A literatura capciosa acerca do Integralismo
A História tem inúmeros eclipses de factos interessantes e dá foros de acontecido a tremendas mentiras - António Cabreira
Os integralistas lusitanos, muito activos no combate político de ideias, foram naturalmente vítimas de ardilosas falsificações e caricaturas. As suas ideias políticas, sendo tão fortemente anti-oligárquicas, estavam vocacionadas a receber uma equivalente reacção dos visados. No editorial de um vespertino dos anos de 1920, ao preparar a "opinião pública" para o encerramento, pela polícia, do diário A Monarquia, pode ler-se que os integralistas eram "os mais irreconciliáveis, os mais preciosos, os mais rancorosos inimigos da República" ["Os Integralistas", A Capital - diário republicano da noite, 4 de Janeiro de 1921, p. 1]. Nos sucessivos regimes oligárquicos que combateram, os integralistas foram sempre considerados um perigoso adversário cujo ideário se caricaturava, falsificava e, como último recurso, se proibia.
As modalidades caricaturais e falsificadoras de combate ao ideário e acção do integralismo transbordaram naturalmente para a historiografia. Aqui se procurará identificar o corpus dessa literatura capciosa acerca do integralismo e do sucedâneo nacional-sindicalismo. Utilizamos o adjectivo "capcioso", com o significando comum na língua portuguesa: literatura que engana, cavilosa, manhosa, ardilosa.
Nesta página, destacam-se duas publicações, dois pontos de partida concatenados, identificando os seus contextos e falsidades mais salientes:
Nem toda a literatura que erra ou induz ao erro a respeito do integralismo, foi elaborada com capciosa intenção. Este corpus será pois limitado aos casos em que a má-fé e o propósito enganoso são evidentes, por conterem flagrantes falsificações, truncagens e adulteração das fontes. Importa arrolar e expôr o conteúdo das mais destacadas "autoridades" cavilosas que, nos meios académicos e editoriais, continuam a ser reproduzidas sem objeção, ressalva ou errata. O corpus aqui reunido destina-se aos jovens livres de pensamento livre, e a todos os que tenham a aspiração de conhecer a verdadeira história do Integralismo.
[17 de Maio de 2024 - J.M.Q.]
Relacionado:
As modalidades caricaturais e falsificadoras de combate ao ideário e acção do integralismo transbordaram naturalmente para a historiografia. Aqui se procurará identificar o corpus dessa literatura capciosa acerca do integralismo e do sucedâneo nacional-sindicalismo. Utilizamos o adjectivo "capcioso", com o significando comum na língua portuguesa: literatura que engana, cavilosa, manhosa, ardilosa.
Nesta página, destacam-se duas publicações, dois pontos de partida concatenados, identificando os seus contextos e falsidades mais salientes:
- 1964 - 1965 - Carlos Ferrão, O Integralismo e a República - Autópsia de um Mito, 3 Vols, Lisboa, Inquérito e Editorial O Século.
- 1978 - João Medina, Salazar e os Fascistas - Salazarismo e Nacional-Sindicalismo, a história dum conflito, 1932-1935, Livraria Bertrand, 1978.
Nem toda a literatura que erra ou induz ao erro a respeito do integralismo, foi elaborada com capciosa intenção. Este corpus será pois limitado aos casos em que a má-fé e o propósito enganoso são evidentes, por conterem flagrantes falsificações, truncagens e adulteração das fontes. Importa arrolar e expôr o conteúdo das mais destacadas "autoridades" cavilosas que, nos meios académicos e editoriais, continuam a ser reproduzidas sem objeção, ressalva ou errata. O corpus aqui reunido destina-se aos jovens livres de pensamento livre, e a todos os que tenham a aspiração de conhecer a verdadeira história do Integralismo.
[17 de Maio de 2024 - J.M.Q.]
Relacionado:
- 1933 - Carta para o "Camarada Quitério" - "Não convém os mestres integralistas, porque falam sempre em Monarquia..."
- 1977 - Franco Nogueira - Um distorcido perfil de Rolão Preto
1. "Mentiras e calúnias impressionantes"
1964 - 1965 - Carlos Ferrão, O Integralismo e a República - Autópsia de um Mito, 3 Vols, Lisboa, Inquérito e Editorial O Século.
Bibliografia
1971 - Mário Saraiva - A Verdade e a Mentira - Algumas notas em resposta a «O Integralismo e a República» de Carlos Ferrão, Lisboa: Caderno 1 de Pensamento Político, 1971.
1971 - Mário Saraiva - A Verdade e a Mentira - Algumas notas em resposta a «O Integralismo e a República» de Carlos Ferrão, Lisboa: Caderno 1 de Pensamento Político, 1971.
1971_-_mário_saraiva_-_a_verdade_e_a_mentira_.pdf |
2. "Camisas azuis" ou "camisas verdes"?
1978 - João Medina, Salazar e os Fascistas - Salazarismo e Nacional-Sindicalismo, a história dum conflito, 1932-1935, Livraria Bertrand, 1978.
Em 24 de Janeiro de 1975, a Rádio Televisão Portuguesa (RTP) emitiu um programa com excertos de uma entrevista com Francisco Rolão Preto (1893-1977), fundador do Integralismo Lusitano (1913-1933) e líder do Movimento Nacional Sindicalista (1932-1936) sob o título "Tudo pelo Homem nada contra o Homem".
Em 27 de Junho desse ano, João Medina deslocou-se à Soalheira e obteve também uma entrevista com Rolão Preto, que terá sido gravada e a sua transcrição lida e retificada por Rolão Preto que, em Julho, lhe terá acrescentado uma adenda. Essa entrevista só virá a ser publicada após a morte de Rolão Preto, constituindo uma parte substancial do livro Salazar e os Fascistas - Salazarismo e Nacional-Sindicalismo - a história dum conflito 1932/ 1935, Lisboa, Livraria Bertrand, 1978, pp. 155-209. Aqui a publicamos, em separado, sob o título "Não, não e não", sem poder confirmar a sua autenticidade em alguns pormenores, mas por nela se vincar uma persistente e coerente recusa de Rolão Preto em ser identificado como fascista ou com o fascismo.
Nesse Verão de 1975 vivia-se em Portugal o chamado Processo Revolucionário em Curso (PREC), após o golpe militar de 25 de Abril de 1974. Vigorava já uma Plataforma de Acordo Constitucional ou "1º Pacto MFA - Partidos" (pacto celebrado entre o Movimento das Forças Armadas - MFA - e alguns partidos políticos - PS, PPD, PCP, CDS, FSP e MDP/CDE), subscrito em 11 de Abril. Nos órgãos de informação da época, refletindo os comunicados difundidos pelos partidos políticos do novo regime em gestação e o Conselho da Revolução (institucionalização do MFA após o 11 de Março - Lei nº 5/75, de 14 de Março) era comum dizer-se e escrever-se que o "25 de Abril" derrubara uma "ditadura fascista" (ou "regime fascista") com 48 anos (1926-1974). Caminhava-se na direcção de um "Socialismo português", mas procurando reabilitar a herança parlamentarista da 1ª República, pelo que se amalgamavam as ditaduras dos anos de 1920 (Ditadura Militar, 1926-28 e Ditadura Nacional, 1928-33) com a 2ª República ou Estado Novo (1933-74).
Em 1978, quando João Medina publicou o seu livro, vigorava já a Constituição de 1976, consagrando um sistema político semipresidencial, com vincado pendor parlamentarista (partidocrático). No preâmbulo da nova Constituição, escrevia-se que, em 25 de Abril de 1974, "o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista." Mantinha-se ainda o Conselho da Revolução - órgão militar de tutela da 3ª República - mas caminhava-se na direção de um regime em que se previa o domínio do Estado pelos partidos subscritores do referido Pacto MFA - Partidos, então já na sua segunda versão. O Conselho da Revolução virá a ser extinto na revisão constitucional de 1982.
João Medina, no sub-título do livro, identificou o referido "regime fascista" como o "Salazarismo", em referência à personalidade de António de Oliveira Salazar, presidente do Conselho de Ministros entre 1932 e 1968. No corpo do livro, Medina refere-se à "Ditadura salazarista" e, durante a entrevista com Rolão Preto, deixou tombar uma vez a expressão "fascismo salazarista", mas, tanto o título, como a capa do livro, sugerem que Salazar terá triunfado sobre os fascistas. A ideia-chave a transmitir surge bem nítida na contra-capa: "O Fascismo português existiu de facto: eram os camisas azuis de Rolão Preto, movimento que Salazar decidiu eliminar." Para que essa ideia tivesse credibilidade, Rolão Preto teria de surgir ali como "o fascista português". A entrevista resultou num fiasco: Rolão Preto recusou, como vinha claramente recusando desde Janeiro de 1933, identificar o nacional-sindicalismo com os fascismos.
Apesar das respostas negativas de Rolão Preto durante a entrevista, Medina não desarmou, optando por diluir o seu conteúdo num longo rol de apontamentos e notas de rodapé, algumas das quais visando rebaixar e desacreditar Rolão Preto, por alegados erros ou imprecisões de memória. Desviando-se da doutrina e do programa do Nacional-Sindicalismo, Medina começou por colocar a tónica na coreografia miliciana dos camisas azuis, tida como suficiente para provar que estes seriam "os fascistas portugueses".
E foi assim que Medina abriu o livro estampando uma fotografia "esclarecedora", na qual se mostra Rolão Preto a entrar no Palácio das Exposições do Parque Eduardo VII, entre alas de camisas azuis perfilados de braço levantado, fazendo a "saudação romana", na noite do banquete que ali lhe foi oferecido, em 18 de Fevereiro de 1933 - "Não vale uma imagem mais do que mil palavras"?...
O expediente de reduzir o Fascismo a uma coreografia não foi uma habilidosa invenção de João Medina. O jornalismo da partidocracia usou-o abundantemente na década de 30. Quem não se identificasse como "comunista" ou "anarquista", e não fosse favorável ao parlamentarismo da partidocracia, seria forçosamente fascista, a exautorar na "extrema-direita" do seu imaginado espectro político. Em publicações com intenção historiográfica foi, no entanto, Medina um dos primeiros, senão o primeiro, a adoptar esse artifício politicante a respeito dos "camisas azuis" de Rolão Preto. As fotografias e as caricaturas publicadas na imprensa da época seriam a prova de que Rolão Preto era fascista. E foi assim que, logo após a estampa, Medina proclamou de chofre, abrindo o livro: "A ilusão de Rolão Preto foi a de alguns fascistas "puros": pensar que se podia fazer a Revolução na extrema-direita, julgar que havia um fascismo social." Rolão Preto seria obviamente "fascista", aliás um "fascista puro", a incluir na "extrema-direita".
Medina foi um marco na historiografia acerca dos "camisas azuis", não muito depois obtendo seguidores que, em livros ou artigos jornalísticos, exibem fotografias ou caricaturas ilustrativas, para logo de seguida despejarem a esmo os epítetos de "fascista", "extrema-direita", "direita radical", "autoritarista", entre outros mimos de conteúdo ou conotação "anti-democrática" (na mesma linha de João Medina, ver António Costa Pinto, Camisas Azuis, Lisboa, Estampa, 1994). Para além dos erros, falsidades, e mesmo adulteração de fontes primárias, ocultar ou deturpar o ideário nacional-sindicalista é um traço distintivo dessa cavilosa literatura.
Até ao início dos anos de 1930, Rolão Preto saudou com esperança as "revoluções nacionalistas" a alastrar pela Europa, em especial as vitórias eleitorais e subidas ao poder de Mussolini em Itália e de Hitler na Alemanha. Daí surgiu um outro estratagema enganoso utilizado por Medina e sequazes: o de apresentar essas manifestações de esperança nas vitórias nacionalistas europeias como uma adesão aos seus ideários políticos. As tradições políticas dos Estados europeus, bem como as respectivas doutrinas nacionalistas, têm feições distintas, por vezes politicamente contrastantes, assentando em realidades muito diversas no espaço e no tempo: há nações com origem medieval (como Portugal ou a Inglaterra), neo-clássicas ou renascentistas (como a França), ou pós-revolucionárias (como a Itália e a Alemanha, no último quartel do século XIX). Para um historiador italiano ou alemão, as ideologias nacionalistas das suas pátrias são fenómenos dos séculos XVIII e XIX, mas é um indesculpável paralaxe a um historiador português negar a existência de uma ideologia nacionalista nas crónicas de Fernão Lopes. Rolão Preto saudou, sem excepção, os triunfos de forças e ideias nacionalistas na Europa, incluindo a viragem nacionalista do bolchevismo após a morte de Lenine. O Integralismo Lusitano, e o sucedâneo Nacional-Sindicalismo, era um movimento nacionalista, vendo em todas essas vitórias, sem excluir a inflexão nacionalista dos bolcheviques, expressões de um ambiente propício, favorável, ao seu desejado "reaportuguesamento de Portugal".
Ao mesmo tempo que se reduzia o Fascismo a uma coreografia, e se amalgamavam nos fascismos os mais diversos nacionalismos, minimizava-se, escondia-se ou deturpava-se o ideário municipalista e sindicalista do Integralismo Lusitano e do sucedâneo Movimento Nacional-Sindicalista. Outro tanto se fez acerca das demarcações e recusas de Rolão Preto em adoptar as doutrinas do Estado totalitário do Fascismo. A documentação que atesta a rejeição dos totalitarismos fascistas por parte de Rolão Preto, antes da II Guerra Mundial, não é tão escassa e insipiente quanto João Medina (e Costa Pinto, Camisas Azuis, citado, p. 38: "Só a partir de 1945 se afastaria do fascismo") querem fazer crer.
No seio do integralismo, logo após o triunfo do fascismo em Itália, António Sardinha, no prefácio a Ao princípio era o Verbo (1924), advertiu os seus pares no Integralismo para a natureza, e os perigos, dos nacionalismos de além Pirineus. Sardinha distinguiu então três espécies de nacionalismo: (1) o nacionalismo “da sôfrega dilatação que, de nacionalismo, se torna depressa em perturbadora exaltação imperialista” ; (2) o nacionalismo que, a exemplo da Suíça, quer ser “placa giratória” da Europa, e “não ambiciona para Portugal outras vantagens que não sejam as de um turismo promissor e condescendente”; e (3) o "nacionalismo esclarecido pelo tradicionalismo" - o seu nacionalismo - que identifica como "católico romano", apto a “reconstruir uma ordem internacional em que todas as pátrias, pequenas ou grandes, se achem naturalmente enlaçadas por uma finalidade comum.”(p. xvi). Sardinha escrevia em Fevereiro de 1923, na Quinta do Bispo, em Elvas, mas como que pressentindo já o aproximar de uma nova hecatombe europeia: “Urge que, na floresta espessa dos mitos e superstições dominantes, nos não abandonemos cegamente ao encanto bárbaro da aspiração nacionalista. Acentuamos "encanto bárbaro", porque, na sua ansia impetuosa há na aspiração nacionalista que desvaira a Europa uma força de agressividade primitiva, - um total olvido da harmonia que é imperioso restabelecer nas relações dos povos, como assento sólido da Cidade-de-Deus”. (pp. xiii-xiv). Até essa data, o fascismo não tinha definida uma doutrina política, não indo além de uma triunfante técnica miliciana de acção política e de propaganda.
Para os católicos, foi naturalmente o papa Pio XI a fazer soar o alarme, ao reagir à proibição das organizações católicas de juventude em Itália, condenando o Fascismo como uma "estatolatria pagã" (Encíclica Non abbiamo bisogno). A doutrina totalitária do fascismo estava ainda por definir, mas começavam a revelar-se os seus primeiros e evidentes sinais. O jacobinismo de Benito Mussolini começava de novo a subir à superfície e, em 1932, sem margem para dúvida, era o próprio a definir o fascismo como um totalitarismo. Em Janeiro de 1933, em entrevista à United Press, Rolão Preto já não teve dúvida em demarcar-se do fascismo e do hitlerismo, considerando-os como "totalitarismos divinizadores do Estado cesarista".
As demarcações e condenações dos fascismos não se ficarão por aí. Ainda em 1933, ao serem revelados na imprensa estrangeira a existência de planos italianos e alemães para os territórios portugueses do ultramar africano, que estariam a tentar seduzir os britânicos, o nacional-sindicalismo convoca uma manifestação de protesto junto à embaixada do Reino Unido. A manifestação foi proibida pelo governo mas, em Junho do ano seguinte, face à repressão que se começava a abater sobre o nacional-sindicalismo, Rolão Preto envia uma representação (pública) ao presidente da República, em que o modelo totalitário do fascismo, adoptado por Salazar no partido único da União Nacional, é um foco essencial do protesto. O governo respondeu com a prisão e desterro de Rolão Preto e Alberto Monsaraz, proibindo pouco depois o Nacional-Sindicalismo. Em resposta, a Junta N-S. denunciou a imitação do totalitarismo fascista por parte do governo de Salazar. No início de 1935, ao retornar a Portugal, Rolão Preto voltou a condenar e rejeitar o fascismo no seu discurso aos intelectuais nacionalistas. Mas Rolão Preto não se limitou a rejeitar o totalitarismo do fascismo em declarações à imprensa, em comunicados ou em discursos, vindo o estatismo totalitário a ser um dos temas centrais do seu livro Justiça! (1936), em defesa de uma revolução personalista e comunitária. O livro foi proibido pelo governo de Salazar. O nacional-sindicalismo de Rolão Preto, além de afirmar o seu anti-fascismo desde o início dos anos 30, não se incluía a si mesmo sequer nas chamadas "direitas" (ver entrevista à RTP - "Tudo pelo Homem nada contra o Homem", em Janeiro de 1975).
Para João Medina, estava decidido que Rolão Preto seria "fascista", aliás um "fascista puro". Passando ao lado da abundante documentação negando a sua "tese", na página 15 do livro, sugerindo que tinha ido às fontes verificar os pontos essenciais de pensamento e doutrina do Nacional Sindicalismo, cita um índice, retirado de um folheto de propaganda, onde se enumeram "as bases do Estado nacional-sindicalista": "1. A Família; 2. A Tradição; 3. O Município; 4. O Sindicato; 5. A Corporação; e 6. A Nação". Esse índice, ali apresentado sem qualquer elucidação, é o que de mais rigoroso Medina apresenta a respeito da doutrina nacional-sindicalista. A citação do índice, podia ter-lhe propiciado uma breve mas importante reflexão - Qual a concepção do Estado de Rolão Preto? Consideraria ele, tal como Mussolini, que "o Estado é um absoluto" e que "indivíduos e grupos só são «pensáveis» quando estão no Estado"?
Para servir o seu propósito - apresentar Rolão Preto como fascista - Medina não elucidou nem podia elucidar a sua doutrina do Estado, porque essa doutrina, sendo essencialmente Municipalista e Sindicalista, está nos antípodas do totalitarismo fascista: enquanto no Fascismo, "tudo está no Estado, e nada humano ou espiritual existe, muito menos tem valor, fora do Estado" ("é, nesse sentido, totalitário", na definição de Benito Mussolini, em 1932), na doutrina de Rolão Preto, tudo o que é humano e tem valor social - a Família, o Município, o Sindicato... - deve manter a sua autonomia, liberdade, fora da alçada do Estado. A primacial tarefa ou função do Estado nacional-sindicalista é a de lhes prestar serviço - à Família, ao Município, ao Sindicato, à Corporação, à Nação.
Ao ocultar a concepção antitotalitária do Estado do Nacional-Sindicalismo, proveniente do Integralismo Lusitano, ocultou-se porque é que Rolão Preto não prescindia das liberdades cívicas, sindicais e políticas ao confrontar-se com o nascente Estado Novo. Sendo elucidada a doutrina Nacional-Sindicalista facilmente se entenderia porque é que Rolão Preto rejeitou o Corporativismo de Estado instalado pela Salazarquia. A Constituição que Salazar mandou referendar adoptou o modelo bicameral proposto pelo grupo da Seara Nova - Câmara de Partidos e Câmara Corporativa - mas consagrou na prática um Regime de Partido Único e um Corporativismo de Estado - o modelo do Partido Único tinha antecedentes no Bolchevismo e no Fascismo; o Corporativismo de Estado tinha antecedente no Fascismo.
A Constituição de 1933 acolheu uma Câmara de Partidos, mas era na prática um regime de Partido Único. Apenas a União Nacional tinha existência legal, e só durante os períodos eleitorais era permitido às oposições apresentarem-se perante os eleitores. Em 1934, nem isso foi possível: o Nacional-Sindicalismo foi proibido seis meses antes das eleições (cf. Salazar e a proibição do Nacional-Sindicalismo); foi reforçada a censura na imprensa (o jornal Revolução foi suspenso); a eleição foi realizada em colégio eleitoral único, de lista completa (a lista mais votada elegia o pleno dos deputados); com a lista da União Nacional a ser a única admitida na eleição. A própria lei eleitoral só foi publicada cerca de um mês antes do acto eleitoral, baseando-se num conceito de Estado totalitário decalcado do fascismo [Decreto-lei 24:631, de 6 de Novembro de 1934]. A eleição de 16 de Dezembro, denunciada como farsa pelos Nacional-Sindicalistas, garantiu à União Nacional o pleno dos deputados na Assembleia Nacional. Após a II Guerra Mundial, foram introduzidos colégios distritais, mas manteve-se a eleição de lista completa; a União Nacional como o único partido legalmente constituído; censura na imprensa, etc., o que explica a inexistência das oposições no Parlamento em toda a vigência da Constituição do Estado Novo. (ver, José Manuel Quintas, "Assembleia Nacional" e "Eleições para a Assembleia Nacional" in Fernando Rosas; J. M. Brandão de Brito (Org.), Dicionário de História do Estado Novo, Vol. I, Lisboa, 1996, pp. 69-70; 288-291).
O Movimento Nacional-Sindicalista foi proibido por Salazar, mas sofreu infiltrações e cisões desagregadoras, antes e depois da prisão e do exílio de Rolão Preto. Segundo a narrativa de Medina, teria havido uma cisão entre os "fascistas puros", chefiados por Rolão Preto, e os "fascistas filo-salazaristas" que vieram a integrar a União Nacional, o partido único do regime. Na verdade, deu-se toda uma outra história, explicitada, no plano dos fundamentos, no livro Justiça! (1936): junto de Rolão Preto, ficaram os antifascistas, antitotalitários, os que defendiam o sindicalismo livre e as liberdades políticas e que resistiram à sedução das benesses do poder, recusando integrar a Salazarquia (ver Justiça!, Capítulos III, IV e V, pp. 21-42).
Em resumo, Medina retomou ali os processos da "velha escola” da distorção dos factos e da caricatura dos adversários políticos, em declarada sintonia, aliás, com o capcioso Carlos Ferrão de O Integralismo e a República (Autópsia dum Mito). Não sendo o livro Salazar e os Fascistas apresentado como "um libelo e uma exautoração", como a "Autópsia" de Ferrão, Medina não esconde a sua aversão ao Integralismo Lusitano e ao seu desenvolvimento no Movimento Nacional-Sindicalista, começando por atribuir-lhes "ódios rábicos" e "outras fobias" (p. 8). A aversão e a má-fé de Medina está bem presente ao longo de todo o livro. Seguindo de perto os processos de Carlos Ferrão, Medina não hesita em descer à mentira quando, por exemplo, atribui a Rolão Preto apoio aos alemães durante a guerra, citando uma passagem do livro Para além da guerra (1942) em que ele teria considerado que o triunfo do bloco anglo-saxónico significaria "a queda inevitável da atual civilização", acrescentando, que "a Alemanha actual, socialista e popular, está muito acima da velha Inglaterra, capitalista e feudal" (João Medina, Salazar e os Fascistas, p. 51). A falsificação é evidente e grotesca. Ao lermos o livro Para além da guerra, sob o título "Esquemas" (pp. 91-100), verificamos que Rolão Preto está a expor os principais pontos de vista e de propaganda dos blocos beligerantes. O que Medina cita como sendo a perspetiva de Rolão Preto é o ponto de vista germânico, ali por ele resumido. Na mesma página citada por Medina, partindo da posição britânica e americana, essa perspectiva é ali também apresentada por Rolão Preto como uma "absurda e falsa conclusão germânica" (Para além da guerra, p. 94).
A respeito da posição de Rolão Preto face aos beligerantes, em entrevista a José Plácido Machado Barbosa (Para além da Revolução... A Revolução - Entrevistas, 1940), num livro que Medina cita várias vezes e de que transcreve aliás um longo excerto (Salazar e os Fascistas, 1978, pp. 231-239; conhecia pois bem esse livro!), pode verificar-se a posição de Rolão Preto, e a perspectiva geopolítica que a determina, face aos blocos de uma iminente guerra europeia (as entrevistas terminam em Maio de 1939):
"Resumiu V. Exª as condições internas da realização do império português. Há também condições externas de grande importância, não é verdade?
- Por certo, fundamentais. Deve-se continuar fiéis, naturalmente, à aliança inglesa. Portugal, nação imperial atlântica, nação oceânica por excelência, não pode fugir à necessidade de se apoiar no mar.
Há oito séculos que essa realidade geográfica condiciona sua política externa."
(p. 53)
(...)
"- A Aliança Inglesa é pois indispensável a Portugal. Estão todavia surgindo na Europa outros valores de grande importância.
A Itália por exemplo.
- Os erros que atiraram a Itália para um plano contrário à política inglesa é possível que venham "todos" a pagá-los tragicamente um dia."
(p. 54)
E, mais adiante:
"- O Doutor Salazar mantendo-se fiel à Aliança Inglesa tem portanto os aplausos de V. Exªa.
- Certamente. Não sou eu quem lhe negue justiça que mereça. De resto espero que ele me fará também justiça de me julgar incapaz de cometer pecado de facciosismo, preocupações de espírito contra, que tudo condena quanto não esteja na linha recta do seu próprio pensamento."
(p. 56)
Os "erros que atiraram a Itália para um plano contrário à política inglesa", ali referidos por Rolão Preto, foram os que conduziram à Segunda Guerra Italo-Etíope (1935-36), com a Itália fascista a invadir a Abissínia. Desde Janeiro de 1933, que Rolão Preto vinha condenando os totalitarismos fascista e hitleriano. A partir da invasão da Abissínia, em Outubro de 1935, a sua demarcação e condenação tinha uma motivação também geopolítica: "a partir da guerra da Abissínia já não tenho nada a ver com o Mussolini!" (Entrevista - "Não, não e não").
O expediente de reduzir o Fascismo a uma coreografia não foi uma habilidosa invenção de João Medina. O jornalismo da partidocracia usou-o abundantemente na década de 30. Quem não se identificasse como "comunista" ou "anarquista", e não fosse favorável ao parlamentarismo da partidocracia, seria forçosamente fascista, a exautorar na "extrema-direita" do seu imaginado espectro político. Em publicações com intenção historiográfica foi, no entanto, Medina um dos primeiros, senão o primeiro, a adoptar esse artifício politicante a respeito dos "camisas azuis" de Rolão Preto. As fotografias e as caricaturas publicadas na imprensa da época seriam a prova de que Rolão Preto era fascista. E foi assim que, logo após a estampa, Medina proclamou de chofre, abrindo o livro: "A ilusão de Rolão Preto foi a de alguns fascistas "puros": pensar que se podia fazer a Revolução na extrema-direita, julgar que havia um fascismo social." Rolão Preto seria obviamente "fascista", aliás um "fascista puro", a incluir na "extrema-direita".
Medina foi um marco na historiografia acerca dos "camisas azuis", não muito depois obtendo seguidores que, em livros ou artigos jornalísticos, exibem fotografias ou caricaturas ilustrativas, para logo de seguida despejarem a esmo os epítetos de "fascista", "extrema-direita", "direita radical", "autoritarista", entre outros mimos de conteúdo ou conotação "anti-democrática" (na mesma linha de João Medina, ver António Costa Pinto, Camisas Azuis, Lisboa, Estampa, 1994). Para além dos erros, falsidades, e mesmo adulteração de fontes primárias, ocultar ou deturpar o ideário nacional-sindicalista é um traço distintivo dessa cavilosa literatura.
Até ao início dos anos de 1930, Rolão Preto saudou com esperança as "revoluções nacionalistas" a alastrar pela Europa, em especial as vitórias eleitorais e subidas ao poder de Mussolini em Itália e de Hitler na Alemanha. Daí surgiu um outro estratagema enganoso utilizado por Medina e sequazes: o de apresentar essas manifestações de esperança nas vitórias nacionalistas europeias como uma adesão aos seus ideários políticos. As tradições políticas dos Estados europeus, bem como as respectivas doutrinas nacionalistas, têm feições distintas, por vezes politicamente contrastantes, assentando em realidades muito diversas no espaço e no tempo: há nações com origem medieval (como Portugal ou a Inglaterra), neo-clássicas ou renascentistas (como a França), ou pós-revolucionárias (como a Itália e a Alemanha, no último quartel do século XIX). Para um historiador italiano ou alemão, as ideologias nacionalistas das suas pátrias são fenómenos dos séculos XVIII e XIX, mas é um indesculpável paralaxe a um historiador português negar a existência de uma ideologia nacionalista nas crónicas de Fernão Lopes. Rolão Preto saudou, sem excepção, os triunfos de forças e ideias nacionalistas na Europa, incluindo a viragem nacionalista do bolchevismo após a morte de Lenine. O Integralismo Lusitano, e o sucedâneo Nacional-Sindicalismo, era um movimento nacionalista, vendo em todas essas vitórias, sem excluir a inflexão nacionalista dos bolcheviques, expressões de um ambiente propício, favorável, ao seu desejado "reaportuguesamento de Portugal".
Ao mesmo tempo que se reduzia o Fascismo a uma coreografia, e se amalgamavam nos fascismos os mais diversos nacionalismos, minimizava-se, escondia-se ou deturpava-se o ideário municipalista e sindicalista do Integralismo Lusitano e do sucedâneo Movimento Nacional-Sindicalista. Outro tanto se fez acerca das demarcações e recusas de Rolão Preto em adoptar as doutrinas do Estado totalitário do Fascismo. A documentação que atesta a rejeição dos totalitarismos fascistas por parte de Rolão Preto, antes da II Guerra Mundial, não é tão escassa e insipiente quanto João Medina (e Costa Pinto, Camisas Azuis, citado, p. 38: "Só a partir de 1945 se afastaria do fascismo") querem fazer crer.
No seio do integralismo, logo após o triunfo do fascismo em Itália, António Sardinha, no prefácio a Ao princípio era o Verbo (1924), advertiu os seus pares no Integralismo para a natureza, e os perigos, dos nacionalismos de além Pirineus. Sardinha distinguiu então três espécies de nacionalismo: (1) o nacionalismo “da sôfrega dilatação que, de nacionalismo, se torna depressa em perturbadora exaltação imperialista” ; (2) o nacionalismo que, a exemplo da Suíça, quer ser “placa giratória” da Europa, e “não ambiciona para Portugal outras vantagens que não sejam as de um turismo promissor e condescendente”; e (3) o "nacionalismo esclarecido pelo tradicionalismo" - o seu nacionalismo - que identifica como "católico romano", apto a “reconstruir uma ordem internacional em que todas as pátrias, pequenas ou grandes, se achem naturalmente enlaçadas por uma finalidade comum.”(p. xvi). Sardinha escrevia em Fevereiro de 1923, na Quinta do Bispo, em Elvas, mas como que pressentindo já o aproximar de uma nova hecatombe europeia: “Urge que, na floresta espessa dos mitos e superstições dominantes, nos não abandonemos cegamente ao encanto bárbaro da aspiração nacionalista. Acentuamos "encanto bárbaro", porque, na sua ansia impetuosa há na aspiração nacionalista que desvaira a Europa uma força de agressividade primitiva, - um total olvido da harmonia que é imperioso restabelecer nas relações dos povos, como assento sólido da Cidade-de-Deus”. (pp. xiii-xiv). Até essa data, o fascismo não tinha definida uma doutrina política, não indo além de uma triunfante técnica miliciana de acção política e de propaganda.
Para os católicos, foi naturalmente o papa Pio XI a fazer soar o alarme, ao reagir à proibição das organizações católicas de juventude em Itália, condenando o Fascismo como uma "estatolatria pagã" (Encíclica Non abbiamo bisogno). A doutrina totalitária do fascismo estava ainda por definir, mas começavam a revelar-se os seus primeiros e evidentes sinais. O jacobinismo de Benito Mussolini começava de novo a subir à superfície e, em 1932, sem margem para dúvida, era o próprio a definir o fascismo como um totalitarismo. Em Janeiro de 1933, em entrevista à United Press, Rolão Preto já não teve dúvida em demarcar-se do fascismo e do hitlerismo, considerando-os como "totalitarismos divinizadores do Estado cesarista".
As demarcações e condenações dos fascismos não se ficarão por aí. Ainda em 1933, ao serem revelados na imprensa estrangeira a existência de planos italianos e alemães para os territórios portugueses do ultramar africano, que estariam a tentar seduzir os britânicos, o nacional-sindicalismo convoca uma manifestação de protesto junto à embaixada do Reino Unido. A manifestação foi proibida pelo governo mas, em Junho do ano seguinte, face à repressão que se começava a abater sobre o nacional-sindicalismo, Rolão Preto envia uma representação (pública) ao presidente da República, em que o modelo totalitário do fascismo, adoptado por Salazar no partido único da União Nacional, é um foco essencial do protesto. O governo respondeu com a prisão e desterro de Rolão Preto e Alberto Monsaraz, proibindo pouco depois o Nacional-Sindicalismo. Em resposta, a Junta N-S. denunciou a imitação do totalitarismo fascista por parte do governo de Salazar. No início de 1935, ao retornar a Portugal, Rolão Preto voltou a condenar e rejeitar o fascismo no seu discurso aos intelectuais nacionalistas. Mas Rolão Preto não se limitou a rejeitar o totalitarismo do fascismo em declarações à imprensa, em comunicados ou em discursos, vindo o estatismo totalitário a ser um dos temas centrais do seu livro Justiça! (1936), em defesa de uma revolução personalista e comunitária. O livro foi proibido pelo governo de Salazar. O nacional-sindicalismo de Rolão Preto, além de afirmar o seu anti-fascismo desde o início dos anos 30, não se incluía a si mesmo sequer nas chamadas "direitas" (ver entrevista à RTP - "Tudo pelo Homem nada contra o Homem", em Janeiro de 1975).
Para João Medina, estava decidido que Rolão Preto seria "fascista", aliás um "fascista puro". Passando ao lado da abundante documentação negando a sua "tese", na página 15 do livro, sugerindo que tinha ido às fontes verificar os pontos essenciais de pensamento e doutrina do Nacional Sindicalismo, cita um índice, retirado de um folheto de propaganda, onde se enumeram "as bases do Estado nacional-sindicalista": "1. A Família; 2. A Tradição; 3. O Município; 4. O Sindicato; 5. A Corporação; e 6. A Nação". Esse índice, ali apresentado sem qualquer elucidação, é o que de mais rigoroso Medina apresenta a respeito da doutrina nacional-sindicalista. A citação do índice, podia ter-lhe propiciado uma breve mas importante reflexão - Qual a concepção do Estado de Rolão Preto? Consideraria ele, tal como Mussolini, que "o Estado é um absoluto" e que "indivíduos e grupos só são «pensáveis» quando estão no Estado"?
Para servir o seu propósito - apresentar Rolão Preto como fascista - Medina não elucidou nem podia elucidar a sua doutrina do Estado, porque essa doutrina, sendo essencialmente Municipalista e Sindicalista, está nos antípodas do totalitarismo fascista: enquanto no Fascismo, "tudo está no Estado, e nada humano ou espiritual existe, muito menos tem valor, fora do Estado" ("é, nesse sentido, totalitário", na definição de Benito Mussolini, em 1932), na doutrina de Rolão Preto, tudo o que é humano e tem valor social - a Família, o Município, o Sindicato... - deve manter a sua autonomia, liberdade, fora da alçada do Estado. A primacial tarefa ou função do Estado nacional-sindicalista é a de lhes prestar serviço - à Família, ao Município, ao Sindicato, à Corporação, à Nação.
Ao ocultar a concepção antitotalitária do Estado do Nacional-Sindicalismo, proveniente do Integralismo Lusitano, ocultou-se porque é que Rolão Preto não prescindia das liberdades cívicas, sindicais e políticas ao confrontar-se com o nascente Estado Novo. Sendo elucidada a doutrina Nacional-Sindicalista facilmente se entenderia porque é que Rolão Preto rejeitou o Corporativismo de Estado instalado pela Salazarquia. A Constituição que Salazar mandou referendar adoptou o modelo bicameral proposto pelo grupo da Seara Nova - Câmara de Partidos e Câmara Corporativa - mas consagrou na prática um Regime de Partido Único e um Corporativismo de Estado - o modelo do Partido Único tinha antecedentes no Bolchevismo e no Fascismo; o Corporativismo de Estado tinha antecedente no Fascismo.
A Constituição de 1933 acolheu uma Câmara de Partidos, mas era na prática um regime de Partido Único. Apenas a União Nacional tinha existência legal, e só durante os períodos eleitorais era permitido às oposições apresentarem-se perante os eleitores. Em 1934, nem isso foi possível: o Nacional-Sindicalismo foi proibido seis meses antes das eleições (cf. Salazar e a proibição do Nacional-Sindicalismo); foi reforçada a censura na imprensa (o jornal Revolução foi suspenso); a eleição foi realizada em colégio eleitoral único, de lista completa (a lista mais votada elegia o pleno dos deputados); com a lista da União Nacional a ser a única admitida na eleição. A própria lei eleitoral só foi publicada cerca de um mês antes do acto eleitoral, baseando-se num conceito de Estado totalitário decalcado do fascismo [Decreto-lei 24:631, de 6 de Novembro de 1934]. A eleição de 16 de Dezembro, denunciada como farsa pelos Nacional-Sindicalistas, garantiu à União Nacional o pleno dos deputados na Assembleia Nacional. Após a II Guerra Mundial, foram introduzidos colégios distritais, mas manteve-se a eleição de lista completa; a União Nacional como o único partido legalmente constituído; censura na imprensa, etc., o que explica a inexistência das oposições no Parlamento em toda a vigência da Constituição do Estado Novo. (ver, José Manuel Quintas, "Assembleia Nacional" e "Eleições para a Assembleia Nacional" in Fernando Rosas; J. M. Brandão de Brito (Org.), Dicionário de História do Estado Novo, Vol. I, Lisboa, 1996, pp. 69-70; 288-291).
O Movimento Nacional-Sindicalista foi proibido por Salazar, mas sofreu infiltrações e cisões desagregadoras, antes e depois da prisão e do exílio de Rolão Preto. Segundo a narrativa de Medina, teria havido uma cisão entre os "fascistas puros", chefiados por Rolão Preto, e os "fascistas filo-salazaristas" que vieram a integrar a União Nacional, o partido único do regime. Na verdade, deu-se toda uma outra história, explicitada, no plano dos fundamentos, no livro Justiça! (1936): junto de Rolão Preto, ficaram os antifascistas, antitotalitários, os que defendiam o sindicalismo livre e as liberdades políticas e que resistiram à sedução das benesses do poder, recusando integrar a Salazarquia (ver Justiça!, Capítulos III, IV e V, pp. 21-42).
Em resumo, Medina retomou ali os processos da "velha escola” da distorção dos factos e da caricatura dos adversários políticos, em declarada sintonia, aliás, com o capcioso Carlos Ferrão de O Integralismo e a República (Autópsia dum Mito). Não sendo o livro Salazar e os Fascistas apresentado como "um libelo e uma exautoração", como a "Autópsia" de Ferrão, Medina não esconde a sua aversão ao Integralismo Lusitano e ao seu desenvolvimento no Movimento Nacional-Sindicalista, começando por atribuir-lhes "ódios rábicos" e "outras fobias" (p. 8). A aversão e a má-fé de Medina está bem presente ao longo de todo o livro. Seguindo de perto os processos de Carlos Ferrão, Medina não hesita em descer à mentira quando, por exemplo, atribui a Rolão Preto apoio aos alemães durante a guerra, citando uma passagem do livro Para além da guerra (1942) em que ele teria considerado que o triunfo do bloco anglo-saxónico significaria "a queda inevitável da atual civilização", acrescentando, que "a Alemanha actual, socialista e popular, está muito acima da velha Inglaterra, capitalista e feudal" (João Medina, Salazar e os Fascistas, p. 51). A falsificação é evidente e grotesca. Ao lermos o livro Para além da guerra, sob o título "Esquemas" (pp. 91-100), verificamos que Rolão Preto está a expor os principais pontos de vista e de propaganda dos blocos beligerantes. O que Medina cita como sendo a perspetiva de Rolão Preto é o ponto de vista germânico, ali por ele resumido. Na mesma página citada por Medina, partindo da posição britânica e americana, essa perspectiva é ali também apresentada por Rolão Preto como uma "absurda e falsa conclusão germânica" (Para além da guerra, p. 94).
A respeito da posição de Rolão Preto face aos beligerantes, em entrevista a José Plácido Machado Barbosa (Para além da Revolução... A Revolução - Entrevistas, 1940), num livro que Medina cita várias vezes e de que transcreve aliás um longo excerto (Salazar e os Fascistas, 1978, pp. 231-239; conhecia pois bem esse livro!), pode verificar-se a posição de Rolão Preto, e a perspectiva geopolítica que a determina, face aos blocos de uma iminente guerra europeia (as entrevistas terminam em Maio de 1939):
"Resumiu V. Exª as condições internas da realização do império português. Há também condições externas de grande importância, não é verdade?
- Por certo, fundamentais. Deve-se continuar fiéis, naturalmente, à aliança inglesa. Portugal, nação imperial atlântica, nação oceânica por excelência, não pode fugir à necessidade de se apoiar no mar.
Há oito séculos que essa realidade geográfica condiciona sua política externa."
(p. 53)
(...)
"- A Aliança Inglesa é pois indispensável a Portugal. Estão todavia surgindo na Europa outros valores de grande importância.
A Itália por exemplo.
- Os erros que atiraram a Itália para um plano contrário à política inglesa é possível que venham "todos" a pagá-los tragicamente um dia."
(p. 54)
E, mais adiante:
"- O Doutor Salazar mantendo-se fiel à Aliança Inglesa tem portanto os aplausos de V. Exªa.
- Certamente. Não sou eu quem lhe negue justiça que mereça. De resto espero que ele me fará também justiça de me julgar incapaz de cometer pecado de facciosismo, preocupações de espírito contra, que tudo condena quanto não esteja na linha recta do seu próprio pensamento."
(p. 56)
Os "erros que atiraram a Itália para um plano contrário à política inglesa", ali referidos por Rolão Preto, foram os que conduziram à Segunda Guerra Italo-Etíope (1935-36), com a Itália fascista a invadir a Abissínia. Desde Janeiro de 1933, que Rolão Preto vinha condenando os totalitarismos fascista e hitleriano. A partir da invasão da Abissínia, em Outubro de 1935, a sua demarcação e condenação tinha uma motivação também geopolítica: "a partir da guerra da Abissínia já não tenho nada a ver com o Mussolini!" (Entrevista - "Não, não e não").
* * * * *
Nos anos 30, os métodos milicianos de organização e propaganda foram utilizados nos mais diversos quadrantes ideológicos - por comunistas, fascistas, "centristas" (como os republicanos alemães ou o britânico Social Credit Party), e mesmo por anarquistas, como a Federación Anarquista Ibérica (FAI) espanhola - podendo ajudar a confundir mais do que a explicar.
Ao proibir o Nacional-Sindicalismo, Salazar acusou-o de "se inspirar em certos modelos estrangeiros”. Em resposta, em Agosto de 1934, lê-se no comunicado da Junta de Acção Nacional-Sindicalista (JAN-S):
"O Movimento N. S. nunca se inspirou, nem tinha que inspirar-se em ideologias de modelos estrangeiros, fundada como foi por nacionalistas portugueses, cuja doutrina é anterior, não só à dos homens do Governo e à sua «União Nacional» — o que seria pouco em verdade — como também à doutrinação fascista e nazista, ou a qualquer outro aspecto de Revolução Nacionalista na Europa."
Em seguida, a JAN-S reconhece que "aceitou a técnica da acção fascista por se ter revelado, na prática, a mais eficaz", mas não sem rejeitar uma vez mais o totalitarismo do Fascismo e colocando em evidencia a "sua posição doutrinária para além do Fascismo, do Hitlerismo e do Comunismo, definindo as características do Nacionalismo Português, tradicionalmente incompatível com a divinização do Estado e cioso das prerrogativas e liberdades essenciais da personalidade humana".
Na entrevista com Medina, Rolão Preto tinha identificado o motivo da sua ruptura com o Estado Novo precisamente na criação do "pseudo-sindicalismo" de Salazar (ver "Não, não e não"; também a entrevista à RTP, "Tudo pelo Homem nada contra o Homem"). João Medina fez-se de desentendido, escondendo, como Salazar quis esconder, as afinidades entre o Estado Novo e o Estado Fascista de Mussolini.
Ao reduzir o Estado Novo de Salazar a um regime meramente pessoal e autoritário, Medina exibiu a coreografia dos "camisas azuis", mas sem dar muito destaque à dos "camisas verdes" da Acção Escolar de Vanguarda (mais tarde Mocidade Portuguesa), bem como às influências fascistas acolhidas ao criar-se o partido único da União Nacional e ao instalar-se um Corporativismo de Estado.
A falsificação das ideias de Rolão Preto, da doutrina e da ação do MNS na luta contra o estabelecimento da Salazarquia, apresentada por Medina no livro Salazar e os Fascistas, acabou por ser, no essencial, a transposição da visão que Salazar pretendia veicular acerca dos "camisas azuis" para o contexto do recém-criado regime partidocrático da 3ª República.
O projecto político do Integralismo Lusitano contemplou, desde o início, uma dupla restauração: restauração da Instituição Real na chefia do Estado e restauração da República por intermédio de uma representação municipal e sindical. Após o 28 de Maio de 1926, os fundadores do Integralismo suspenderam a reivindicação monárquica, mas retomaram-na após a institucionalização do Estado Novo, vindo a estar presente no testamento político que transmitiram às novas gerações - "Portugal Restaurado pela Monarquia" (1950). A Salazarquia, no seguinte Congresso da União Nacional, desfez imediatamente qualquer miragem de uma futura restauração da Instituição Real. Nas décadas seguintes, os jovens herdeiros do Integralismo continuaram a combater o Estado Novo ao lado das chamadas "oposições republicanas".
Após o 25 de Abril de 1974, Rolão Preto acolheu com alívio e alegria as liberdades cívicas e políticas por fim alcançadas, mas irá continuar a pugnar, tal como o seu companheiro Mário Saraiva (1910-1998), por uma Outra Democracia.
Após 1976, a oligarquia monopartidarista foi substituída pela oligarquia pluripartidarista dos subscritores do "pacto MFA-Partidos", continuando por isso a ser um regime contrário ao ideário do Integralismo Lusitano: manteve-se o monopólio da representação da República através de partidos ideológicos. Os integralistas, além da reivindicação monárquica, continuaram naturalmente a reivindicar a restauração da República, subtraindo-a ao controlo das oligarquias partidárias - "Queremos o rei e os sovietes!" - foi a fórmula sindicalista então proclamada por Rolão Preto.
A falsificação de João Medina a respeito do ideário do Integralismo Lusitano e do Nacional-Sindicalismo visava colher frutos entre os mais desprevenidos e ignorantes. Tal como Carlos Ferrão, João Medina acreditava que, das mentiras, alguma coisa ficaria. Ao ocultar o ideário personalista e comunitário de Rolão Preto, e ao mentir acerca da sua posição face aos beligerantes na II Grande Guerra, Medina não prestou serviço à verdade histórica, antes aos salazaristas ciosos por esconder a forte influência e o contributo da doutrina do fascismo na instalação do Estado Novo e sua Salazarquia.
[27 de Abril de 2024, J. M. Q.]
Ao proibir o Nacional-Sindicalismo, Salazar acusou-o de "se inspirar em certos modelos estrangeiros”. Em resposta, em Agosto de 1934, lê-se no comunicado da Junta de Acção Nacional-Sindicalista (JAN-S):
"O Movimento N. S. nunca se inspirou, nem tinha que inspirar-se em ideologias de modelos estrangeiros, fundada como foi por nacionalistas portugueses, cuja doutrina é anterior, não só à dos homens do Governo e à sua «União Nacional» — o que seria pouco em verdade — como também à doutrinação fascista e nazista, ou a qualquer outro aspecto de Revolução Nacionalista na Europa."
Em seguida, a JAN-S reconhece que "aceitou a técnica da acção fascista por se ter revelado, na prática, a mais eficaz", mas não sem rejeitar uma vez mais o totalitarismo do Fascismo e colocando em evidencia a "sua posição doutrinária para além do Fascismo, do Hitlerismo e do Comunismo, definindo as características do Nacionalismo Português, tradicionalmente incompatível com a divinização do Estado e cioso das prerrogativas e liberdades essenciais da personalidade humana".
Na entrevista com Medina, Rolão Preto tinha identificado o motivo da sua ruptura com o Estado Novo precisamente na criação do "pseudo-sindicalismo" de Salazar (ver "Não, não e não"; também a entrevista à RTP, "Tudo pelo Homem nada contra o Homem"). João Medina fez-se de desentendido, escondendo, como Salazar quis esconder, as afinidades entre o Estado Novo e o Estado Fascista de Mussolini.
Ao reduzir o Estado Novo de Salazar a um regime meramente pessoal e autoritário, Medina exibiu a coreografia dos "camisas azuis", mas sem dar muito destaque à dos "camisas verdes" da Acção Escolar de Vanguarda (mais tarde Mocidade Portuguesa), bem como às influências fascistas acolhidas ao criar-se o partido único da União Nacional e ao instalar-se um Corporativismo de Estado.
A falsificação das ideias de Rolão Preto, da doutrina e da ação do MNS na luta contra o estabelecimento da Salazarquia, apresentada por Medina no livro Salazar e os Fascistas, acabou por ser, no essencial, a transposição da visão que Salazar pretendia veicular acerca dos "camisas azuis" para o contexto do recém-criado regime partidocrático da 3ª República.
O projecto político do Integralismo Lusitano contemplou, desde o início, uma dupla restauração: restauração da Instituição Real na chefia do Estado e restauração da República por intermédio de uma representação municipal e sindical. Após o 28 de Maio de 1926, os fundadores do Integralismo suspenderam a reivindicação monárquica, mas retomaram-na após a institucionalização do Estado Novo, vindo a estar presente no testamento político que transmitiram às novas gerações - "Portugal Restaurado pela Monarquia" (1950). A Salazarquia, no seguinte Congresso da União Nacional, desfez imediatamente qualquer miragem de uma futura restauração da Instituição Real. Nas décadas seguintes, os jovens herdeiros do Integralismo continuaram a combater o Estado Novo ao lado das chamadas "oposições republicanas".
Após o 25 de Abril de 1974, Rolão Preto acolheu com alívio e alegria as liberdades cívicas e políticas por fim alcançadas, mas irá continuar a pugnar, tal como o seu companheiro Mário Saraiva (1910-1998), por uma Outra Democracia.
Após 1976, a oligarquia monopartidarista foi substituída pela oligarquia pluripartidarista dos subscritores do "pacto MFA-Partidos", continuando por isso a ser um regime contrário ao ideário do Integralismo Lusitano: manteve-se o monopólio da representação da República através de partidos ideológicos. Os integralistas, além da reivindicação monárquica, continuaram naturalmente a reivindicar a restauração da República, subtraindo-a ao controlo das oligarquias partidárias - "Queremos o rei e os sovietes!" - foi a fórmula sindicalista então proclamada por Rolão Preto.
A falsificação de João Medina a respeito do ideário do Integralismo Lusitano e do Nacional-Sindicalismo visava colher frutos entre os mais desprevenidos e ignorantes. Tal como Carlos Ferrão, João Medina acreditava que, das mentiras, alguma coisa ficaria. Ao ocultar o ideário personalista e comunitário de Rolão Preto, e ao mentir acerca da sua posição face aos beligerantes na II Grande Guerra, Medina não prestou serviço à verdade histórica, antes aos salazaristas ciosos por esconder a forte influência e o contributo da doutrina do fascismo na instalação do Estado Novo e sua Salazarquia.
[27 de Abril de 2024, J. M. Q.]
(Para quem não desiste na busca da verdade das ideias, das almas e dos factos, aí fica a Entrevista tal como foi publicada, sem poder verificar a sua integral autenticidade, mas começando precisamente com um "não" em resposta à primeira pergunta - 1975 - Francisco Rolão Preto - Entrevista - "Não, não e não").
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1933 - Carta para o "Camarada Quitério" - "Não convém os mestres integralistas, porque falam sempre em Monarquia..."
1977 - Franco Nogueira - Um distorcido perfil de Rolão Preto
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Outras referências
1932 - Benito Mussolini - Fascismo
1934-07-29 - Salazar e a proibição do Nacional-Sindicalismo
1934-12-24 - O Nacional-Sindicalismo após a Farsa Eleitoral
1934 - Acção Escolar de Vanguarda
1936 - Francisco Rolão Preto - Justiça!
1945 - Rolão Preto - Tudo pelo Homem, nada contra o Homem (entrevista ao Diário de Lisboa)
1959-01-13 - Entrevista a Francisco Rolão Preto (RDP)
1975-01-24 - Francisco Rolão Preto - Tudo pelo Homem nada contra o Homem
1975-07 - Francisco Rolão Preto - Entrevista - "Não, não e não".
1932 - Benito Mussolini - Fascismo
1934-07-29 - Salazar e a proibição do Nacional-Sindicalismo
1934-12-24 - O Nacional-Sindicalismo após a Farsa Eleitoral
1934 - Acção Escolar de Vanguarda
1936 - Francisco Rolão Preto - Justiça!
1945 - Rolão Preto - Tudo pelo Homem, nada contra o Homem (entrevista ao Diário de Lisboa)
1959-01-13 - Entrevista a Francisco Rolão Preto (RDP)
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