recta do seu próprio pensamento."
(p. 56)
Os "erros que atiraram a Itália para um plano contrário à política inglesa", ali referidos por Rolão Preto, foram os que conduziram à Segunda Guerra Italo-Etíope (1935-36), com a Itália fascista a invadir a Abissínia. Em Janeiro de 1933, Rolão Preto tinha-se demarcado politicamente dos totalitarismos fascista e hitleriano. Depois de 1935, com o fascismo italiano a entrar em aliança com a Alemanha nazi, a demarcação foi também geopolítica: "a partir da guerra da Abissínia já não tenho nada a ver com o Mussolini!" (Entrevista - "Não, não e não").
* * *
Nos anos 30, os métodos milicianos de organização e propaganda foram utilizados nos mais diversos quadrantes ideológicos - por comunistas, fascistas, "centristas" (como os republicanos alemães ou o britânico Social Credit Party), e mesmo por anarquistas, como a Federación Anarquista Ibérica (FAI) espanhola - podendo por isso ajudar a confundir mais do que a explicar.
Ao proibir o Nacional-Sindicalismo, Salazar acusou-o de "se inspirar em certos modelos estrangeiros”. Em resposta, em Agosto de 1934, lê-se no comunicado da Junta de Acção Nacional-Sindicalista (JAN-S):
"O Movimento N. S. nunca se inspirou, nem tinha que inspirar-se em ideologias de modelos estrangeiros, fundada como foi por nacionalistas portugueses, cuja doutrina é anterior, não só à dos homens do Governo e à sua «União Nacional» — o que seria pouco em verdade — como também à doutrinação fascista e nazista, ou a qualquer outro aspecto de Revolução Nacionalista na Europa."
Em seguida, a JAN-S reconhece que "aceitou a técnica da acção fascista por se ter revelado, na prática, a mais eficaz", mas não sem rejeitar uma vez mais o totalitarismo do Fascismo e colocando em evidencia a "sua posição doutrinária para além do Fascismo, do Hitlerismo e do Comunismo, definindo as características do Nacionalismo Português, tradicionalmente incompatível com a divinização do Estado e cioso das prerrogativas e liberdades essenciais da personalidade humana".
Na entrevista com Medina, Rolão Preto tinha identificado o motivo da sua ruptura com o Estado Novo precisamente na criação do "pseudo-sindicalismo" de Salazar (ver "Não, não e não"; também a entrevista à RTP, "Tudo pelo Homem nada contra o Homem"). João Medina fez-se de desentendido, escondendo, como Salazar quis esconder, as afinidades entre o Estado Novo e o Estado Fascista de Mussolini.
Ao reduzir o Estado Novo de Salazar a um regime meramente pessoal e autoritário, Medina exibiu a coreografia dos "camisas azuis", mas sem dar muito destaque à dos "camisas verdes" da Acção Escolar de Vanguarda (mais tarde Mocidade Portuguesa), bem como às influências fascistas acolhidas ao criar-se o partido único da União Nacional e ao instalar-se um Corporativismo de Estado.
A falsificação das ideias de Rolão Preto, da doutrina e da ação do MNS na luta contra o estabelecimento da Salazarquia, apresentada por Medina no livro Salazar e os Fascistas, acabou por ser, no essencial, a transposição da visão que Salazar pretendia veicular acerca dos "camisas azuis" para o contexto do recém-criado regime partidocrático da 3ª República.
O projecto político do Integralismo Lusitano contemplou, desde o início, uma dupla restauração: restauração da Instituição Real na chefia do Estado e restauração da República por intermédio de uma representação municipal e sindical. Após o 28 de Maio de 1926, os fundadores do Integralismo suspenderam a reivindicação monárquica, mas retomaram-na após a institucionalização do Estado Novo, vindo a estar presente no testamento político que transmitiram às novas gerações - "Portugal Restaurado pela Monarquia" (1950). A Salazarquia, no seguinte Congresso da União Nacional, desfez imediatamente qualquer miragem de uma futura restauração da Instituição Real. Nas décadas seguintes, os jovens herdeiros do Integralismo continuaram a combater o Estado Novo ao lado das chamadas "oposições republicanas".
Após o 25 de Abril de 1974, Rolão Preto acolheu com alívio e alegria as liberdades cívicas e políticas por fim alcançadas, mas irá continuar a pugnar, tal como o seu companheiro Mário Saraiva (1910-1998), por uma Outra Democracia. Após 1976, a oligarquia monopartidarista foi substituída pela oligarquia pluripartidarista dos subscritores do "pacto MFA-Partidos", continuando por isso a ser um regime contrário ao ideário do Integralismo Lusitano: manteve-se o monopólio da representação da República através de partidos ideológicos. Os integralistas, além da reivindicação monárquica, continuaram naturalmente a reivindicar a restauração da República, subtraindo-a ao controlo das oligarquias partidárias - "Queremos o rei e os sovietes!" - foi a fórmula sindicalista então proclamada por Rolão Preto.
A falsificação de João Medina a respeito do ideário do Integralismo Lusitano e do Nacional-Sindicalismo visava colher frutos entre os mais desprevenidos e ignorantes. Tal como Carlos Ferrão, João Medina acreditava que, das mentiras, alguma coisa ficaria. Ao ocultar o ideário personalista e comunitário de Rolão Preto, e ao mentir acerca da sua posição face aos beligerantes na II Grande Guerra, Medina não prestou serviço à verdade histórica, antes aos salazaristas ciosos por esconder a forte influência e o contributo da doutrina do fascismo na instalação do Estado Novo e sua Salazarquia.
[27 de Abril de 2024, J. M. Q.]
(Para quem não desiste na busca da verdade das ideias, das almas e dos factos, aí fica a Entrevista tal como foi publicada, sem poder verificar a sua integral autenticidade, mas começando precisamente com um "não" em resposta à primeira pergunta - 1975 - Francisco Rolão Preto - Entrevista - "Não, não e não").
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